Aparentemente quem ler o título fica sugestionado, pensando que o autor é um perigoso militante antirregime, fervoroso adepto de um qualquer fenómeno extremista, que ousa violar de forma sistemática as doutrinas socialmente enraizadas do estado de direito, permitindo-se questionar as mais elementares regras democráticas consagradas pelos nossos pergaminhos constitucionais.

Nada de mais falacioso, ou não fosse neste caso a escolha de um título uma técnica de vendas que visa prender a atenção do leitor a uma evangelização de modelo de sociedade e funcionamento das instituições democráticas que os dias que correm nos fazem confrontar, ou na melhor das hipóteses, convidar à reflexão.

Porventura inspirado no livro dos economistas Daron Acemoglu e James Robinson Porque falham as nações, tento discorrer um pouco sobre a proeminente radicalização de alguns setores da sociedade e a desconfiança sobre as instituições, muitas delas seculares e até à data insofismáveis na sua relevância e contributo para a harmonia social. Movimentos populistas que cavalgam de forma exacerbada sob as mais indiscutíveis e ilegítimas desigualdades, uma perceção sobre o fenómeno da corrupção que se alastra aos quadros intermédios da administração pública ou até o aparecimento de algumas correntes inorgânicas de sindicalismo. Estes são apenas alguns exemplos de como as sociedades contemporâneas procuram espaços de intervenção cívica mais ou menos construtivos e legítimos, e que visam o protesto pela falta de representatividade que as organizações mais conservadoras e instaladas no nosso quotidiano foram perdendo ao longo dos anos.

Para se perceber melhor os motivos pelos quais as nações diferem entre si em riqueza e outros indicadores seria necessário, à semelhança do livro redigido pelos dois economistas, procurar uma resposta mais conclusiva na história da humanidade, encontrando na solidez e grau de aceitação das instituições políticas e económicas uma justificação plausível, embora pouco tolerada, para o grau de desigualdade entre povos.

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E a questão da corrupção, seja ela no domínio da perceção ou do concreto, é um perigoso aliado dos extremismos que contribuem para a descredibilização das instituições democráticas e o avolumar exponencial de formas alternativas, e nem sempre civicamente saudáveis, de participação cívica.

No capítulo das desigualdades importa salientar, com exemplos concretos, que um aluno sem professor, um doente sem consulta ou até um comboio parado configuram situações de ineficiência das políticas públicas, e que o tempo se tem encarregado de normalizar, mas que são rapidamente interpretadas com a veleidade de quem não se sente representado e quer capitalizar o seu descontentamento. Assim, importa sobretudo, e a montante, reduzir o nível de desigualdades, e a jusante aperfeiçoar os níveis de transparência e participação dos cidadãos na construção das políticas públicas.

No fundo, as lacunas que o regime democrático, por razões atendíveis na maior parte das vezes, tem vindo a acentuar, designadamente ao nível das mais elementares funções sociais do estado, são um combustível de ignição rápida para uma intervenção mais populista e radicalizada na demagogia, mas que uma leitura errada dos seus fundamentos apenas exacerba a sua principal motivação – ser ouvido e fazer-se representar.

As notícias recentes, primariamente animadoras na sua génese – diminuição significativa dos portugueses em risco de pobreza e aumento da exigência do escrutínio público sobre o fenómeno da corrupção – não deixam de ser demasiado ambíguas se considerarmos que o nível de desigualdades permanece ainda elevado e a perceção de bem-estar social ainda se revela algo residual.

Estas iniquidades expressam-se das mais variadas formas – na pobreza energética, no grau de qualificações e acesso a cuidados de saúde, na carência habitacional ou na disparidade de rendimentos. Afinal de contas, é por estes e outros motivos que “as nações falham na afirmação de prosperidade dos seus recursos”, e permito-me humildemente acrescentar – que as democracias autoflagelam os seus mais elementares princípios basilares.