Pela primeira vez na história, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) nomeou cinco mulheres para ocuparem os oito cargos disponíveis de chefia das áreas de desenvolvimento.

O MIT e muitas pessoas ao redor do mundo estão entusiasmadas com as nomeações, não só pelo mérito e excelência destas mulheres, que é assim reconhecido e divulgado, mas também, e, sobretudo, pela mudança de paradigma que as nomeações implicam para o mundo das ciências, tecnologia, engenharia e matemática (CTEM), predominantemente masculino.

A desigualdade de género — sobretudo na área das CTEM e indústrias do setor — tem persistido nas últimas décadas. Mas nem sempre foi assim.

Do século XVIII em diante, ao longo de todo o século XIX e até ao fim da II Guerra Mundial, a programação foi predominantemente realizada por mulheres, que dominavam o setor. Por exemplo, o primeiro algoritmo destinado a ser executado por um computador foi desenvolvido por Ada Lovelace no século XIX; Joan Murray celebrizou-se pelo seu trabalho de quebra de código no Projeto Enigma (Bletchley Park), conseguindo aceder às comunicações secretas da Alemanha nazi durante a Segunda Guerra Mundial e Grace Hopper foi uma das primeiras programadoras do computador Harvard Mark I, tendo contribuído para a criação e desenvolvimento do compilador que potenciaria a descoberta e desenvolvimento do primeiro programa em linguagem natural projetado para os negócios e para as empresas (COBOL).

Foi só no final da década de 60 que a demografia geral deixou de ser predominantemente feminina. À data, embora as mulheres ainda ocupassem cerca de 30 a 50% dos empregos no setor, deixaram de ser promovidas a cargos de liderança e começaram a receber significativamente menos do que seus colegas homens.

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Na década de 90, a computação já tinha sido dominada por homens, ao sabor de uma queda crescente e consecutiva na proporção de mulheres licenciadas em CTEM, sem grande inversão de tendência até aos dias de hoje.

De acordo com dados recentemente revelados pela Honeypot, o principal país para mulheres na tecnologia é Portugal: 30,56% dos licenciados que cursam CTEM são mulheres, valor que compara com 24,24% nos EUA. Contudo, nos EUA, este número está muito próximo do percentual que realmente compõe o setor de tecnologia (24,61%), ao passo que em Portugal, uma maior paridade que se poderia até adivinhar à partida, dilui-se na percentagem efetiva de cargos/carreiras em TI ocupados por mulheres (cerca de 16%).

De acordo com os números da Honeypot, em Portugal os homens também ganham cerca de 11,1% a mais do que as mulheres e cerca de 20% das mulheres permaneçam em níveis de carreira inferiores, quando comparadas com homens com a mesma formação e idade.

No seu artigo Women In Tech: Inconvenient Truths And Changing Perspectives, Julian Vigo reporta a conversa tida com Tammy Moskites, em que esta referia ter tido apenas 13% de mulheres pares no índice Fortune 500, explicitando que esse percentual era representativo de cerca de 65 empresas num universo de 500 e que incluía não só homólogas no cargo (CSIO), como também outros cargos.

Mais recentemente a Ensono, no seu relatório Speak Up – Bringing More Women’s Voices to Tech Conferences, partiu do que parecia ser um detalhe – participação efetiva de mulheres em conferências e palestras na área de tecnologia nos EUA – para concluir pela existência de uma desigualdade muito mais abrangente, persistente e preocupante. Constatou-se, por exemplo, que apesar de cada vez mais se exigirem vozes femininas em temas de CTEM, algumas das maiores conferências de tecnologia do mundo continuam apresentando essencialmente homens, numa proporção média de 4 homens para 1 mulheres.

Chegados a 2019, as mulheres — que durante décadas tinham sido uma inspiração e tendência incontornável nas CTEM — tornaram-se exceção e, apesar dos esforços no sentido de uma certa reposição de igualdade, esta não está a acontecer com a celeridade e eficácia necessárias.

É preciso fazer mais.

Desde logo, combater os estereótipos e estigmas sociais em torno da mulher, que começam logo na infância, com as escolhas de brinquedos e atividades (por género) que se vão densificando num emaranhado de escolhas — mais ou menos prováveis — que acabam por afastar as raparigas das “áreas de rapazes”.

As empresas têm que passar a adotar medidas concretas e acionáveis com vista à reposição da máxima igualdade de género possível. Impõe-se uma resistência objetiva e consequente ao facilitismo de nomeações por razões dissociadas de uma efetiva igualdade de género e de oportunidades de carreira, entre homens e mulheres; seja para satisfazer exigências regulatórias, cumprir determinados indicadores de boas práticas, etc.

O status quo da dominância masculina carece de ser efetiva e claramente mudado.

É urgente que se criem espaços efetivos para a liderança no feminino, que se definam planos de carreira que atendam ao efetivo mérito e excelência dos colaboradores, independentemente do género, que se preocupem com a retenção de talento no feminino e que consigam respeitar e valorizar as mulheres em toda a sua dimensão. As empresas precisam de adotar uma cultura verdadeiramente inclusiva, onde as mulheres sejam intelectualmente valorizadas e reconhecidas, possam crescer e servir de exemplo e de inspiração às novas gerações.

A falta de mulheres em cargos de liderança (sobretudo em áreas associadas à inovação e tecnologia) reduz o número de modelos para as jovens, que não conseguem projetar uma ideia realística de uma carreira gratificante nestas áreas.

Depois de tudo, subsistimos nós.

As mulheres têm uma História, que é suficientemente demonstrativa das suas capacidades. É nossa responsabilidade recontar todos os dias esta História, no exemplo que somos e naquilo que fazemos.

É urgente apoderar as jovens mulheres, educando-as para a relevância e para a consistência, insistindo na prevalência do conteúdo sobre a forma e contrariando a apologia de fórmulas instantâneas de sucesso, distantes de um percurso de construção de uma carreira profissional.

Compete-nos dar voz a um novo paradigma de sucesso, que possa servir de exemplo e inspiração e em que todas as áreas de conhecimento e de trabalho são válidas para a realização pessoal e profissional de uma jovem mulher.

Repensemos, de forma descomplexada, a nossa função social e aceitemos sem qualquer preconceito todas as dimensões da nossa condição feminina.

Saibamos ajudar as nossas jovens a distinguir – nos pequenos nada (do dia-a-dia) — os atos de gentileza, das “subtilezas” da desigualdade, partindo do princípio de que toda a desigualdade é intolerável.

Carina Branco é licenciada em Direito pela Católica Lisboa com um MBA para “inhouse counsel” pela Boston University Questroom School of Business. Fundou a Techlawyers em 2017 e em 2019 torna-se sócia da pbbr. Foi também diretora jurídica da Novabase entre 2002 e 2017.

O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõe o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.