Esta semana, na Comissão de Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu, votou-se uma opinião sobre o espaço cada vez mais reduzido da sociedade civil em vários Estados-Membros da União Europeia. Desde o começo da pandemia que se discute o seu impacto acentuado na saúde pública, na economia, no ensino, na justiça e até mesmo no jornalismo. Não obstante, existem outros exemplos, para além dos temas que mais ocupam o debate nacional, de como medidas e decisões tomadas em tempos de emergência, muitas vezes sem o controlo institucional e o escrutínio político necessários, causaram e continuam a causar danos colaterais nocivos para as nossas sociedades a longo prazo. Um deles é o agravamento das condições em que várias organizações da sociedade civil exercem a sua atividade em diferentes países. As circunstâncias em que tal aconteceu não são uma mera coincidência.

Um espaço cívico saudável e frutífero é fundamental para a prosperidade de qualquer democracia pois, entre outras coisas, promove o diálogo para além das plataformas institucionalizadas e favorece o pluralismo e ativismo cívicos. O período de eleições que vivemos atualmente em Portugal ilustra bem esta questão: são inúmeras as interações a que se pode assistir nas redes sociais entre grupos de pessoas que não partilham da mesma ideologia política, mas que têm algo em comum. Alimentam ciclos intermináveis de comentário aos comentários dos comentadores de debates onde o tempo disponibilizado para se discutir diversas matérias em profundidade é manifestamente insuficiente. Ainda assim, é mais a informação que se discute e debate – mesmo que nem sempre com a qualidade desejada – entre a sociedade civil ao fazer uso da sua livre expressão do que, por vezes, aquela que se pode “espremer” de algumas trocas de ideias entre candidatos nos canais de televisão. Até mesmo este artigo, que pode não ir ao encontro das opiniões de todos que o venham a ler, é um sinal salutar do espaço que é concedido no nosso país para exprimir uma opinião de forma livre.

Infelizmente, enquanto Portugal é dos Estados-Membros categorizados com a cor verde na ferramenta de monitorização da CIVICUS, a aliança global de organizações de sociedade civil, o mesmo não pode ser dito em relação a outros países que também fazem parte do projeto europeu. Organizações de sociedade civil em toda a União Europeia prestam serviços, galvanizam as suas comunidades, sensibilizam a população, defendem os interesses dos que não têm possibilidade de o fazer e responsabilizam as autoridades e instituições públicas. Nos últimos anos, têm sido crescentemente assediadas e intimidadas tanto no espaço físico como digital, vendo a independência das suas atividades ser limitada de diferentes formas. Desde campanhas de ódio, difamação e retaliação pública à adoção de leis extremamente restritivas, facilitando o aprisionamento dos que exercem as suas liberdades de expressão, assembleia e associação ou tornando a gestão do seu financiamento alvo de decisões político-partidárias pouco transparentes. Governos cujas agendas políticas são ameaçadas pelo mero funcionamento das suas respetivas sociedades civis levaram a cabo medidas concretas para reduzir o espaço e a voz destas últimas, quase todas com um mandato dedicado aos direitos humanos, às questões ambientais e à igualdade de género. Na Polónia, por exemplo, ativistas dos direitos das mulheres têm sido repetidamente insultadas e ameaçadas de morte. Na Letónia, ativistas ambientais que têm por missão educar o público sobre os tópicos da proteção ambiental e do aquecimento global foram atacados publicamente por uma instituição financiada pelo governo. Na Hungria, organizações dedicadas ao auxílio de imigrantes viram criminalizadas quaisquer tentativas de ajuda quanto a pedidos de residência através da aprovação de uma lei que já foi declarada estar em violação das normas de direito europeu pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

Tal como conclui o relatório da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia apresentado em setembro do ano passado, estes desafios foram e continuam a ser exacerbados pela pandemia. Vários instrumentos de direito internacional sublinham a obrigação dos países que por eles se regem de garantir um ambiente que potencie o florescimento e proteção da sociedade civil, dos defensores dos direitos humanos e do espaço cívico em geral. Entre eles, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e a Declaração das Nações Unidas sobre os Defensores de Direitos Humanos. Esta obrigação está igualmente espelhada em várias disposições do ordenamento jurídico da União Europeia. Neste contexto, a opinião adotada esta semana no Parlamento Europeu enumera recomendações distintas destinadas a monitorizar e proteger o espaço da sociedade civil. Alguns exemplos são a utilização do Programa «Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores», cujo orçamento é 1,56 mil milhões de euros, para responder a estes desenvolvimentos, a criação de uma nova vertente do Plano de Ação para a Democracia Europeia dedicada ao fortalecimento da educação e democratização cívicas por toda a Europa ou a criação de um Índice Europeu do Espaço Cívico que monitorize a situação da sociedade civil em cada Estado-Membro.

Para os leitores que porventura se questionem quanto à relevância deste assunto para Portugal, especialmente quando se encontra avaliado favoravelmente nestes parâmetros pelas organizações internacionais relevantes: os desenvolvimentos a que temos vindo a assistir tiveram lugar em países onde a fação do espectro político que se encontra no poder que controla os órgãos de decisão política (e até mesmo, em alguns casos, jurídica) tem vindo a utilizar esse poder e controlo da forma mais deplorável possível para silenciar e prejudicar aqueles que não só pensam mas agem de forma discordante às suas políticas. Assistindo a alguns dos debates que têm decorrido na arena política portuguesa e atendendo, em particular, às opiniões de um dos candidatos a que a nossa democracia, mais por virtude que por defeito, dá voz e às quais os nossos meios de comunicação, mais por defeito que por virtude, continuam a dar excessiva atenção, é claro o risco que corremos também enquanto sociedade neste sentido. Hoje são eles, amanhã podemos ser nós. E assim sendo, seria caso para perguntar: quo vadis, sociedade civil?

As opiniões expressas neste artigo são estritamente pessoais e não representam as posições do Parlamento Europeu ou do grupo S&D

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