Ok. Nada de pânico. Nada de pânico. É apenas uma conta VISA. Afinal, como é que meia dúzia de números pode assustar alguém? […]. É apenas um bocado de papel, repito pela milésima vez. E afinal, não sou parva, pois não? Sei exatamente qual a quantia desta conta VISA. […] Fecho os olhos, para descontrair, e começo a recapitular. Ora bem, houve aquele fato na Jigsaw. E o jantar com a Suze no Quaglino’s. E aquele fantástico tapete vermelho e amarelo […]. Mas valeu a pena – toda a gente o gabou. Ou, pelo menos, a Suse gabou. […] Abro os olhos e penso na conta. No momento em que os meus dedos afloram o papel, lembro-me das minhas lentes de contacto novas. Noventa e cinco libras. Não se pode dizer que seja barato. […] O que é que eu hei-de fazer, andar por aí aos tropeções?”, escrevia Sophie Kinsella, no seu livro recreativo Louca por Compras.

Já lhe aconteceu comprar sem conseguir resistir? Ou conhece quem esteja sempre à procura da próxima compra, mesmo quando não precise? A oniomania, perturbação psiquiátrica crónica, comummente conhecida por compras compulsivas, reporta a um comportamento repetitivo que surge como resposta principal a eventos ou emoções negativas. É como se fosse uma força irresistível que nos impulsionasse a comprar, trazendo alívio e prazer momentâneos, mas frequentemente seguidos de culpa ao percebermos as consequências negativas do nosso comportamento. A experiência de oniomania pode ser emocionalmente estimulante, com as lojas a explorar cores, sons, luzes e texturas para atrair os consumidores. É uma realidade desafiadora que afeta muitas pessoas, levando-as a enfrentar dilemas emocionais. A prevalência de oniomania é incerta, mas estudos apontam que de 2% a 16% dos consumidores norte-americanos são afetados por essa perturbação. Já na Europa, há registos que na Alemanha e em Espanha: cerca de 7% dos compradores são compulsivos. Em Portugal, crê-se que à volta de 6% da população seja obcecada por compras, sendo a maioria dos doentes mulheres (92%).

Os traços de personalidade, os valores, as metas pessoais, a ansiedade, a depressão e a autoestima podem ser catalisadores da oniomania, a fim de atenuar estados negativos. Veja-se Mary Todd Lincoln, esposa do presidente dos Estados Unidos Abraham Lincoln, também conhecida pela sua paixão desenfreada por compras, não resistindo à compulsão de gastar dinheiro em roupas, joias e outros artigos de luxo. A vida de Mary Todd Lincoln estava repleta de altos e baixos: vivenciou a perda de três dos seus quatro filhos, além de enfrentar o stresse avassalador da Guerra Civil Americana. É possivel que as compras fossem um refúgio temporário, de forma a encontrar conforto no caos da vida. Contudo, como acontece com muitos que lutam contra a compulsão por comprar, as consequências financeiras eram inevitáveis. Mary Todd Lincoln acumulava dívidas e as suas extravagâncias eram criticadas tanto pela imprensa, como pela sociedade da sua época.

E se pensa que as compras compulsivas são apenas um ato solitário, está enganado! Também podem ser oferecidas a amigos e familiares, como era o caso do famoso cantor, compositor e dançarino norte-americano, Michael Jackson. Tendo acumulado uma fortuna considerável, Michael Jackson, à data da sua morte, enfrentava problemas financeiros significativos. Isto em virtude de gastos impressionantes em roupas, acessórios, objetos de arte e propriedades imobiliárias. O famoso rancho Neverland – propriedade sua de aproximadamente 1100 hectares, localizada na Califórnia, projetada para incluir uma mansão, com várias residências, jardins, um zoológico particular com uma variedade de animais, uma estação de comboios, um parque de diversões com roda-gigante, montanha-russa e carrossel – requeria avultadas quantias para a operação.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O histórico familiar parece impactar a oniomania. No entanto, é incerto se essa relação se deve mais a fatores genéticos ou educativos. A jornada das compras compulsivas pode começar na juventude e persistir até à vida adulta, com episódios mensais recorrentes. Muitos só procuram tratamento quando já enfrentam consequências negativas, por volta dos seus 30 anos.

Felizmente, o tratamento é possível! A terapia cognitivo-comportamental tem mostrado ser uma das melhores opções para controlar a oniomania. Esta abordagem visa criar hábitos saudáveis, lidar com emoções negativas e redirecionar os pensamentos para uma vida mais equilibrada.

Se o leitor ou alguém que conheça enfrenta problemas de oniomania, é importante não entrar em pânico! Procure a ajuda de um especialista. Um psicólogo ou psiquiatra com experiência no tratamento pode providenciar um plano de tratamento adequado às necessidades individuais.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

Uma parceria com:

Fundação Luso-Americana Para o Desenvolvimento Hospital da Luz

Com a colaboração de:

Ordem dos Médicos Ordem dos Psicólogos