As políticas e legislação das diversas áreas (saúde, educação, habitação, transportes, entre outros) tem um impacto e uma taxa de sucesso diferentes nos diferentes tipos de territórios. No caso dos territórios rurais, estas políticas, quase sempre feitas com um viés urbano, acabam por não surtir o efeito esperado ou por ter até um efeito perverso, devido as características e condições destes territórios (baixa densidade populacional, menos infraestruturas e serviços, menor capacidade empresarial, etc.). Este tem sindo um tópico da análise e estudo nas últimas décadas em grande parte dos países europeus e da OCDE. Em Portugal, pouco ou nada se fala de garantir (a priori) que a governação política não aumenta as desigualdades territoriais e que não afecta as (poucas) oportunidades existentes nos territórios rurais.

O conceito de Rural Proofing consiste em examinar as políticas e legislação numa perspectiva dos territórios rurais ao longo do seu desenvolvimento e ajustando-as conforme necessário para assegurar que os resultados pretendidos possam ser também atingidos nos territórios rurais.

Rural Proofing não é uma nova política nem está directamente relacionado com as políticas específicas para os territórios rurais. É sim, descrito como um processo ou mecanismo que tem como objectivo analisar todas as políticas e legislação (criadas ou a criar) dos diferentes ministérios, procurando que estas sejam viáveis e não-prejudiciaispara os territórios rurais, evidente assim as adaptações ad-hoc, desuniformes e, quase sempre, a posteriori, práctica comum na maioria das áreas governativas.

Este mecanismo foi inicialmente posto em prática no Reino Unido e na Irlanda, que tem desenvolvido vários processos e guias prácticos para que as diferentes áreas governativas avaliem o impacto das suas políticas nos territórios rurais. A título de exemplo, apresento o processo de Rural Proofing definido pelo Departamento de Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais do Reino Unido, em 2017, que considera 4 principais questões/fases:

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  1. Quais são os impactos directos ou indirectos da política nos territórios rurais?
  2. Qual é a escala destes impactos?
  3. Que acções podem ser tomadas para adaptar a política de modo a funcionar melhor nos territórios rurais?
  4. Que efeito teve a política e como pode ser ainda mais adaptada?

A nível europeu, a Declaração Cork 2.0 (2016) apelou à adopção de um mecanismo de rural proofing e a recente “Visão a Longo Prazo para as Áreas Rurais” da Comissão Europeia, prentende colocar em prática este mecanismo para medir antecipadamente o impacto da iniciativas legistativas europeias nos territórios rurais. Aqui ao lado, em Espanha, foi criado muito recentemente o projecto G-100, que reúne um conjunto de 100 pessoas com o objectivo de reforçar o rural proofing e de criar um mecanismo rural de garantia para rever as políticas sectoriais tendo em conta uma perspectiva rural, e os seus possíveis impactos, realistas, nestes territórios.

Em Portugal, um dos países mais centralizados da Europa, a maioria das políticas e legislação são feitas quase sempre nos e para os centros urbanos. Assistimos, por exemplo, durante a pandemia, que muitas das medidas não se adequavam aos diferentes territórios, tendo muitas delas sido adaptadas a posteriori à densidade populacional, não evitando, no entanto, os demasiados efeitos negativos já provocados. Ou ainda, assistimos às políticas de combate às alterações climáticas, com a aposta nos transportes públicos, partilhados e mobilidade suave, quando em grande parte dos territórios rurais é impossível viver sem carro próprio (principalmente para distâncias curtas), devido à falta de infraestruturas ferroviárias ou os fracos transportes públicos, por exemplo.

Com uma perda demográfica acentuada nos últimos 10 anos em quase 100% dos territórios rurais, e com um declínio social e económico cada vez mais dos territórios rurais, Portugal não se pode “dar ao luxo” de “ver o que acontece” e adaptar a posteriori as políticas e legislação que vai lançando. A discussão e criação de um mecanismo que permita “ruralizar as leis” é absolutamente essencial para estancar o despovoamento e ciclo vicioso de declínio social e económico destes territórios. Um mecanismo que permita ter a perspectiva destes territórios ao longo do desenho das políticas, definindo objectivos realistas, e antecipando o impacto que estas possam ter nestes territórios.

Que nas próximas eleições também os territórios rurais sejam uma das prioridades estratégicas, seja qual for a área governativa. Que a sociedade civil se junte na revisão sistemática das políticas e leis que vão sendo criadas. Que se inicie este debate.

*O autor escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico.