Queremos que estudem. Que se esforcem. Que sejam briosos. Mas, depois, não fica muito claro se aquilo que esperamos deles, como pessoas, condiz com o que os nossos filhos têm à disposição do seu crescimento. E é aí que tudo se complica.

Eles andam na escola, é verdade. Mas, a par da escola regular, que frequentam todos os dias – onde muito se passa como se, na forma como eles aprendem, nas pessoas que os ensinam ou no modo como são avaliados, eles vivessem no século XIX – os nossos filhos frequentam uma escola virtual, seguramente mais poderosa nos dados que lhes traz, onde os “professores” que lhes surgem através do Google, do YouTube ou do Facebook são, muitas vezes, da idade deles e mais “boçais”, mais exibicionistas e mais “maníacos” do que nós alguma vez permitiríamos que eles fossem.

Nós educamo-los para “os valores” (do humanismo); é verdade. Mas, a par, eles crescem numa economia onde as pessoas (a não ser enquanto “consumidores”) parecem não ser o mais importante. E onde o individualismo, o egoísmo, a má educação, o “viver o presente”, o “salve-se quem puder” e o “ganhar muito dinheiro, muito depressa” prevalecem sobre os demais valores. E onde as perspectivas de terem um crescimento mais inteligente e mais livre (e próspero e desafogado) está muito longe daquilo que desejamos. Sobretudo quando a prevalência dos mercados e das tecnologias de informação sobre os Estados parece deixá-los a crescer num mundo que vai deixando em “quarentena” os direitos humanos, a inteligência e as liberdades individuais.

Nós esperamos que sejam pacientes, persistentes e perseverantes, quando constroem o seu futuro; é verdade. Mas eles vivem num planeta cujo ponto de não-retorno ambiental e o fim da Primavera parecem estar a 15 anos de distância. E habitam um mundo de meias-verdades. Impulsivo e agitado. Que ergue muros e discrimina pessoas. E onde o populismo e o ódio parecem transformar-nos, a todos, aos poucos, em “refugiados”.

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Nós desejamos que eles sejam sensatos e equilibrados; é verdade. E que saibam quem são. E que lutem, com lealdade, por aquilo em que acreditam. Mas, depois, convivemos, quase com indiferença, com o facto de serem “seguidores”. De consumirem “pensamentos” virais. Ou de terem perfis, redes e rastos digitais, desde os 7 ou dos 8 anos de idade. Como se se perdessem, com a nossa ajuda, para a capacidade de discernir, de escolher e de pensar.

Nós esperamos que eles acreditem que “o essencial é invisível para os nossos olhos”; é verdade. Mas, às vezes, quem não acredita somos nós. E, depois, os “milagres” mais comuns com que os nossos filhos talvez convivam sejam os milagres da técnica. Que lhes permitem fazer videochamadas. Que lhes dão o privilégio de ter inúmeras bibliotecas num só bolso. E que lhes criam a ilusão de um mundo sem barreiras e, quase permanentemente, ao seu alcance. Mas, depois, a necessidade de respostas que os acolham transforma-os em “sem-abrigo” quando esbarram no nosso silêncio. Sem que tenham onde se abrigar para duvidarem, para perguntarem ou, simplesmente, acreditarem.

Muito daquilo que esperamos dos nossos filhos, como pessoas, não condiz com o que eles têm à disposição do seu crescimento. O que me assusta — reconheço — é a ausência de respostas da nossa parte que dêem um sentido ao seu “dia depois de amanhã”. Que os faça acreditar no futuro como um lugar mais humano e melhor. Como é que eles acordam, todos os dias, e batalham e, apesar de todos os assuntos a que fogem, parecem acreditar que nunca os deixaríamos mal, eis aquilo que me deixa espantado. E nos devia tornar ainda mais determinados, como pais. Para pormos as questões que eles intuem, sobretudo. E para lhes trazermos respostas às perguntas sobre o seu futuro que eles ainda não ousaram colocar-nos.

É por isso que falar-se, com insistência, de um vulto de morte que anda por aí sob a forma de um novo vírus nos pode ajudar. Se isso servir para resgatar os nossos filhos, com a nossa ajuda, de alguma da “omnipotência” do seu crescimento. E contribuir para que descubram a humanidade onde ela lhes falte. E possibilitar para que pensem por si.  E, sobretudo, se os fizer perceber que, apesar do mundo ser um lugar com perigos, são os medos que nos ligam que nos tornam mais fortes.