Qualquer olhar sobre o modelo de financiamento dos Estados europeus, e não apenas os Estados do sul da Europa, mostrará ao leitor todos os sinais de que estamos perante um modelo de financiamento impossível. O confronto do financiamento disponível com as promessas dos políticos e as expectativas alimentadas nas populações, só pode acarretar défices ano após ano, financiados com mais e mais dívida e uma inevitável crise de credibilidade desta. No caso português, a conta já vai em 250 mil milhões de euros e, em 2020 será bastante aumentada. O Covid veio agravar irremediavelmente este cenário.

É certo que os apoiantes do ex-ministro Mário Centeno dirão que não é assim, que o Estado Português tem mantido saldos primários positivos, pelo que é o peso da dívida acumulada, e não a gestão corrente, que é o problema. Esta opinião, que tem um apoio muito alargado no nosso país, não dá resposta a dois problemas, um político e um prático.

O primeiro é que a redução de despesas só foi possível graças ao uso generalizado da técnica das cativações que permitiam, na prática, que o Orçamento aprovado no Parlamento não correspondesse aquele que o Governo aplicava. Aliás não correspondia sequer ao Orçamento que o Governo planeava aplicar. A regra tem sido “o Parlamento aprova o que quer; o Ministro das Finanças determina o que efetivamente se gasta”. Esta prática, como todas as mentiras, tem a perna curta e já foi sendo denunciada por PC e Bloco. E bem, aliás.

Depois, por uma razão muito prática: é que tem de haver algum investimento público para evitar maiores custos adiante. Apesar de estarmos perante um Governo de esquerda, o investimento público tem estado em mínimos históricos, conforme noticiava o Observador aqui. A consequência é a degradação dos ativos, notada em dezenas de notícias publicadas: é a frota da CP que está uma miséria ( o que não se disfarça adquirindo material usado que os Espanhóis destinaram à sucata por ter amianto ), são as polícias que têm centenas de viaturas paradas por falta de orçamento para a manutenção, são os tribunais onde chove, e por aí fora, os exemplos seriam inúmeros. Só quem viva longe não se dá conta de quanto a administração pública tem visto as suas infraestruturas degradar-se nos últimos anos. O défice zero de Centeno, obtido em contexto de prosperidade internacional, sem reformas estruturais, mas recorrendo as estas técnicas é, evidentemente, sol de pouca dura.

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Estando perante um modelo não financiável, e sendo certo que a maior parte dos políticos não pode senão prometer mais e melhores “apoios” porque toda a sua argumentação tem como base a ideia de que o Estado é o último recurso para tudo, a única hipótese é o aumento da carga fiscal.

Escrevia há dias uma figura pública da área do PSD que não se importava de pagar mais impostos, se estes fossem destinados a financiar melhor saúde e educação. Ora, é precisamente esta a técnica que veremos mais e mais usada. Num estacionamento, o parqueador, alcoólico, gasta todo o dinheiro na bebida e, porém, a si, nunca lhe pedirá dinheiro para um pacote de litro de vinho. Pedirá sempre para pão.

Do mesmo modo, o Estado nunca lhe pedirá que pague impostos para pintar ruas de azul, para oferecer bicicletas, construir estádios para um só jogo, construir aeroportos para onde nunca haverá voos, ou para faustosas festas em edifícios públicos. A cada proposta de novo imposto, corresponderá sempre um motivo atendível, que o convencerá a pagar mais e mais. Aqui ficam seis bons motivos para pagar mais impostos e que lhe serão apresentados a cada dia que passe:

A Saúde – Temos de desincentivar o consumo de produtos maléficos. Taxar o açúcar, o álcool, o tabaco, as gorduras, a “fast food”. Isto é para o bem das pessoas e para defender o SNS. Não faz sentido o SNS estar a investir para curar estas pessoas, que dão cabo da sua saúde voluntariamente, quando lhe falham recursos para cuidar dos doentes involuntários. Em nome da saúde pública e para proteger o SNS temos de taxar estes alimentos. Para que tenha uma ideia da “artilharia fiscal” dedicada a estes impostos, as bebidas açucaradas já estão em Portugal sob a égide dos “Impostos Especiais de Consumo”, a mesma legislação que se aplica ao álcool e combustíveis.

O Ambiente – Ursula Von Der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, tem dado o mote: precisamos de fazer a transição para uma economia verde e a UE nada financiará que não vá por este caminho. Greta Thunberg dá o dramatismo: se não mudarmos tudo e já, seremos devastados pelo aquecimento global. É por isso que hoje paga euro e meio por uma gasolina que efetivamente custa 50 cêntimos e que pagará mais quando comprar pneus, gás, tudo o que se assemelhe a plástico. Os agricultores (que os sacerdotes do ambientalismo acusam de destruir o ambiente) pagarão mais pelos fitofármacos e o PAN, evidentemente, não se calará enquanto não aparecer um imposto sobre a produção de carne e leite que, como sabemos, faz dos Açores uma zona com poluição devastadora. É um ar irrespirável com os gases dos animais…

Os Ricos – A ideia de uma fiscalidade progressiva, que encontramos no artigo 104º da Constituição, está a evoluir politicamente para uma fiscalidade alarve que visa combater quem mais produz ou quem mais tem, como se isso fosse intrinsecamente errado. De acordo com dados da Autoridade Tributária citados aqui, neste momento 84% do IRS é pago por 16% das famílias. A ideologia vai levar-nos mais longe. Defenderão que é da mais elementar justiça taxar os patrimónios, como se o rendimento que lhes deu origem não tivesse sido já taxado, dirão que são precisos impostos especiais sobre as grandes empresas. Isto já se viu, aliás, com brutal agravamento fiscal que recaiu sobre o alojamento local, logo que este mostrou ter vitalidade e ser capaz de financiar a recuperação urbana. Na maior parte dos países europeus, há uma isenção de tributação para incentivar a poupança das famílias, almofada tão importante em períodos de crise como este do Covid. Por exemplo, no Reino Unido, as poupanças que rendam até 5000 libras/ano de juros são isentas. Por cá, os juros dos depósitos a prazo, o meio preferido de investimento de poupança dos portugueses, são taxados a 28% qualquer que seja o valor.  Importa aqui perguntar: se os impostos sobre o tabaco são para desincentivar o seu consumo, os impostos sobre o património e a poupança são para desincentivar o quê, realmente?

Os Impostos Invisíveis – É politicamente muito difícil aumentar impostos cujo valor nos está na cabeça. Aumentar o IVA, daria aberturas de telejornal. Ou agravar o IRS. Porém, agravar impostos em valores que não são imediatamente percetíveis à população é muito mais fácil. Por exemplo, manter o IVA mas alterar a classificação dos produtos, ou não atualizar as tabelas de IRS de acordo com a inflação. Ou, ainda, criar taxas que não são suportadas diretamente pelo consumidor final, mas sim por um interveniente na fileira de produção. Por exemplo, taxar sacos de plástico, embalagens. Sabe que está a pagar um imposto extra quando pede uma laranjada? O produtor dessa bebida pagou um imposto que incide sobre o seu conteúdo. No final de contas, é você que o paga, já integrado no preço. E já foi ver tudo o que paga na conta de água e eletricidade? E isso é apenas o que lhe é dito. Imagine um imposto sobre os pneus dos camiões, que degradam as estradas. Obviamente, esse custo extra vai ser pago pelo cliente final, mas você apercebe-se disso? Os impostos invisíveis são o futuro.

Impostos que os Outros Pagam – Há algo de agradável nisto, cobrar aos outros, impostos aos outros para meu benefício. Por exemplo, cobrar aos turistas que venham a Portugal, um imposto por cada dia que cá passam. Já existe. São eles que pagam, não somos nós. Ou cobrar uma taxa às viaturas que entram no país. Cobrar impostos que os outros pagam, é limpinho.

Taxas e Taxinhas – Estrangulados de orçamento, os serviços públicos, a esmagadora maioria dos quais intervém em regime de monopólio, passou a estabelecer valores de taxas para tudo, invariavelmente em montantes que em nada se relacionam com o custo efetivo do serviço: pagar 10 euros por uma fotocópia ou por uma impressão de um documento informatizado é regra geral. O primeiro e mais surpreendente é, obviamente, o cartão de cidadão, uma obrigação de ricos e pobres, que se traduz na atualização de uma base de dados e emissão de um cartão que custa cêntimos, mas pelo qual o preço a pagar começa nos 18 euros, mas pode ir aos 70 euros se o cidadão estiver com pressa. O passaporte (coisa de rico?) vai dos 65 aos 135 euros. Uma breve pesquisa no Google por “taxas e emolumentos” apresenta centenas de tabelas de preços estabelecidos por entidades públicas, que vão do razoável, ao grave e até ao cómico: se um turista chegado a Portugal quiser fazer uns dias de pesca, pagará 15 euros pela licença. A União Europeia sabe que temos preços para residentes e não residentes?

E, por fim, a cereja. Todos nós comparamos preços daquilo que compramos. Bendita concorrência que nos permite, numa pequena caminhada ou numa pesquisa na internet, descobrir o melhor preço para aquilo que queremos comprar. Há uma entidade que abomina a concorrência: o Estado. Num espaço aberto como a União Europeia, a concorrência fiscal é natural. Com fiscalidades diferentes, os países incentivam mais ou menos o estabelecimento de empresas, a geração de postos de trabalho e os movimentos migratórios internos. Países como a Holanda, a Irlanda ou a Hungria, já perceberam que podem atrair investimento e gerar postos de trabalho valorizados se aliviarem a carga fiscal sobre as empresas. Faria todo o sentido que Portugal fizesse o mesmo e assim se posicionasse na linha da frente para captar desenvolvimento. Porém, não será assim. Não se admire, pois, se uma das lutas mais duras na política europeia nos próximos tempos for a da harmonização fiscal. Harmonizar por cima, é certo. Os Estados em pré-falência, que carecem de cargas fiscais elevadas como de pão para a boca, vão pressionar cada vez mais para que a Comissão Europeia obrigue os demais a aumentar a sua carga fiscal.

Já sabe com o que conta.