A Assembleia Municipal de Lisboa reúne periodicamente fora das instalações habituais, em vários pontos da cidade, percorrendo todas as freguesias, nas chamadas sessões “descentralizadas”, com um único ponto na Ordem de Trabalhos: ouvir os munícipes. As pessoas inscrevem-se e falam, os deputados ouvem. Na semana passada reuniu no Beato. A queixa principal, trazida por cinco moradores diferentes, e em termos muito semelhantes, tinha por base o excesso de população “sem abrigo” na freguesia. Porquê? Havia um grande Centro de Alojamento de Emergência Municipal no Quartel de Santa Bárbara, entre o fundo da Avenida Almirante Reis e o Paço da Rainha, antes de chegar ao Campo de Santana (ou dos Mártires da Pátria). O quartel pertence ao Estado, e aquele solo, pela localização, vale uma fortuna por metro quadrado. O governo (do PS) decidiu construir ali habitação; e as pessoas “sem abrigo” seriam transferidas para as instalações da Manutenção Militar, que fica no Beato. Na verdade, a câmara de Lisboa, já em pleno mandato de Carlos Moedas, não quis que as coisas fossem resolvidas assim; quis dispersar estas pessoas e distribuí-las por quatro bairros municipais da Gebalis. Mas a oposição, do PS e extrema-esquerda, não deixou e forçou a transferência para o Beato.

Os moradores do Beato protestam com razão. No Beato estão os quatro maiores Centros de Alojamento Temporário de Lisboa, uma concentração de pessoas “sem abrigo” que não podia deixar de trazer problemas. Quem mora ao pé deles tropeça em detritos, seringas, e dejectos na rua. E assiste desprotegido a comportamentos chocantes: pessoas a injectar-se, pessoas despidas na rua, pessoas altamente alcoolizadas a importunar quem passa, ou pessoas a usar a rua como casa de banho. Isto logo de manhã, com as crianças pela mão a caminho da escola. E ainda que não levassem crianças: estes comportamentos chocam qualquer um de nós. De maneira que os moradores, como quaisquer habitantes da cidade, não podem ser obrigados a viver naqueles ambientes, ao lado daqueles grupos de gente que os governantes depositaram ali, expostos àqueles comportamentos, aos cheiros, aos ratos, aos percevejos e à degradação. Estamos perante um problema sério de higiene e saúde pública. A Netflix tem três ou quatro bons documentários que mostram o que aconteceu às cidades americanas da Califórnia, como São Francisco e outras, ou do Noroeste, como Seattle. Há cidades a ficar despovoadas de classe média, de onde os negócios fogem e a economia se arruína em pedaços, cidades cuja maior fatia da despesa municipal em higiene pública é gasta a limpar dejectos humanos das ruas. Se não quisermos acabar no mesmo desonroso podium, é preciso falarmos sobre o assunto, e discuti-lo abertamente chamando as coisas pelo nome.

A primeira constatação que precisamos de enfiar na cabeça é que a questão dos “sem abrigo” não é um problema de habitação, como a esquerda insinua ou diz, e como a esquerda insiste em nos confundir. É sobretudo um problema de álcool, drogas, saúde mental, e também, mais recentemente, estilo de vida – basta ver os rastas de cabelos azuis, ou loiros de pés gigantescos que vêm da Europa no Norte viver como indigentes, sentados com os cães, as gaitas, as latas e os cartões à porta dos supermercados, ausentes como sacas, pedinchando ruídos indecifráveis a quem entra ou sai. Mas não sendo um problema de habitação, a questão dos “sem abrigo” está a criar um problema de habitação, provocando a desvalorização dos bairros e das casas. E os mais atingidos são as pessoas mais pobres: os Centros de Alojamento não são construídos na Lapa ou no Chiado, nem por entre as embaixadas do Restelo. De maneira que os moradores do Beato compraram as casas com imenso trabalho e esforço, e agora ninguém as quer comprar porque ninguém quer ir para lá viver.

A segunda constatação tem a ver com o risco de ser “estigmatizante”. Não se compreende esta precaução. As pessoas individualmente devem ser todas respeitadas, e estas também; mas os comportamentos destas pessoas são estigmatizados e devem ser estigmatizados porque são comportamentos anti-sociais. Como é que alguém, para além deles próprios, pode pôr isto em dúvida? Como é que deixámos a esquerda ascender a um grau de poder, e de influência na nossa moral colectiva, ao ponto da pressão dela quase nos impedir de dizer em voz alta uma evidência destas?

E a terceira constatação. Os Centros de Alojamento, temporários ou permanentes, devem ser o mais dispersos possível. Têm de incluir meios de reabilitação, desintoxicação, e ocupação durante o dia com actividades adequadas a cada um, seja trabalho, artesanato, ou aquilo que os entendidos entenderem. Porque o principal é compreender que o mundo não lhes deve um modo de vida. E muito menos pode promover este, ou torná-lo atractivo, cedendo à vontade da esquerda e como parece ser o caminho que as coisas levam. Os poderes públicos não podem promover ou proteger comportamentos anti-sociais.

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