Portugal registou em 2017 a taxa de retenção mais baixa de sempre e a taxa de conclusão do básico regular atingiu os 93%. Foi, há poucos meses atrás, notícia esporádica e de escasso aprofundamento relativamente às possíveis razões que poderiam estar na sua base. A triangulação destes dados com a evolução tendencial positiva registada no indicador ‘percursos diretos de sucesso’ (um indicador que mede conjugadamente a conclusão de ciclo no tempo esperado e o desempenho positivo dos alunos nas provas externas nacionais do 9º ano), sugere que o caminho feito não terá decorrido propriamente de facilitismos ou da aplicação pelas escolas de critérios avaliativos menos exigentes. O desenvolvimento progressivo de culturas escolares de cooperação e colaboração localmente comprometidas com uma determinada estratégia, com prioridades e alvos educacionais precisos, num exercício participado de construção de respostas educativas articuladas e complementares, fazendo convergir para o mesmo objetivo estratégico orientações nacionais e tendências transnacionais de política educativa, com mobilização de diversos instrumentos operacionais na produção local de medidas de ação territorializadas e apoiadas numa rede territorial de escolas, centros de formação e municípios/comunidades intermunicipais, dando expressão e sentido ao princípio da subsidiariedade e à consequente dimensão incremental da ação por contraponto às tradicionais perspetivas top-down da ação administrativa e prescritiva do Estado, explicarão muito provavelmente uma boa parte de tais resultados.

Até porque, em educação, nem sempre as soluções podem ser antecipadas e definidas de forma estandardizada longe dos contextos de aplicação. O simples facto de a incerteza residir muitas vezes no próprio problema e a sua natureza e diversidade também não serem antecipadamente conhecidas, sugere olhares organizacionais escolares de feição adhocrática e de estruturação adaptativa e em que, fruto de tais contingências, a definição da normalidade é um produto de interação que requer com frequência modos de coordenação por ajustamento mútuo, interdependências recíprocas e respostas locais flexíveis.

Neste ecossistema educacional emergente, que coloca cada vez mais exigências e desafios perante a crescente heterogeneidade e complexidade das suas populações escolares, é tempo de realçar, para além do incontornável papel das escolas e dos seus docentes, também o significativo papel dos Centros de Formação de Associação de Escolas (CFAE) na orientação dada aos seus planos de formação contínua e na dinamização e incremento de abordagens formativas pedagogicamente inovadoras e impactantes nas práticas curriculares. O volume de formação realizado nos últimos dois anos, mobilizando várias dezenas de milhares de professores na frequência de oficinas de formação, conferências e workshops temáticos, com expressão bastante significativa nas áreas da literacia científica, da leitura e da matemática, estreitando parcerias estratégicas e diferenciadoras com instituições de ensino superior e centros de investigação e ciência, ampliou consideravelmente as intervenções em contexto escolar e o envolvimento direto das escolas, professores e equipas multidisciplinares, bem como o apoio, em muitos casos, de municípios e comunidades intermunicipais no lançamento, em simultâneo, de programas de diagnóstico e intervenção direcionados à identificação de grupos de alunos em risco escolar, com produção e partilha de conhecimento científico sobre estratégias de prevenção e remediação, práticas letivas e medidas de monitorização e avaliação das aprendizagens escolares. As reflexões pós-formação dos professores participantes, constantes de estudos de impacto realizados, indiciam mudanças significativas e diversificadas nas suas práticas curriculares em resultado da formação realizada, abertura e disponibilidade para uma maior colaboração profissional entre si, fazer uma gestão curricular ajustada aos contextos, ter maior atenção às caraterísticas dos alunos e à gestão de problemas de comportamento, adequar modalidades avaliativas e promover a participação e envolvimento dos alunos na avaliação das aprendizagens, desenvolver competências transversais da iniciativa participada dos alunos.

Não me parece, pois, abusivo concluir da relevância que a formação docente em contexto escolar promovida pelos CFAE e o aprofundamento de parcerias com centros de ciência e de arte e com instituições locais representam, pela potenciação que daí decorre na criação e ampliação de oportunidades de aprendizagem para os alunos, através de abordagens curriculares abertas e enriquecidas, de investigação com base em problemas e projetos, a partir do currículo e de mundos circundantes, com recurso a ambientes tecnológicos como meio de aprendizagem, de desenvolvimento socioemocional e criativo, mobilizando, sob a liderança pedagógica dos seus professores, fontes diversificadas de conhecimento, outros atores e recursos educativos, outros espaços e contextos de aprendizagem.

Doutorado em Ciências da Educação; Coordenador da Estrutura de Missão do Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.

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