Os pintores e os artistas contemporâneos gostam de falar daquilo que fazem. Já quase não existe a divisão de trabalho antiga entre quem faz coisas e quem diz coisas. O fim desta divisão foi genericamente recebido com alívio: quem no passado apenas dizia coisas, os professores e os críticos, gosta de ver os outros convertidos ao seu modo de vida; e os artistas sentem-se mais livres para abrir a boca. Nenhum artista concebe não poder hoje explicar aquilo que pretende fazer ou o que fez. A que se deveu esta alteração?

Em tempos anteriores um doge ou um corretor da bolsa via um quadro qualquer e achava que gostava de ter um parecido. Ia ter com o autor e pedia-lhe que fizesse um quadro do mesmo género; e muitas vezes especificava o tamanho e as cores. O pintor era pago por isso e lá ia à sua vida: não tinha muito a dizer, ou podia. Não precisava de explicar os seus motivos e as suas razões; as causas das suas acções eram conhecidas.

Não é propriamente que tenham acabado os doges, os artistas, e os corretores da bolsa. É que os segundos tomam mais amiúde a iniciativa de ir falar com os primeiros e os terceiros para anunciar o que fazem. Dito de outra forma, candidatam-se mais. O modelo principal da arte contemporânea é a candidatura. Consequentemente, nunca o que os artistas têm a dizer sobre o que fazem foi tão importante. As escolas de artes perceberam isto e passaram sobretudo a ensinar os artistas a falar como artistas; a ensiná-los a candidatar-se. Este modelo de instrução inaugurou uma era de desembaraço verbal nas belas-artes.

Quando o modelo da arte é a candidatura, o conteúdo daquilo que os candidatos dizem sobre o que fazem consiste numa justificação daquilo que fizeram ou pretendem fazer. A candidatura é um modo de vida competitivo. Há muitos artistas, ensinados a falar da mesma maneira, a fazer as mesmas coisas. A um doge ou um corretor basta apenas comparar os méritos anunciados por aqueles que se propõem contribuir para a parede da sua casa de jantar, para o seu museu ou para a sua colecção.

Levanta-se por isso uma dificuldade aos artistas: como provar que existe naquilo que farão características que o tornem preferível aos olhos do doge? A solução consiste em indicar que o que propõem aos seus clientes exprime as convicções desses mesmos clientes, e os pensamentos que estes já pensaram. Os doges, por exemplo, pensam constantemente no aquecimento global e no fenómeno das migrações. Para se poderem candidatar, os artistas precisam de explicar que o que se propõem fazer exprime pensamentos constantes dos doges. As suas explicações são sermões sobre as convicções que calculam que os seus compradores tenham. Por vezes, impressionados com a seriedade dessas convicções, os artistas acabam por adoptá-las; e comprariam as suas próprias obras.

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