Desde sempre que se verificam diferenças entre os trabalhadores da função pública e os trabalhadores do setor privado, mas certo é, que nos últimos anos são cada vez mais gritantes as diferenças entre os dois setores.

Ora porque o salário é maior, por força das 35 horas semanais vs as 40 horas semanais, ora porque o próprio “salário mínimo” da função pública é superior ao previsto para o setor privado – apesar da diferença poder ser considerada residual, já que corresponde a cerca de 10 euros mensais -, não nos podemos esquecer que o tempo trabalhado por semana é diferente, o que leva ao aumento da discrepância entre público vs privado.

E se há filhos e enteados no que toca à classe trabalhadora, o último Decreto do Governo que regulamenta o estado de emergência não é exceção.

Se não vejamos, que para além da tolerância de ponto que foi concedida aos trabalhadores da função pública, foi determinado o encerramento de escolas, creches e ATLs, quer sejam públicos, privados ou do setor social.

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A cereja no topo do bolo foi a “solicitação final” do Governo para que o setor privado concedesse igualmente a “tolerância de ponto” aos seus trabalhadores. Em modo piloto automático e em uníssono, ouviram-se várias vozes do setor privado contra o pedido do Governo. Não é novidade que quem está no Palácio de São Bento e no Terreiro do Paço não tem noção da realidade laboral portuguesa, quer da verdadeira realidade da indústria, quer das micro e pequenas empresas – o tecido empresarial português, neste ano, tem lutado para sobreviver, não para viver –, por isso não consegue concluir que o encerramento por dois dias naturalmente irá afetar os negócios, que mais se encontram em fase de cuidados paliativos do que em fase de reabilitação.

Se o Governo pretende evitar a circulação de pessoas, em especial entre concelhos nestas duas próximas vésperas de feriado, sendo que uma das soluções passa pelo pedido ao setor privado para conceder a tolerância de ponto, não deveria então o Governo conceder (mais) um (novo) apoio às empresas? Afinal, pedir às empresas que encerrem portas por dois dias nesta altura do campeonato é quase como pedir a um doente com ajuda respiratória para suspender por duas horas o fluxo de oxigénio.

Para além disto, perante o encerramento de todas as creches e escolas, parece ignorar-se um novo problema: os trabalhadores, que necessitando de trabalhar para receber o salário ao final do mês – ainda que reduzido -, não têm com quem deixar os filhos, não lhes restando outra solução que faltar ao trabalho.

Mas se o tecido empresarial português não se encontra de boa saúde, as contas bancárias dos trabalhadores encontram-se contagiadas pela mesma enfermidade. Com efeito, já no final do ano letivo passado estes mesmos trabalhadores sofreram uma perda de remuneração na sequência das necessidades levantadas pelo encerramento precoce das escolas, caso não tenham estado abrangidos pelo regime do layoff simplificado, situação que provavelmente piorou após o layoff caso tenham sido abrangidos pela redução do período normal de trabalho ao abrigo da medida de apoio à retoma progressiva. Como se não bastasse, o melhor que o Governo tem para oferecer a estes trabalhadores é uma falta justificada mas… sem direito a qualquer remuneração.

Ora nesta história de filhos e enteados, os dois pesos e duas medidas não ficam por aqui. Os trabalhadores da função pública estão dispensados do trabalho, com direito a fim de semana prolongado; os trabalhadores do setor privado, ou faltam e perdem a remuneração ou… faltam e perdem a remuneração. A solução, neste Portugal de esquemas e arranjinhos contra a burocracia do Estado, passará por existir um surto de falsos atestados em como os filhos se encontram doentes (o que já se tem ouvido dizer que está a acontecer).

Não nos podemos esquecer que, caso o Governo se digne  criar algum apoio extraordinário para esta situação, o mesmo será pago pelos do costume: todos nós, ou pelo menos, por todos aqueles que contribuem para a Segurança Social, cuja saúde foi fortemente afetada pela pandemia, estando provavelmente prestes a ser hospitalizada devido à quantidade de apoios que foi necessário criar nestes últimos meses.