As sondagens mostram um recuo do Partido Socialista e dos comunistas e bloquistas e uma correspondente subida dos partidos do centro, centro direita e direita que, pela primeira vez de há muito tempo para cá, teriam a maioria dos votos.

Todos sabemos que as sondagens são o que são e que Portugal é o que é, mas a tendência corresponde ao panorama geral europeu, onde há vários anos as famílias da Direita – as direitas conservadoras e as direitas populares ou populistas – têm vindo a progredir à custa do centro.

As razões deste novo exotismo português são conhecidas: o país foi objecto de uma OPA (Operação Pública de Aquisição) ideológica, começada nos anos finais do Estado Novo, quando a Esquerda, no vazio intelectual do anterior regime, tomou conta das mentalidades – através da edição, das páginas literárias, das revistas de cultura, do ensino da História e das Humanidades – e foi fazendo do seu credo a ideologia dominante.  E fê-lo nas versões duras – a do marxismo-leninismo estalinista do PCP e a do maoismo radical da nova esquerda – e na versão soft – a da democracia progressista saudosista da Primeira República, o chamado Reviralho. O ambiente internacional era então contrário ao “exotismo português” e a vontade de evitar a mobilização para a guerra de África tornava a contestação ao Regime popular entre os universitários, à semelhança do que acontecera na América, com a guerra do Vietname.

Da esquerda unida antifascista

Estas famílias oposicionistas da Esquerda (havia uma incipiente oposição nacionalista e justicialista, crítica do Regime, mas defensora da unidade nacional) estavam unidas em 1974, quando a questão do QEO (Quadro Especial dos Oficiais) e a perturbação que introduzia nas Listas de Antiguidade, despertaram o MFA e o movimento dos capitães.

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A nova classe política estava de acordo quanto à descolonização imediata e quanto às bandeiras anti-fascistas. O “fascismo” era aqui o nacional-conservadorismo autoritário de Salazar, um regime que estava moldado pelo seu fundador e não lhe podia sobreviver.

Neste fim da guerra e do regime estava de acordo toda a Esquerda, desde os sobreviventes da ala liberal do marcelismo aos estalinistas do Partido Comunista Português e aos maoistas e trotskistas.

Perante os delírios esquerdistas, quer os liberais do marcelismo, quer os republicanos da velha oposição democrática (que tinham fundado o PS na Alemanha em 73) apareciam como a hipótese possível de alguma moderação e equilíbrio. Com a direita eliminada, depois do 28 de Setembro e do 11 de Março, apresentou-se-lhes a oportunidade, a eles e ao CDS – que reivindicava o centro e se pretendia uma democracia cristã à portuguesa –, de se unirem para sobreviverem.

Isto funcionou depois da contenção do PREC graças às bases populares católicas e aos Comandos que, no dia 25 de Novembro de 1975, pararam a maré vermelha. Mas os resistentes no terreno não tinham voz política partidária e foi o Centrão – PS-PSD – e o Grupo dos Nove que recolheram os louros da vitória.

Vencedor, o Centrão ficou como estava: uma ideologia mais ou menos oca e simpática, anti-fascista e anti-comunista, revendo-se nuns parágrafos de vago e panglossiano humanismo. As generalidades e banalidades proclamadas, à força de servirem para tudo no seu apoliticismo, foram cobrindo e alimentando um regime que, há quase meio século, vem empobrecendo o país, arrastando-o definitivamente para “a cauda” da Europa, para a decadência e para a dependência.

A vaga europeia das direitas

Não se sabe se a História nos vai agarrar pela garganta ou encostar-nos ao abismo, como dizia Spengler, mas a verdade é que, mesmo sem semelhantes apocalipses, o regime já excedeu o tempo de vida do seu predecessor “fascista”. E tal como o anterior regime à beira do fim, também este pode começar a surgir como exótico na Europa.  Com maior ou menor atraso, até por falência interna – da Saúde, da Habitação, da Educação, da Justiça, da Ética –, Portugal vai acabar por sofrer a influência dos novos “ventos de leste”.

Em Itália, os nacionais conservadores dos Fratelli d’Italia tiveram uma grande vitória. Com 26% do voto popular e em aliança como a Lega e a Forza Italia têm maioria absoluta nas duas câmaras, e um governo que governa.

Na Hungria, o Fidesz-KDNP, de Viktor Orbán, tem maioria absoluta, com 51,34% dos votos populares. E tem ainda um partido à sua direita.

Na Polónia, o partido nacional-católico Direito e Justiça é governo. O Presidente Duda é também do Direito e Justiça.

Na Suécia, os Democratas Suecos, identitários, tornaram-se o segundo partido, com 20,5% dos votos, a seguir à Social-Democracia.

Em França, Marine Le Pen ultrapassou os 40% na segunda volta das eleições presidenciais e o grupo parlamentar do Rassemblement National é o terceiro no Parlamento francês, com 89 deputados. Em 2019, só 28% dos franceses consideravam que o Rassemblement tinha capacidade para participar no governo; agora, são já 40% os que assim pensam. E o partido tem o voto de 45% do operariado francês.

Em Espanha, o Vox é o terceiro partido nacional, depois do PSOE e do Partido Popular e à frente da extrema-esquerda do Podemos. Em Abril de 2019, o Vox elegera 24 deputados, em Novembro elegeu 52.

Enquanto a esquerda, sobretudo a esquerda radical, tende para o globalismo ideológico, estando assim unida numa comunidade internacional em causas como a promoção da agenda Woke e o fim das fronteiras, os partidos de direita têm, naturalmente, prioridades diferentes, já que os seus princípios e programas estão condicionados à resposta a problemas e interesses nacionais.

Assim, o Rassemblement National tem a sua história ligada à imigração muçulmana descontrolada, que o partido vê como um risco para a identidade nacional e cultural francesa. O Vox nasce da reacção ao separatismo catalão e ao que foi visto como a debilidade dos partidos tradicionais – do PSOE e do PP – perante esse separatismo, depois do fracasso e da viragem ao centro do Ciudadanos. Os Democratas Suecos juntam-se na resistência à imigração de origem muçulmana; e os húngaros do Fidesz e os polacos do Direito e Justiça na defesa de valores familiares e religiosos perante uma Agenda de costumes que Bruxelas lhes quer impor (estiveram demasiados anos sob tutela estrangeira, comunista, para suportarem outras tutelas, mesmo mais benignas). Os italianos de Meloni são mais políticos e ideológicos, já que parte dos  quadros do Partido vem do MSI – Aliança Nacional. No entanto, os Fratelli, se são nacionais-conservadores, são também pragmáticos: não revogaram, por exemplo, a liberdade de abortar, mas promovem políticas natalistas.

O fim da “excepção portuguesa”?

Assim, perante o que agora parece já uma rotina de escândalos e de abuso de poder e corrupção de toda uma geração de políticos e mais notoriamente do PS; perante a banalidade ideológica dos programas sociais democratas e socialistas (que, entretanto, vão contrabandeando a agenda woke como se fosse inconsequente), o Chega tem vindo a progredir.

E tem vindo a fazê-lo graças à capacidade tribunícia do seu líder, ao agravamento das razões de descontentamento e ao aumento dos descontentes. Mas  o Chega é, por enquanto, sobretudo um instrumento de protesto – de resto, tal como os seus homólogos europeus foram à partida. Vive também do desencanto e frustração do eleitorado conservador em relação ao PSD, desencanto e debandada que os sociais-democratas irão compensando com uma eventual deserção de eleitores socialistas, escandalizados com a corrupção e o nepotismo.

O que é certo é que a dissidência ideológica em relação ao Centrão pela direita já passou os 15%, e que esta é a média a partir da qual deixa de ser possível, em sistemas tendencialmente proporcionais, não ter em conta uma força política. Os liberais (se é que a Iniciativa Liberal é um partido com uma identidade liberal, faltando saber-se se o seu pan-liberalismo – em valores, em costumes, em géneros, em espécies – não é contraditório) estão em contracorrente com o movimento da direita europeia, que vai no sentido do pós-liberalismo.

Portugal continua a ser um país politicamente exótico e o combate pela mudança é aqui particularmente desigual, não só pelo que é ainda uma notória falta de alternativas consistentes, mas porque o sistema mediático tende a negar ou ignorar o que quer que desestabilize o incomode o quadro mental instituído, relegando para a inexistência tudo o que ponha em causa o Centrão.

Mesmo assim, vale sempre mais acender uma candeia que amaldiçoar a escuridão.