“Viens ici, oh rafeiro” ouço alguém gritar nas festas de Ponte da Barca – emigras de segunda geração, claramente. Dito desta forma, até parece ofensivo, mas creio que se perguntarem a qualquer emigrante, muitos talvez não se sentirão intimidados pela palavra “emigrante” (alguns, nem sequer pensaram nisso). Pelo menos este subscritor, ao fim de uma década fora, mais ainda no Oriente, onde as diferenças culturais nos exigem maior adaptação, passou a ter uma perspectiva mais global – ir no autocarro até ao Porto passa a corresponder a ir apanhar um avião para uma qualquer parte no planeta. Vou ali e já venho.

Não diria que há emigração forçada, mas as motivações podem ser diferentes e muitas vezes são determinadas pela necessidade. Determinante na minha saída terá sido creio a busca de uma experiência internacional, uma semente que me havia sido plantada desde cedo. Surpreendentemente, nesta deslocação recente a este país, vi pelo menos as raízes do que poderá ser um futuro muito risonho. Permitam-me partilhar a experiência com a mesma naturalidade com que a observei. Aquando da candidatura à presidência do Sporting, Paulo Futre dizia que “vai vir charters todas as semanas de 400 ou 500 pessoas” (na altura de Chineses), mas, na verdade, vejo hoje pessoas, verdadeiramente em barda, de todas as origens, principalmente França, Brasil e Estados Unidos. As diferentes línguas e pronúncias ecoam num coro de riqueza que não se limita a turistas, mas a estrangeiros que fazem agora de Portugal a sua casa, alguns trabalhando à distância, outros utilizando os seus talentos para benefício directo do país. Questiono-me como terão encontrado Portugal no mapa, pequeno que é, ainda que grande outrora.

Por um lado, suspeito que terá sido uma boa campanha de promoção do turismo – tenho estado fora, mas parece que quem liderava a entidade responsável era aquele senhor que tem experiência de privado e agora lidera um partido relativamente novo que recentemente ganhou expressão e que me parece com ideias bastante interessantes. Por outro, tem de se dar crédito ao programa do Golden Visa, lançado na altura em que era ministro da respectiva tutela Paulo Portas (cujo comentário televisivo semanal vivamente recomendo). Finalmente, não posso deixar de elogiar o empenho em fazer de Lisboa uma “start-up scene” – ainda não vi frutos concretos, mas sei de clientes meus neste sector e baseados no Oriente que foram aí de propósito, à conferência, onde têm aliás investimentos. Folgo em saber que há diversos unicórnios portugueses e que pretendem continuar com a base no país, apesar de a nível fiscal poder não ser tão atractivo.

Voltando ao desenvolvimento imobiliário propiciado pelo Golden Visa, sejamos sinceros, o programa só recentemente começou a dar passos noutras vertentes, nomeadamente os fundos de capital de risco que investem para além do imobiliário. Lisboa desde logo ganhou nova vida, não há prédio que não esteja a ser recuperado e, felizmente, mantendo-se em grande parte a linha arquitectónica que caracteriza a cidade. A Comporta, depois de ser tida quase como perdida, com o afundar do seu anterior proprietário, é novamente um destino altamente procurado e por gente que pode trazer difusão para Portugal, tal como a Madonna o fez em tempos, ainda que tenha tido uma saída ingrata. Parece que teremos agora, ainda que não a tempo inteiro, o senhor que tira cafés da Nespresso!

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Há quem se queixe que gente rica apenas vem cá comprar casa, mas é preciso perceber também que, para lá do embelezamento de Portugal, foi injectado muito capital na economia, além de propiciar o desenvolvimento de negócios correlacionados, de que é exemplo paradigmático a restauração (em Lisboa, a cobrar preços nunca antes vistos – felizmente que essa prática ainda não chegou ao Norte). Constatei também pessoalmente que há estrangeiros que estão a trazer os seus próprios negócios para o país. É evidentemente necessário fazer um balanço face aos interesses dos portugueses, como aliás se viu com alguma sensatez na revisão do programa para levar investimento a outras partes do país (tendo visto, por exemplo, um projecto deveras interessante em Alcácer do Sal).

Constantemente os portugueses se queixam da classe política, mas há exemplos de bons políticos e entidades. Paradigmaticamente, na Câmara do Porto, dizem-me, os processos andam porque é liderada por alguém (não conheço pessoalmente) que faz acontecer e não tem receio de ter a porta aberta para receber qualquer um – deve dormir de consciência sempre tranquila. Por outro lado, temos um Presidente da República que dignifica o país a nível mundial e que, internamente, bem sabendo que a opinião não será unânime, sabe bem qual o seu papel, de servir de força de união, de balanço, deixando as funções executivas e legislativas para outros que foram para o efeito eleitos. Estive também com quem foi outrora político e está agora, infelizmente para nós, no privado, mas com cuja inteligência e sentido de missão espero que o país possa novamente contar noutro dia – se se tratar a política, arrisco dizer, com mais dignidade.

Cruzei-me também com industriais portugueses, competindo à escala mundial ao invés de simplesmente se refugiarem no mercado português, onde ficariam mais protegidos da concorrência de terceiros. São empresas que se batem com gigantes mundiais e vingam porque também sabemos fazer coisas em Portugal.

Dito isto, nem tudo é perfeito. Fui às urgências num hospital público e a experiência foi elucidante. Depois de duas esperas de 4 horas, a esticar a paciência ao máximo enquanto observava um fenómeno social, acabei no privado, pesando-me saber que há quem não tenha essa opção (ainda tiveram a ousadia de me enviar a factura do público de consultas que não tive!). Diga-se que os profissionais, médicos, enfermeiros e assistentes, pareceram deveras competentes e esforçados, falta é estrutura e organização, aspecto que me ficou claro em conversas com profissionais do sector.

Outro aspecto que me custou foi ver terra queimada de Norte a Sul, paisagem tão bonita coberta num manto preto. Julgava que se havia aprendido algo do passado, embora, sejamos realistas, o problema esteja longe de ser único no mundo.

Não podemos negligenciar esses e outros aspectos que merecem melhoria, mas muitas vezes perdemo-nos nas lamentações, sem sequer termos o muro a que esse vocábulo é comumente associado. Podíamos olhar para o que fazemos bem e projectá-lo ainda mais além, só precisamos de um pequeno empurrão que nos projecte fora da negatividade.

Em viagens pelo Sudeste Asiático, deparava-me por vezes com cartazes à porta de barbearias com o Cristiano Ronaldo. Tendo orgulho nos nossos símbolos, muitas vezes entrava e dizia que era da mesma proveniência desse grande jogador (e involuntário embaixador de excelência), o que merecia uma reação de perplexidade da audiência a que me dirigia (e não era uma questão de linguagem, não sabiam mesmo a nacionalidade do CR7). Anseio pelo regresso aos mesmos sítios apenas para fazer a mesma pergunta e para que, estou esperançoso, tenha uma resposta diferente, pois que Portugal agora está na moda. Não podemos é deixar passar este comboio – a CP pode atrasar-se, mas nós não nos podemos dar a esse luxo.

Enfim, quando me perguntarem de onde sou, direi como sempre disse, com orgulho, de Portugal, mas agora, de peito cheio.