As principais medidas do acordo de António Costa com PCP e BE já são conhecidas, mas isso não quer dizer que os dois partidos de extrema-esquerda tenham posições coincidentes. Défice, Tratado Orçamental ou Educação são algumas das áreas onde Jerónimo de Sousa e Catarina Martins marcaram fronteiras distintas.

  • DURAÇÃO DO ACORDO – BE prefere quatro anos, PCP mais cauteloso

Para o Bloco, o acordo está calendarizado e para toda a legislatura. “Estamos a negociar uma solução credível, não uma solução de meses, mas uma solução para o país com a responsabilidade da estabilidade”, explicou esta quarta-feira, em entrevista à SIC, Catarina Martins. “O que está a ser trabalhado é que haja um [para toda a legislatura]”, tinha garantido ao DN no domingo, admitindo até a existência de uma equipa conjunta de coordenação e de monitorização das medidas acordadas durante esse período. 

Neste campo, Jerónimo de Sousa foi sempre mais cauteloso. “Isso depende dos conteúdos”, avisou em entrevista à TVI no final da semana passada. Nesta quarta-feira, um comunicado do PCP voltou à expressão que os comunistas não largam: “Nesta ação, que não faltará com a sua intervenção na hora de garantir todas as medidas favoráveis ao povo português, que garantam a elevação das suas condições de vida, que combatam as injustiças, a exploração e o empobrecimento.” Traduzindo: só dessas medidas.

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  • O PAPEL – O que vale mais: a assinatura ou a palavra?

De novo um ponto onde o Bloco se mostra mais voluntarioso: as medidas acordadas vão ser vertidas em papel e haverá uma cerimónia pública para dar solenidade ao compromisso. “A palavra é muito importante, mas quando se fazem documentos assinam-se”, garantiu Catarina Martins.

O PCP, por sua vez, embora não o rejeite, prefere fazer valer a importância que o partido ainda dá à palavra honrada. “Mais importante do que um papel é a palavra dada. Quem nos conhece sabe que numa situação ou noutra honraremos a palavra dada”, garante Jerónimo de Sousa. Dias mais tarde, João Oliveira, líder da bancada parlamentar do PCP, dava mais força à afirmação do secretário-geral do PCP: “A palavra de um comunista vale tanto como um papel assinado“.

  • DÉFICE – BE entra na solução, PCP não

Para o PCP, claramente, o agravamento do défice, com o aumento de despesa provocado por algumas medidas que estão a ser negociadas, é um problema mais do PS. “Isso não esteve presente nas reuniões de trabalho, fomos muito aos concretos”, garantiu Jerónimo de Sousa.

No entanto, o secretário-geral comunista tem desvalorizado em várias entrevistas a necessidade de cumprir a meta dos 3% no défice. “Gostava que um economista me explicasse por que é que o défice tem que ser de 3% em vez de 4%”, chegou a afirmar Jerónimo.

Ora, esta ideia parece traduzir uma posição de confronto com as regras do Tratado Orçamental, documento esse, que Jerónimo de Sousa já disse que nunca respeitará. Em entrevista a Ana Lourenço, na SIC Notícias, desafiado a esclarecer se, mesmo apoiando um Governo liderado por António Costa, aceitaria respeitar o Tratado, o secretário-geral comunista respondeu de forma clara: “Obviamente, nós [PCP] não fazemos isso”.

O secretário-geral do PCP falava sobre a questão dos constrangimentos impostos pelas regras do Tratado Orçamental e da necessidade de cumprir o défice. “Podemos fazer como o macaco sábio, não ouço, não vejo, não falo, [mas] o problema é que a questão não deixa de existir”, sublinhou Jerónimo de Sousa, antes de acrescentar: “O problema não está no erro está em persistir no erro”.

Já com o BE a conversa não terá sido bem assim. Catarina Martins não se cansa de criticar as regras do Tratado Orçamental e, na Europa, o Bloco não mudou de posição. Mas a questão parece não ter lugar à mesa das negociações com o PS: os bloquistas garantem que nenhuma das medidas por eles desenhadas põe em causa consolidação orçamental.

“Nós considerávamos que não devia ser cumprido”, confessou esta quarta-feira na SIC sobre o Tratado Orçamental, revelando que as negociações com o PS decorreram sempre dentro do cenário macro-económico de Mário Centeno. Mais: a coordenadora do BE assumiu que o acordo prevê ainda o que fazer caso seja necessário novas medidas extraordinárias. Essas medidas extra que podem vir a ser tomadas não podem traduzir-se em cortes de rendimentos e pensões ou aumento de impostos sobre rendimentos e pensões, ou ainda “aumento de impostos sobre bens e serviços essenciais” e “diminuição da progressividade fiscal”.

  • SEGURANÇA SOCIAL – Descongelamento de pensões sabe a pouco 

No que diz respeito a pensões de reforma é claro que irá haver um descongelamento faseado. “Ao longo de 2016 isso irá acontecer com todas [as pensões] e em 2016 com as mais baixas. Será uma progressão real e visível para as pessoas, com a combinação de diferentes fatores”, tinha afirmado Catarina Martins ao DN, garantindo que isso permite aos pensionistas recuperar as suas pensões ao longo da legislatura e que as mais baixas terão mesmo um aumento real (este aumento estava também previsto tanto nos programas eleitorais do PS como da coligação).

No entanto, num comunicado enviado às redações esta quarta-feira, o PCP deixou claro que quer, “no imediato”, “a valorização dos salários, pensões e reformas, com devolução do que foi roubado” e o “financiamento da Segurança Social”, embora esta última formulação seja, ainda assim, algo vaga.

  • SALÁRIOS – Subida gradual do salário mínimo: um com mais pressa

Sobre o aumento do salário mínimo nacional, o BE garantiu que o “determinante” é “alcançar os 600 euros até ao final da legislatura”. Mas, mais uma vez, o comunicado do PCP parece contrariar a vontade de PS e Bloco de avançarem com um aumento faseado do salário mínimo: Jerónimo de Sousa quer o salário mínimo de 600 euros já em 2016. “O PCP propõe, no imediato, (…) aumento do Salário Mínimo Nacional para 600 euros em 2016”, escreve esta quarta-feira o Partido Comunista. Catarina Martins já reconheceu que tal não “é possível” e que é até demagógico falar nesse aumento já para 2016. Jerónimo de Sousa parece pensar de forma diferente.

  • EDUCAÇÃO, SAÚDE e TRABALHO – Prioridades diferentes, mas complementares

Jerónimo de Sousa insiste que o PCP não deixa cair a exigência de mais apoios sociais, mas também “melhor saúde e educação”. Não tem concretizado, embora se conheçam as reivindicações: menos propinas, manuais mais baratos, menos apoios a escolas privadas. O BE é menos veemente neste ponto.

Tal como o é em questões ligadas ao Trabalho. O PCP não deixa de falar na necessidade de defender a contratação coletiva e de repor os “direitos individuais e coletivos retirados nas sucessivas revisões do código de trabalho”. O Bloco não tem sido tão concreto nestas exigências que, não sendo contraditórias, parecem antes andar de mãos dadas: os dois partidos querem pôr termo à precariedade no trabalho.

Os três partidos – PS incluído – parecem já ter acordado a reforma do IRC. No programa do PS estava apenas previsto parar a descida do IRC, mas, de acordo com o Negócios, Bloco de Esquerda e PCP terão conseguido avanços significativos. Segundo a mesma publicação, está prevista a subida do nível de participação mínima necessária para que os lucros distribuídos e recebidos fiquem isentos de IRC (ou seja, menos acionistas vão ter direito a isenção de IRC). E haverá mais IRC sobre dividendos, tal como sempre propôs o PCP e o BE. Algumas das medidas que foram postas em marcha pela reforma fiscal de Lobo Xavier – e aprovadas por António José Seguro – vão ser revertidas, como os prazos para o reporte de prejuízos. A medida pode trazer receita ao Estado, mas apenas em 2017 – quando o IRC de 2016 for cobrado.

  • NOVO BANCO – PCP põe de fora, BE não

Outra diferença. Jerónimo de Sousa disse claramente à SIC que não tinha levado este tema para a mesa das negociações. Esta quarta-feira, Catarina Martins recusou responder sobre isso, alegando que o assunto está a ser alvo de discussão. “Não vou falar hoje”.

  • MOÇÃO DE REJEIÇÃO – PCP nunca admitiu texto conjunto

O PS já avisou, e esta terça-feira voltou a fazê-lo, que só votará favoravelmente uma moção de rejeição do programa de Governo (que conduz automaticamente à queda do Executivo) se tiver na mão garantias que poderá formar um Governo com apoio maioritário no Parlamento. O primeiro passo, nos bastidores, é ter o acordo feito. Na luz dos holofotes, o PS poderá então deitar abaixo e Governo e mostrar de seguida o acordo que fez à esquerda. E haverá apenas uma moção de rejeição conjunta ou três, uma por cada partido?

Se Pedro Filipe Soares, líder da bancada parlamentar do Bloco, mostrou inicialmente alguma abertura para uma moção de rejeição conjunta –  “existe uma possibilidade real de tal ser realizável”, chegou a dizer o bloquista -, Jerónimo de Sousa pareceu enterrar esse tema ao perguntar: “E porque não uma moção separada?”. Esta quarta-feira, Catarina Martins lembrou que se uma moção de rejeição do Governo for aprovada, já não será levada a votos a seguinte porque já não se torna necessária. A decisão ainda não está tomada pois os partidos têm que ponderar “a melhor forma de explicar” ao país as suas posições.

  • PASTAS GOVERNATIVAS – BE mais disponível

Ninguém está a discutir a possibilidade de haver ministros dos três partidos. PCP sempre foi claro em dizer que não iria para o Governo, enquanto o BE continua a alimentar essa possibilidade até o acordo ser apresentado publicamente.

Jerónimo de Sousa deixou isso claro: “Nós não lutamos por lugares, por privilégios. Estamos em condições de assumir todas as responsabilidades mesmo governativas mas quando o povo quiser”, afirmou, referindo-se à eventualidade de o PCP ser o partido mais votado de todos.

Catarina Martins, por sua vez, garantiu que “esse assunto não tem sido discutido”. “Só depois de estarem fechados todos os pontos assumiremos as responsabilidades que forem necessárias para que a solução seja a mais forte possível”, acrescentou.

  • DOIS ACORDOS – Reuniões foram sempre bilaterais

O acordo que sustentará o Governo de PS é feito com dois partidos, mas as negociações decorrem em paralelo dando origem a dois textos. Fica claro que a iniciativa é dos socialistas e que não há trocas diretas entre PCP e BE, cada partido tem a sua lista de reivindicações.

Em entrevista à SIC, Jerónimo de Sousa foi muito claro sobre este ponto. “Estamos a fazer reuniões bilaterais e não trilaterais. Não temos conhecimento das reuniões com o BE. Não conheço nenhum dos conteúdos das negociações [entre PS e BE]”, explicou o secretário-geral dos comunistas. Já Catarina Martins disse esta noite na SIC que o partido que vai formar Governo, o PS, é que decidiu a metodologia e foi procurar apoio a cada um dos partidos. Disse não saber o que se passa nas reuniões entre PS e PCP mas garantiu estar confiante de que não estão a discutir matérias incompatíveis com as do BE. “O PCP está tão empenhado como o BE”.