Em julho, a comunidade muçulmana da Normandia recusou-se a fazer o funeral de Adel Kermiche, um dos dois terroristas que atacaram a igreja de Saint-Etienne-du-Rouvray e que degolaram o padre Jacques Hamel enquanto este celebrava a missa.

Na altura, Mohammed Karabila, imã da mesquita local, fez questão de deixar bem claro que não iria “manchar o Islão com esta pessoa” e que a comunidade não participaria “na higiene mortuária nem no enterro”. Mais tarde, porém, voltou com a palavra atrás, dizendo que, caso a família assim o desejasse, poderia ser realizada uma pequena cerimónia em Saint-Etienne-du-Rouvray, cidade onde Kermiche nasceu e viveu. Segundo a legislação francesa, qualquer cidadão tem o direito de ser sepultado no local de residência, de morte ou onde habite o seu agregado familiar.

A questão foi levantada pela primeira vez com Mohamed Merah, um franco-argelino que, em 2012, levou a cabo vários ataques nas cidades francesas de Montauban e Toulouse. Um deles, a uma escola judia, a Ozar Hatorah, causou a morte de três crianças e um professor.

Merah morreu três dias depois, depois de a polícia ter cercado o seu apartamento em Toulouse. Com a a sua morte, levantou-se a questão do seu enterro. O seu pai tentou enviar o corpo para a Argélia mas o país recusou-se a recebê-lo, argumentando que o franco-argelino nasceu e viveu em França. Negada a repatriação, a mãe do terrorista pediu autorização para a realização do enterro à câmara municipal de Toulouse que, a princípio, se mostrou contra.

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TO GO WITH AFP STORIES A YEAR AFTER MOHAMED MERAH CASE (FILES) - A photo taken on March 19, 2012 shows policemen working near the "Ozar Hatorah" Jewish school, in Toulouse, southwestern France, where four people (three of them children), were killed and two seriously wounded when a gunman opened fire. Mohamed Merah, a self-described Al-Qaeda sympathiser, shot a rabbi, three Jewish schoolchildren and three French paratroopers in attacks in and around the southern city of Toulouse in March 2012 before being shot dead in a police siege. AFP PHOTO / ERIC CABANIS (Photo credit should read ERIC CABANIS/AFP/Getty Images)

(ERIC CABANIS/AFP/Getty Images)

A polémica que se gerou levou à intervenção de Nicolas Sarkozy, então Presidente da República. “Era francês e será enterrado aqui“, afirmou, resolvendo assim a questão. O franco-argelino acabou por ser sepultado numa cova anónima, numa cerimónia fechada ao público. As autoridades francesas temiam que o lugar se tornasse um local de culto para simpatizantes.

Com o caso de Mohamed Merah, França criou um precedente. Com os ataques seguintes, como o do Charlie Hebdo, seguiu-se o mesmo modelo. Os responsáveis foram enterrados em sepulturas sem identificação, durante cerimónias que decorreram durante a noite. Segundo o jornal El País, nem os seguranças dos cemitérios desconhecem a localização exata das campas.

Uma questão complexa

Antes de França, já outros países tiveram de resolver o dilema de como e onde sepultar os jihadistas. A questão é sempre complexa, uma vez que estes são muitas vezes originários dos países que escolhem atacar. Filhos de imigrantes, renegam a sua própria nacionalidade para se tornarem soldados de um estado “virtual”, que não existe. Depois da sua morte, não há pátria que os queira receber.

Para Riva Kastoryano, socióloga e autora de Qué hacer con los cuerpos de los yihadistas? Identidad y Territorio, livro onde compara o caso dos Estados Unidos da América, do Reino Unido e Espanha, não se trata de uma questão de “propriedade do corpo”. No caso de Saint-Etienne-du-Rouvray, o imã não quis tratar do funeral porque Kermiche “é inimigo de todas as pessoas, e até de toda a humanidade”.

Apesar de “estarmos em guerra”, Riva Kastoryano salienta que não existem “heróis de guerra com seus próprios cemitérios”. “Nenhum país se quer apropriar desses restos mortais. Em última análise, trata-se de um dever humanitário para com as famílias, que não têm nada a ver com o que aconteceu”, disse, citada pelo El País. Cabe assim a cada país escolher o que fazer com os corpos dos extremistas e, desde o 11 de Setembro, as soluções encontradas têm sido variadas.

NEW YORK - SEPTEMBER 11, 2001: (SEPTEMBER 11 RETROSPECTIVE) Smoke pours from the twin towers of the World Trade Center after they were hit by two hijacked airliners in a terrorist attack September 11, 2001 in New York City. (Photo by Robert Giroux/Getty Images)

(Robert Giroux/Getty Images)

Nos Estados Unidos, por exemplo, a principal preocupação depois do ataque às torres gémeas foi separar os restos mortais das vítimas dos dos 19 atacantes, de diferentes nacionalidades. Mas estes nunca chegaram a ser solicitados e, segundo a autora, estes ainda se encontram no FBI. Oficialmente, nunca foram enterrados. Já o corpo de Bin Laden, morto em 2011 pelas forças norte-americanas em Abbottabad, no Paquistão, foi lançado ao mar. Para Kastoryano, isso demonstra a “determinação dos Estados Unidos da América em fazê-lo desaparecer”.

Espanha decidiu resolver o problema de outra forma. Os dos sete terroristas que se fizeram explodir num apartamento em Leganés, um mês depois dos ataques em Madrid de 11 de março de 2004, eram imigrantes de primeira geração — cinco eram marroquinos, um tunisino e outro argelino — e, por isso, os seus corpos foram enviados para os países que os viram nascer. Porém, Marrocos nunca confirmou ter recebido os corpos. “A censura e o silêncio imperam“, comentou Kastoryano. “Ninguém sabe de nada.”

Os restos mortais de dois dos quatro responsáveis pelos atentados em Londres, a 7 de julho de 2005, também foram enviados para a terra natal da família no Paquistão. Um deles, porém, foi sepultado no cemitério de Leeds numa campa sem identificação. O paradeiro do corpo do quarto terrorista, de origem jamaicana, é desconhecido.

Para Riva Kastoryano, no Reino Unido, “prevaleceu o multiculturalismo”. “A postura tem sido de dizer ‘são nossos filhos, radicalizaram-se aqui, portanto somos responsáveis‘.”