Pese o mediatismo atribuído à profissão na última meia dúzia de anos, os chefes de cozinha são, regra geral, pessoas normais. Com problemas normais. Entre esses problemas normais conta-se, por incrível que possa parecer, a falta de tempo e/ou paciência para cozinhar, um flagelo que os não-cozinheiros julgavam, talvez, ser exclusivamente seu. Não é.

No caso de quem trabalha em restaurantes, o fenómeno ocorre sobretudo em dias de folga. E se há quem o resolva da forma mais simples possível, como Alexandre Silva, do Loco, que confessa “aproveitar essas ocasiões para sair e comer fora”, isto quando não decide, pura e simplesmente, “saltar refeições”, ou José Avillez, que opta por “fazer ovos mexidos” ou aquecer “empadas do JA em casa“, também há quem tenha alguns truques na manga para matar a fome de forma caseira e eficaz, contornando, pelo caminho, constrangimentos temporais ou emocionais. Escusado será escrever que esses truques podem ser aplicados por qualquer pessoa, bastando, para tal, cumprir algumas regras básicas de despensa e bom senso. A saber:

Hugo Brito (Boi-Cavalo)

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(foto: D.R)

Uma tomatada simples?

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A “tomatada simples” que Hugo Brito usa para juntar aos gnocchi tem um truque para dar alguma piada à receita. O chef explica: “Espreme-se meia laranja para dentro, ao fim, e refogam-se 2 ou 3 filetes de anchovas com o alho, antes da cebola.” Voilá.

O chef do Boi-Cavalo é um homem prevenido. Para começar, cita dois mandamentos que faz questão de respeitar. Primeiro: terás sempre parmesão no frigorífico. Segundo: não te faltará caldo de frango congelado. A partir daí, Hugo consegue desencantar algumas receitas que não lhe falham em tempos difíceis: tanto pode fazer um risotto “com os legumes que houver nas mercearias ao pé de casa: espinafres, grelos, qualquer coisa verde” como “gnocchi de supermercado com uma tomatada simples”. Se nada disto for possível, entra em ação um dos dois outros planos de contingência: sandes de bacon com abacate ou então, sopa, pão e ovos mexidos. Com um pequeno twist, claro: junta-lhes molho de soja e sriracha, um molho picante de origem tailandesa.

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Ljubomir Stanisic (100 Maneiras, Bistro 100 Maneiras)

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(foto: © Sara Matos / Global Imagens)

Para quem tem filhos em crescimento como é o caso de Ljubomir Stanisic, falta de paciência para cozinhar não é uma opção. “Paciência tenho sempre, senão estava lixado. Os meus filhos estão numa fase reguila em que comem muito e estão sempre com fome”, conta. Ou seja, está constantemente a ter de inventar qualquer coisa para lhes satisfazer o apetite. O mais simples, diz, “é fazer massa com alho e bastante manteiga”, a que junta, muitas vezes, anchovas e alcaparras. “Tenho sempre boa massa em casa, tanto seca como fresca, que vou guardando no frigorífico.”

Por outro lado, se houver algum tempo para gastar até à hora da refeição, Ljubo opta por fazer “estufados com o que tiver, carne, legumes, etc.” É pôr no tacho e deixar a estufar. Por vezes segue o mesmo princípio para fazer um caril. “Também tenho sempre grão e boas latas de conserva em casa, dão para improvisar uma salada.” E por falar em improvisação, o chef d0 100 Maneiras — que, diga-se, já anda pelo país a gravar a versão nacional de Kitchen Nightmares — recorre, por vezes, a um snack típico da sua Jugoslávia natal, o burek. “É muito fácil de fazer, com massa filo, por vezes aproveito restos de bolonhesa, junto uns ovos batidos, queijo e espinafres, e vai para o forno.”

Miguel Castro e Silva (De Castro, Less)

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(foto: © Jorge Simão)

Quando Castro e Silva estava no Bull & Bear, no Porto, o restaurante fechava aos sábados ao almoço. E foi precisamente para essa refeição, tomada em casa, que o chef desenvolveu uma receita rápida e eficaz que as suas filhas não demoraram a batizar de Massa Sábado.

Duas dicas para a Massa Sábado perfeita

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Miguel Castro e Silva deixa duas dicas para que a receita saia na perfeição. Primeiro, caso a courgette seja um dos legumes escolhidos, não deverá ser posta nem demasiado cedo, “porque coze muito depressa e desfaz-se”, nem demasiado tarde, para não ficar dura. Depois, o tomate a usar deve ser “de lata, daquele cortado em cubo, cuja qualidade é bastante razoável.”

“É muito fácil e rápida, faz-se toda no mesmo tacho”, assegura Miguel Castro e Silva, antes de passar à descrição da receita. “Começa por fazer-se um refogado de cebola, a que se junta chouriço, bacon e alguns legumes, o que se tiver. Cogumelos também, caso haja.” A massa ideal será penne ou fusili, que, segundo o chef, deverá adicionar-se de seguida ao tacho, tal como o tomate. Depois, “coloca-se água q.b, sal e deixa-se cozinhar semi-tapado.” Para Castro e Silva, o segredo da receita é simples: “Como coze tudo junto, a massa absorve todo o sabor do que se lhe põe.” Mais fácil era difícil.

Leopoldo Garcia Calhau (Café Garrett, Sociedade)

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(foto: © Paulo Barata)

Da temporada que passou a trabalhar como arquiteto em Serpa, Leopoldo ficou com alguns ensinamentos para a vida. Um deles é que “uma boa fatia de pão alentejano com manteiga” serve na perfeição para matar a fome, seja qual for a hora do dia. Se não houver pão? “Um tomate carnudo e saboroso, só com sal e azeite”.

Quando a ocasião exige algo um pouco mais elaborado, Leopoldo não se coíbe de trazer dos seus restaurantes “pequenas quantidades de molhos e caldos que já não justifica guardar.” Estes servem de base a um prato que “pode ser de carne ou peixe, pode ser uma massada, pode ser uma caldeirada, pode ser um arroz cremoso de bochechas de porco, por exemplo.”

Ou seja, será boa política, para qualquer pessoa, manter em casa porções de molhos e caldos congelados. Mesmo que não se tenha um restaurante de onde trazê-los, há sempre ocasiões em que acabam por sobrar. Leopoldo exemplifica que forma se podem utilizar: “Ainda esta semana fiz um arroz com molho de caldeirada para os meus pais ao qual juntei três pedaços de peixe que tinha no congelador.” Quando nada disto resulta, resta a única tática verdadeiramente infalível: “Ligar à mãe e pedir lhe o tal prato de gostas e ela faz muito bem…”

Justa Nobre (O Nobre, Nobre Estoril)

Justa Nobre

(foto: © Carlos Manuel Martins / Global Imagens)

A primeira resposta de Justa Nobre à pergunta foi, no mínimo, inesperada. “Mando vir um frango da churrasqueira.” A sério, Justa? “A sério, gosto muito.” Ó diabo, pensou o entrevistador. Esperava-se que a chef transmontana, conhecida pelo seu domínio ímpar do receituário tradicional, também fosse mestre na arte de improvisar em dias de aperto e desinspiração.

Roupa Velha do Colégio

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Quando tem de cozinhar para os netos, Justa Nobre sabe que há boas hipóteses que o pedido destes seja aquilo a que chamam Roupa Velha, que na verdade não tem muito a ver com a receita tradicional, mas que também se faz depressa. “Chamo-lhe a Roupa Velha do Colégio, porque foi lá que lhe deram esse nome: leva ovos, batatas e fiambre, tudo misturado, os miúdos adoram.”

O alívio veio pouco depois, quando Justa Nobre lá explica que, afinal, também tem as suas receitas rápidas e eficientes. “Muitas vezes faço uma sopa parecida com a alentejana, mas típica de Trás-os-Montes. É feita com azeite, pão e ovo escalfado, mas não leva alho nem coentros. E mais, Justa? “Bom, quando tenho fome até sou capaz de comer um arroz de tomate, só com tomate, assim malandrinho. Mas muitas vezes faço arroz ou massa só com os legumes que tiver na altura.” E já não é nada mau.