A Ordem dos Advogados (OA) começa esta terça-feira a ser julgada no Tribunal do Trabalho de Lisboa para justificar porque despediu uma funcionária sua, na sequência de um processo disciplinar. Ana Vieira da Silva foi despedida com justa causa por negligência e por tratar a bastonária Elina Fraga por “alheira” — por ela ser natural de Mirandela — e o presidente do Conselho Superior, Menezes Leitão, por “porcão”. O julgamento acontece a menos de um mês de eleições na OA.

A advogada Ana Vieira da Silva trabalhava há cerca de uma década na OA, quando foi promovida a chefe de serviço pelo então bastonário Marinho Pinto. Corria o ano de 2012 e coube-lhe ir liderar o departamento dos processos disciplinares. Segundo fonte próxima do processo explicou ao Observador, a funcionária foi substituir um colega que se aposentou, mas quando chegou ao departamento para pôr mãos às obras, reinava o “caos”.

A pendência de processos era demasiado elevada e alguns suportes em papel desses processos nem se encontravam fisicamente ali. Foi na sequência do processo de reorganização que Ana Vieira da Silva acabou por descobrir uma série de processos por resolver e tramitar já guardados em arquivo, na Avenida Duque d’Avila. Entre esses processos, estava um movido contra a então candidata a bastonária, Elina Fraga. Elina Fraga foi acusada por uma cliente de ter recebido dinheiro para interpor uma providência cautelar que nunca entregou em tribunal. O processo valeu-lhe uma sanção de censura, mas Elina Fraga recorreu para o Tribunal Administrativo de Mirandela que lhe anulou a sanção disciplinar.

A advogada Ana Vieira da Silva até chegou a ouvir uma testemunha no âmbito desse processo disciplinar. E isso terá sido o rastilho para uma azeda relação entre ela e o braço direito de Marinho Pinto, Elina Fraga. Assim que ganhou as eleições e foi eleita bastonária, diz a mesma fonte, a sua relação com a a chefe do departamento dos processos disciplinares deteriorou-se. Vieira da Silva queixa-se, mesmo, do tom ameaçador de Elina Fraga. A má relação entre as duas acabaria por refletir-se numa discussão que Ana Vieira da Silva teve com um dos quatro funcionários que trabalhavam sob sua responsabilidade.

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A discussão, ainda no início do ano de 2014, acabaria num processo disciplinar. O seu trabalho foi considerado “negligente”, contrariando as referências que a levaram a ser escolhida por Marinho Pinto. Mais. O funcionário com quem discutiu acabou por denunciar, no âmbito do processo, que era habitual que a também advogada, Ana Vieira da Silva, se referisse à bastonária como “alheira” e ao vice-presidente do Conselho Superior da OA, Menezes Leitão, como o “porcão”. Para tal, juntou ao processo algumas alegadas publicações da chefe na rede social Facebook, com um tom crítico relativamente a Elina Fraga.

Ana Vieira da Silva acabaria por ser suspensa de funções enquanto decorria o processo disciplinar. Mandaram-na para casa e impediram-na de entrar na sede da OA, no centro de Lisboa, mas continuavam a dar-lhe ordenado. Na altura, foi o advogado Jerónimo Martins — um dos principais opositores de Elina Fraga e que agora concorre contra ela — que a representou. A advogada nega ter escrito qualquer comentário no Facebook em relação à bastonária e jura a pés juntos nunca ter usado a linguagem de que é acusada quando se referia aos seus superiores hierárquicos.

Provas para lá e para cá, algumas aceites, outras rejeitadas, e Ana Vieira da Silva acabaria por ser notificada da decisão final. Seria despedida. A notificação chegou a 24 de dezembro de 2014, mais de dez meses depois do início do processo disciplinar.

Não conformada, a advogada recorreu ao Tribunal do Trabalho para apreciar a legalidade do seu despedimento. Ana Vieira da Silva considera-o ilegal e diz que deve ser reintegrada na OA. Mais uma vez, é o advogado Jerónimo Martins a representá-la. E diz, em comunicado, que o faz gratuitamente. Tanto de um lado, como de outro, foram arroladas cerca de dez testemunhas. Nenhuma delas é Marinho Pinto ou Elina Fraga.

(Artigo corrigido quando se faz referência ao processo disciplinar de que a bastonária Elina Fraga foi alvo, cuja sanção foi anulada pelo Tribunal Administrativo.)