Evan Rawley é professor de Estratégia Empresarial na Columbia Business School. É nessa faculdade nova-iorquina que o académico dá uma cadeira que fala sobre os modelos de negócios de plataformas como a Uber — isto depois de há vários anos ter feito uma dissertação sobre o negócio dos “táxis amarelos”. O especialista acredita que a Uber pode ser um negócio perfeitamente viável, mas duvida que algum dia seja o monopólio que está implícito na avaliação de 70 mil milhões de dólares que lhe é atribuída, neste momento, pelos investidores que estão a apostar na Uber.

A Uber vai, algum dia, conseguir ser uma empresa viável? A Amazon também perdeu muito dinheiro durante muito tempo mas agora parece estar a recuperar o investimento. Pode acontecer o mesmo com a Uber?
Julgo que sim, que a Uber irá conseguir ser viável. Não sei se o paralelo com a Amazon é perfeito, mas a questão na Uber é que é um mercado com dois lados e está-se a criar uma plataforma para ligar as pessoas que querem ser transportadas com pessoas que podem transportar os outros. Um sistema destes implica sempre um problema do género “ovo e galinha”. Porque se não tiveres motoristas suficientes não vais ter clientes suficientes e vice-versa. Ou seja, é preciso dar um empurrão inicial, subsidiando a plataforma.

Daí os três mil milhões de dólares de prejuízo, em 2016, segundo a imprensa.
Sim, é por isso que a Uber começou por perder dinheiro. Depois a questão principal passou a ser competir com os outros, essencialmente a Lyft — sabendo a Uber que se pressionasse muito os seus concorrentes, eles não iriam conseguir manter-se na corrida. A Uber consegue garantir viagens tão rapidamente que é difícil para os outros competirem se não tiverem tempos de espera parecidos.

Na discussão com o motorista, Kalanick recusou a ideia de que vencer a Lyft seja “canja”, como sugeriu o motorista. Não é bem assim?
A Uber está a perder dinheiro porque está a tentar levar a Lyft à falência. Mas o que temos visto em mercados como Nova Iorque é que eles já desistiram de tentar levar a Lyft à falência. Aumentaram os preços, estão mais próximos dos preços dos táxis e limitaram as taxas de reembolso aos motoristas.

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Para tentar chegar à rentabilidade?
Acredito que a Uber já é lucrativa, hoje, em Nova Iorque. E isto é, provavelmente, uma imagem daquilo que será o equilíbrio de longo prazo para a Uber – concorrência com mais um (ou dois) outros players, além dos táxis na rua. Este setor acabará por se transformar num oligopólio. E, aí, acredito que a Uber pode ser lucrativa.

Tão lucrativa que justifique a avaliação de quase 70 mil milhões de dólares que lhe é atribuída?
Provavelmente, não. Os investidores estão a ficar nervosos, perante a escalada da avaliação. É difícil imaginar que a Uber possa vir a merecer essa avaliação a menos que se tornem um monopólio em vários mercados. E como não estão a conseguir levar os outros à falência, como a Lyft, parece que os únicos monopólios que vão ter vão ser em mercados mais pequenos, de segunda linha. Isso não chegará para justificar esta avaliação.

O presidente e fundador da Uber, Travis Kalanick, tem um objetivo: o monopólio. (Foto: Stephen Lovekin/Getty Images for OurTime.org)

Os investidores podem deixar de “subsidiar” a Uber? Podem fechar a torneira?
Os investidores podem exigir um haircut [investir, sim, mas com avaliação mais baixa, ou seja, mais capital por menos dinheiro] para continuar a alimentar isto. Ou, então, vão forçar a Uber a ser mais meiguinha com a Lyft, para criar um duopólio em várias cidades, e abandonar a ideia do monopólio. Os investidores podem, também, tentar autonomizar o negócio do desenvolvimento de carros autónomos e encaixar alguma liquidez dessa forma… Acho que os investidores não estão dispostos a subsidiar isto para sempre. É por isso que o Travis Kalanick está à procura de um chefe de operações (COO) para vir ajudar a gerir o negócio.

Mas a Uber está a fazer preços muito abaixo do resto do mercado? As tais “borlas” de que falava o motorista? Isto não é muito similar a dumping (venda de produtos abaixo do preço de custo para arruinar a concorrência e formar monopólios)?
Não creio. A Uber está a seguir uma estratégia normal de penetração nesta área de negócio. Não é dumping, porque não me parece que estejam a prestar um serviço abaixo do preço de custo. Mas, sim, é um negócio em que o preço que hoje é cobrado é inferior à média que será no futuro. Mas é normal isto acontecer neste tipo de negócio. Não me parece que existam problemas anti-concorrenciais por causa disto.

Certo, mas a Uber também tem feito muitas promoções e tem, também, subsidiado motoristas em alguns países. Daí os prejuízos, em grande parte…
Sim, mas quando falei em subsidiar os condutores refiro-me à comparação com aquilo que a Uber lhes pagará no longo prazo. Se a Uber entrega 75% ou 80% aos motoristas hoje em dia… a sensação que tenho é que eles podiam entregar só 70% e mesmo assim teriam motoristas. Mas, nesta fase, querem garantir que têm muitos condutores para assegurar que os tempos de espera são curtos e as pessoas gostam do serviço. Os motoristas estão a ter uma remuneração melhor do que se trabalhassem para um táxi.

Mas também houve pagamentos a condutores, isto é, garantindo-lhes um mínimo…
Há pagamentos na entrada em novos mercados, em que se um motorista está x horas ligado à plataforma, não rejeita nenhumas viagens, então a Uber assegura-lhes um mínimo. Em parte, estão a fazer isso para combater o multi-homing, ou seja, os motoristas estarem ao serviço de mais do que uma plataforma. Um motorista pode trabalhar para vários, obviamente, mas a Uber quer tentar limitar isso porque querem assegurar que têm a melhor rede. É um cálculo estratégico, mas a verdade é que à medida que o mercado se torna mais competitivo, os motoristas podem claramente ganhar mais se fizerem multi-homing. Em Nova Iorque toda a gente faz multi-homing, isto é, também usam a Lyft.

“A Uber está a perder tanto dinheiro porque quer levar à falência a Lyft” (liderada por John Zimmer, na foto). (Foto: John Sciulli/Getty Images for Lyft)

Ainda assim, aquele motorista estava zangado com Kalanick, acusando-o de o levar à ruína. O Observador também publicou uma reportagem sobre as condições de trabalho dos motoristas — neste caso de pessoas ao serviço de empresas parceiras, que ficam com um quinhão do negócio. Os motoristas foram iludidos em relação aos ganhos potenciais nesta atividade?
Bem, o negócio é isso – os motoristas não estão a ser realistas se acham que vão fazer uma pipa de massa a conduzir um carro. É óbvio que isso é uma aptidão sem grande valor acrescentado, sem grande qualificação, facilmente substituível. O facto de a Uber lhes ter pago acima dos valores de mercado por algum tempo não quer dizer que a Uber tenha a obrigação de lhes pagar acima do valor de mercado para sempre.

“Pessoas que gostam de culpar os outros pelas m*rdas que lhes acontecem”, como disse Travis Kalanick?
Pois… É claro que a Uber empolou um pouco as coisas no início, no que diz respeito ao potencial de ganhos, mas isso é normal, acontece em todos os setores. Os motoristas não estão a ser realistas se dizem que estão dececionados por não estarem a ganhar 100 mil dólares por ano a conduzir um carro. Tenho pena dos condutores, é um trabalho difícil, mas o mercado é o que é e o transporte rodoviário é uma atividade que será sempre mal paga. Se trabalhar para a Uber em vez de táxi vai ganhar um pouco mais mas também vai ter de gastar na manutenção do carro. Não se pode estar espera de ganhar fortunas a conduzir um carro porque é uma atividade pouco valiosa.

E facilmente substituível, incluindo por robôs, um dia…
Sim, também. Isso é outro negócio — não sei se aí será possível, ou não, fazer algum dinheiro. Para já é só uma área de Investigação & Desenvolvimento, não cria cash flow. Pode ser um investimento se um dia venderem essa atividade à General Motors ou à Google, ou na bolsa. Mas hoje isso não dá dinheiro. Isso vai ser um sorvedouro de dinheiro por mais alguns anos.