Numa época em que o automóvel eléctrico é já uma realidade e tecnologias como a condução autónoma vão progressivamente fazendo parte do dia-a-dia, estudos revelam que o novo paradigma da mobilidade pode ir (ainda) mais longe. Nomeadamente, com a mobilidade dos próprios serviços, desde as lojas de alimentação (que já fazem do serviço de entregas uma mais-valia) até às superfícies que vendem outros bens, como, por exemplo, vestuário. Ora diga lá, se não gostaria que a sua loja favorita pudesse deslocar até si um pequeno showroom, só para que evitar que tivesse de pegar no carro para ir comprar um par de calças?

A verdade é que, depois de mais de 100 anos com o centro comercial a assumir-se como um dos melhores aliados do automóvel, oferecendo um sem-número de lugares de estacionamento gratuitos, para que possamos desfrutar, num mesmo lugar, tanto do comércio como do divertimento, o paradigma parece querer começar a mudar, ainda que de forma lenta. Certo é que há cada vez mais pessoas a encomendar não só o almoço ou o jantar, mas também uma camisa ou uns sapatos novos, pela Internet, para em seguida receberem as suas compras, sem preocupações, em casa.

Será preciso recuar três anos para ter na Volvo um exemplo de como os carros conectados podem revolucionar o esquema de entrega de compras

O exemplo norte-americano

Tomando como o exemplo o mercado norte-americano, basta recordar que as vendas do gigante do comércio electrónico Amazon têm vindo a crescer de uma tal forma, desde há 10 anos, que hoje em dia já representam cinco vezes mais do que eram no início da década. Não só equiparando-se ao volume de negócios daquela que é a quarta cadeia comercial mais importante da América do Norte, mas, acima de tudo, contribuindo para uma importante mudança de hábitos – em 2016, por exemplo, o sector com mais vendas online nos EUA foi, nada mais, nada menos que o vestuário. Afectando de tal forma a sustentabilidade das grandes cadeias comerciais que, 18 delas, foram mesmo obrigadas a fechar portas.

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O caso europeu

Embora de forma – para já, pelo menos – não tão dramática, esta mesma tendência chegou já ao continente europeu. Atente-se, por exemplo, no caso de Espanha, que vem precisamente confirmar esta realidade: enquanto o comércio nos centros comerciais registou uma subida nas vendas de 23%, desde 2013, o comércio online subiu cerca de 200%. Atingindo praticamente os 2/3 do volume de vendas nas lojas físicas.

Resultado desta transformação, até a própria construção de novos centros comerciais “aqui ao lado” tem vindo a desacelerar. Depois de, entre 1991 e 2010, terem sido construídos 442 grandes espaços comerciais, apenas 28 novos conheceram a luz do dia, entre 2011 e 2016.

Da atracção inicial ao divórcio definitivo

Com fenómeno do automóvel autónomo já no horizonte, poucas dúvidas restarão de que, a partir do momento em que os construtores consigam fazer vingar este novo paradigma de mobilidade, disponibilizando veículos a preços suficientemente acessíveis, estes poderão contribuir para reanimar o comércio nas grandes superfícies. Mas só numa primeira fase. Afinal, haverá algo mais fácil e confortável que deixarmo-nos conduzir até ao “templo do consumo” mais próximo, depois de simplesmente o ordenarmos ao nosso automóvel?

Dentro de uns anos, a Volkswagen está convencida que o seu modelo mais popular se irá parecer ao Sedric: sem volante, sem pedais e sem posto de condução

Contudo, a fazer fé num artigo publicado no jornal online The Atlantic, da autoria do jornalista e escritor Derek Thompson, o expectável período idílico entre os automóveis e os centro comerciais poderá não durar tanto tempo quanto isso. Já que a tecnologia de condução autónoma, da mesma forma que servirá para deslocar pessoas, também poderá vir a dar origem a autênticas lojas sobre rodas, capazes de responder às exigências de um cliente que, embora com capacidade económica, parece ter cada vez menos disponibilidade, ou predisposição, para perder tempo em enormes centros comerciais.

Exemplo de que esta nova realidade poderá já não estar tão distante quanto isso é o da Amazon, que já faz entregas com drones. Mais: a Daimler mantém uma parceria com a gigante de entregas DHL, ao abrigo da qual as encomendas podem ser depositadas na bagageira do carro do cliente. E, neste momento, em São Francisco e em Washington DC, já há empresas aí sedeadas que recorrem a robots autónomos (que circulam nas ruas) para fazer entregas.

Em São Francisco, nos Estados Unidos da América, este é já um quadro regular: peões partilham o espaço com robots autónomos em mais um dia de trabalho, a fazer entregas

Com uma frota de veículos autónomos, inclusivamente com pequenos showrooms, as empresas poderão mais facilmente chegar até ao cliente final, onde quer que este se encontre. E com custos bem mais baixos que um espaço num qualquer centro comercial. O qual, além do mais, nem sequer pode estar de portas abertas 24 sobre 24 horas, ou todos os dias da semana. Sendo que, no caso da loja ambulante, uma vez mostrado ao cliente os produtos disponíveis, escolhidas as peças e indicados os tamanhos e cores, será um drone, ou um outro carro autónomo, a entregar posteriormente a mercadoria, em casa ou num local a definir pelo comprador. O que já é possível que aconteça na bagageira dos automóveis de algumas marcas, fruto de os veículos serem, agora, conectados. Veja no vídeo como isso pode simplificar a sua vida:

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Game of drones: passear-se na rua ou na “feira”?

Caso esta nova realidade venha efectivamente a implantar-se, o que é que vai acontecer à rua onde você mora? Vai continuar a ser parte do espaço público ou a coisa muda de figura? Juridicamente, pode mudar, caso as nossas avenidas se transformem um dia numa espécie de área comercial sem demarcação física. Isto, claro está, admitindo um cenário em que se conjugam três elementos cada vez mais próximos de se tornarem uma realidade: carros autónomos capazes de operar como verdadeiras lojas sobre rodas; drones a fazer entregas em qualquer local; e as anunciadas restrições ao transporte privado, que tornarão quase impossível a circulação nos grandes centros urbanos.

Rápido, cómodo e eficaz. O recurso aos drones, para fazer entregas, pode sair mais barato para as empresas que se dedicam a essa actividade e vantajoso para o cliente, que recebe a sua encomenda precisamente no local que lhe é mais conveniente

Para as grandes cadeias comerciais, esta antevisão do futuro não será em tudo medonha. Poderão mesmo estar perante uma nova oportunidade de negócio: encaminhar as suas “lojas ambulantes” para as áreas onde se movem os seus potenciais clientes. Algo que o mais provável é que venha a ser aproveitado pelas câmaras e entidades públicas para a obtenção de novas fontes de receita, nomeadamente através da aplicação de novas taxas de circulação, cujo valor poderá depender das zonas onde exista maior ou menor procura.

Assim, apesar das expectativas de que o fenómeno do carro autónomo possa vir a significar uma mobilidade mais sustentável, capaz inclusivamente de contribuir para que os indivíduos recuperem o seu espaço nas grandes cidades, fica no ar a possibilidade deste novo paradigma contribuir, sim, para fazer da cidade um espaço automatizado e centrado, antes de mais, no comércio – mas sem os centros comerciais, tal como hoje os conhecemos.