Pela Rua Central chega-se à fronteira, e é possível pôr os pés em Espanha sem sair da mesma aldeia. Dividida ao meio e com uma igreja de cada lado, para garantir que há uma missa dita em espanhol e outra em português, Rio de Onor é o exemplo mais concreto (e caricato) de uma região que vive paredes meias com o país vizinho. Capital de distrito mais a norte de Portugal, a 500 quilómetros de Lisboa e com toda a faixa nordeste limitada por Espanha, Bragança está mais acessível desde a inauguração do túnel do Marão, em maio de 2016, e a verdade é que não lhe faltam motivos para justificar uma viagem.

Das aldeias típicas ao Parque Natural de Montesinho, passando pela famosa posta mirandesa, as máscaras transmontanas ou até a rua que concentra cinco museus, aqui fica um roteiro brigantino em sete paragens.

Rio de Onor é um antiga aldeia comunitária atravessada pela fronteira: uma parte está em Portugal, outra em Espanha. © JPCOUTINHO

No Centro de Bragança

1. Percorrer a Rua dos Museus

Oficialmente chama-se Rua Abílio Beça, mas em Bragança há quem lhe chame “a rua dos museus”. Ao todo são cinco numa só artéria, o que explica a alcunha. Logo no início, para quem vem da Praça da Sé, fica o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, que ocupa um antigo solar do século XVIII cuja requalificação foi feita pelo arquiteto Souto Moura. Com duas exposições (semi)permanentes por ano dedicadas à obra da pintora transmontana e quatro temporárias abertas a outros artistas, o museu conta ainda com serviço educativo e uma cafetaria com um agradável pátio ao ar livre.

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Na porta ao lado fica o Centro de Interpretação da Cultura Sefardita do Nordeste Transmontano, igualmente desenhado por Souto Moura e que abriu em fevereiro deste ano para mostrar a presença forte dos judeus na região ao longo do tempo. A ideia é cada pessoa fazer a sua visita e andar à vontade pelos três andares, onde será desafiada a encostar os ouvidos às paredes, para ouvir os sussurros, a navegar pelos mapas interativos que permitem seguir o percurso — sempre em fuga — de algumas famílias importantes (tão importantes que chegaram a emprestar dinheiro aos reis), ou ainda assistir a uma encenação de um julgamento da Inquisição.

Como se não bastassem três andares, o centro interpretativo acaba de inaugurar o Memorial e Centro de Documentação Bragança Sefardita, em frente ao antigo Paço Episcopal de Bragança, hoje Museu Abade de Baçal, dedicado ao etnólogo, etnógrafo, historiador e sacerdote Francisco Manuel Alves, e que inclui uma coleção de arte sacra e barroca, entre outras relíquias.

Por estes dias, o museu Graça Morais apresenta a exposição “A Coragem e o Medo”, com obras inéditas da pintora relacionadas com a violência, as guerras e os refugiados. © Jorge Vieira

Mas a lista de espaços culturais da rua não fica completa sem a Galeria História e Arte, no número 35, e ainda o Centro de Fotografia Georges Dussaud, com trabalhos do fotógrafo francês apaixonado por Trás os Montes e que se tem dedicado a fotografar as paisagens e as pessoas da região a preto e branco.

A cores e também em Bragança, no futuro será ainda possível visitar o primeiro Museu da Língua Portuguesa a abrir em Portugal, não na Rua Abílio Beça mas nos antigos silos da EPAC. E quem sabe aí descobrir, graças à riqueza de Camões, uma nova alcunha para esta artéria.

Uma das fotografias de Trás os Montes de Georges Dussaud. © Georges Dussaud

2. Subir até à Cidadela e ver as máscaras

É uma segunda cidade dentro da cidade, rodeada de muralhas e que, como não podia deixar de ser, corresponde ao núcleo urbano mais antigo de Bragança. “É provável que, em povoado tão próximo da fronteira, se tenha construído uma linha defensiva, neste local, ainda no reinado de D. Sancho I”, lê-se logo à entrada da Cidadela, uma vez passada a Porta da Vila. Lá dentro, no entanto, não há só monumentos antigos. Para além do castelo e da sua Torre de Menagem (onde funciona o Museu Militar), da Igreja de Santa Maria, do pelourinho ou do Domus Municipalis, as muralhas rodeiam várias esplanadas modernas e escondem também o Museu Ibérico da Máscara e do Traje. Em três andares, num espaço pequeno mas recheado, estão expostos fatos de Carnaval e máscaras das festas de inverno (também conhecidas por Festas dos Rapazes) de Trás-os-Montes e da cidade espanhola de Zamora. Cerca de 50 personagens diferentes, incluindo os famosos e fotogénicos caretos de Podence. Se quiser ir precavido, peça um audioguia no Posto de Turismo, antes de subir para a Cidadela.

O museu fica na Rua Dom Fernando O Bravo, 24/26. Aberto de terça a domingo das 09h às 13h e das 14h às 17h. Bilhete: 1,02€.

O Museu Ibérico da Máscara e do Traja reúne cerca de 50 personagens diferentes das festas de inverno e do Carnaval de Trás-os-Montes e Zamora. © Jorge Vieira

No Parque de Montesinho

3. Dormir numa aldeia típica

É possível que cheire a pão de castanhas ainda na rua, porque essa é uma das especialidades da D. Mariana. Na aldeia de Montesinho há muitos castanheiros — um deles tem 800 anos e ainda dá castanhas –, e na Casa da Edra a tradição é prepará-las assim, como recheio de um pão estaladiço que também se vende a não hóspedes. O turismo rural ocupa uma casa típica da aldeia de pedra, sendo que o nome vem do apelido da bisavó da proprietária, Anabela. A tia Mariana é quem cozinha, e para além do pão de castanhas há galo no pote com arroz de carqueja, bacalhau assado com batatas a murro e grelos salteados, e ainda ovos mexidos com beldroegas, com direito a dois (ou muitos) dedos de conversa, e muita hospitalidade.

Na antiga zona onde se guardava o gado funciona agora o restaurante e a sala de estar com livros, lareira e televisão. No andar de cima estão os quartos batizados com nomes de flores e um pequeno pátio interior. Tudo simples e sossegado, razão por que a casa é também muito procurada por quem quer fazer curas de stress e caminhadas a pé.

Casa da Edra: Rua do Meio, 1, Montesinho. 21 391 9039/ 96 277 7026. Quartos a partir de 65€.

Para além do pão com castanhas, logo à entrada da Casa da Edra vendem-se compotas, licores, bolachas e chás feitos na casa, com produtos da região. © JPCOUTINHO

4. Passear num parque natural (e descobrir duas barragens)

Numa região tão perto da fronteira não faltam histórias de contrabando e de quem percorria os montes de Montesinho com sacas de café e os incontornáveis caramelos. Hoje em dia as caminhadas são outras, com vários percursos pedestres assinalados nas pedras do parque natural, zona protegida desde 1979. Imperdível é uma visita às barragens de Serra Serrada, normalmente procurada por pescadores, e Veiguinhas, acessível através de uma estrada de terra batida onde é possível dar de caras com veados. Outra opção são os passeios em jipes todo o terreno organizados pelo Parque de Campismo de Bragança e que levam os aventureiros até à Serra de Montesinho, a quarta maior elevação de Portugal continental, com 1.486 metros de altitude.

A barragem das Veiguinhas faz agora dois anos. © Jorge Vieira

5. Comprar uma navalha artesanal

Gilberto Ferreira é o primeiro a dizê-lo: “O transmontano anda sempre com uma navalha no bolso, usa-a até para apertar parafusos.” Natural de Aveleda, o brigantino faz navalhas há mais de 10 anos, usando as técnicas da cutelaria tradicionais numa oficina onde é comum encontrá-lo até à meia-noite. Com a lâmina em aço e o cabo em madeira ou corno de veado (daqueles que os animais deixam cair todos os anos, à medida que vão crescendo, e que não faltam na zona), Gilberto é ágil na forja e faz também navalhas por medida, com o nome do cliente. Muitas das suas facas têm desenhos de animais na lâmina e cabos trabalhados, assemelhando-se quase a objetos medievais que apetece expor. As mais simples demoram duas horas a fazer e custam oito euros, as mais caras podem chegar aos 500€ e são geralmente para colecionadores. Umas e outras vendem-se na loja/garagem que o artesão de 35 anos mantém em Aveleda, e também nas muitas feiras que percorre quase semanalmente. Na oferta também se incluem facas de mato e para chefes de cozinha, ou até engenhosas tábuas para cortar presunto.

Aveleda. Contacto para marcações: 93 894 7491, gfaveleda@gmail.com. Página de Facebook: Gilberto Ferreira.

Uma das navalhas artesanais que saiu das mãos de Gilberto Ferreira. © Jorge Vieira

6. Provar a famosa posta mirandesa

Na ementa só há três opções, mas não fazem falta outras: bacalhau assado, costeletas ou a obrigatória posta mirandesa são os únicos três pratos do restaurante O Careto, em Varge. O preço de cada refeição também é sempre o mesmo: 14 euros por pessoa, com direito a bebida da casa e acompanhamento (batatas fritas caseiras muito finas, batatas a murro, arroz e salada). Todos os pratos são confecionados à vista dos clientes, não num moderno show cooking mas numa lareira ao fundo da sala, onde o proprietário dá conta dos grelhados, servidos em doses fartas, e uma carroça faz as vezes de mesa de apoio.

Todo em pedra escura, ou não fosse de xisto, o restaurante faz jus ao nome com candeeiros em forma de caretos e até algumas máscaras das Festas dos Rapazes de Trás os Montes. Também há patas de javali a servirem de cabides e grandes vigas de madeira a forrarem o teto, num ambiente de refúgio de montanha de onde ninguém sai com fome.

Varge. Aberto de terça a domingo, até às 22h. Não há multibanco e aconselham-se reservas através do 27 391 9112.

O Sr. Zé, proprietário do restaurante, a exibir orgulhosamente uma costeleta antes de ir para a grelha d’O Careto. © Jorge Vieira

7. Comprar as Ostras do Campo diretamente ao produtor

Por “ostras do campo” entendam-se cogumelos, mais concretamente pleurotus ostreatus, também conhecidos como cogumelos ostra por causa do seu enorme chapéu. Gonçalo Martins começou a cultivá-los no Baçal, a aldeia de Bragança onde nasceu e cresceu, e por causa da alcunha lembrou-se de batizar a sua marca de Ostras do Campo. O projeto nasceu há três anos e atualmente já dá 100 a 150 quilos por mês. “A ideia é aumentar para os 500”, diz o engenheiro agrónomo enquanto conduz o Observador pelo armazém onde nascem os fungos. Cheira a humidade e a temperatura é controlada, rondando sempre os 18 a 22 graus. Cultivados em fardos de palha previamente fervidos e semeados com micélio, os cogumelos brotam aos cachos e contrastam com o plástico preto que embrulha as filas e filas de retângulos. Cada cacho pode chegar aos três quilos, cada quilo pode custar oito euros. Para além de vender para as grandes superfícies, as Ostras do Campo também estão em algumas lojas a granel de Bragança e podem ser adquiridas diretamente no lugar de cultivo, mediante marcação prévia. Se quiser conselhos de como os utilizar, Gonçalo Martins também os arranja: “É um cogumelo que dá para preparar com tudo e tem propriedades medicinais. Fica bom só salteado, com ovos mexidos ou por exemplo à Brás.”

Rua da Caleja, 12, Baçal. Contacto para marcações: 96 513 8432, gsmartins@gmail.com.

Os cogumelos brotam de fardos de palha, aos cachos. © Jorge Vieira

O Observador ficou alojado a convite da Câmara Municipal de Bragança.