A exposição é sobretudo de escultura, mas também inclui pintura. E foi junto a uma tela, enquanto fazia uma visita guiada aos jornalistas, na quarta-feira de manhã, que Bai Ming parou para dar conta de uma curiosidade. Ou várias. “Esta pintura é feita com uma mistura de tinta da china e diversos tipos de chá, sobre papel de arroz”, explicou. “Para revelar a textura do papel, e incluir o elemento fogo, queimei incenso chinês sobre a superfície.”

A informação pareceu estranha, mas o pormenor da tinta diluída em chá foi talvez o mais forte. Porquê esta opção? “Cheguei a usar água, mas como sou amante de chá, e bebo várias vezes ao dia, comecei a fazer a experiência e a minha pintura ganhou outra vida. Acho que a mistura cria um efeito que me toca no fundo do coração. Ao contrário da água, o chá vem de uma planta, com propriedades químicas próprias que criam na tela tonalidades muito misteriosas ao longo do tempo. É uma forma de transmitir vida através da pintura.”

Pareceu evidente a forma como Bai Ming, de 53 anos, olha a arte que faz – uma mistura de espiritualidade e sentimentalismo. A visita guiada a esta que é a primeira exposição em Portugal do artista chinês prosseguiu com explicações e respostas à imprensa, sempre em chinês, através de uma intérprete.

A mostra intitula-se “Branco e Azul”, foi inaugurada nesta quarta-feira semana e mantém-se até 4 de setembro no MAAT — Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, em Lisboa (na Sala dos Geradores do edifício central, antigamente conhecido como Central Tejo ou Museu da Eletricidade).

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São cerca de 100 esculturas e pinturas com títulos como “Infra-imagem — Chuvas de Primavera” ou “Ascensão — Montanhas no Outono”. Algumas peças datam deste ano, outras começaram a ser feitas em 1991, como o conjunto de chávenas e bules que estão numa vitrine à esquerda de quem entra.

Trata-se, no fundo, de uma retrospetiva parcelar. Os curadores são Fan Di’an, presidente da Academia Central das Belas Artes da China, Rosa Goy e Margarida Almeida Chantre, do MAAT.

A aparente simplicidade dos temas e motivos que o artista cria na cerâmica e na porcelana contrastam com as inesperadas explicações que deu. “Um elemento muito importante no intercâmbio cultural é a visão do outro”, disse. “A forma como os portugueses virem as minhas peças, e como os curadores as organizaram nesta sala, representa a forma como me veem e vai influenciar a minha visão sobre o meu trabalho.”

Bai Ming vive em Pequim e segundo os curadores desta exposição é considerado o artista que mais tem contribuído para renovar a cerâmica e a porcelana chinesa, através de uma ornamentação que supera os modelos tradicionais.

Começou a criar há cerca de 28 anos e nos últimos anos tem vindo a mostrar-se no Ocidente. Em 2014, por exemplo, expôs em Paris, no Museu Cernushi, uma instituição pública dedicada à arte asiática.

O Observador pediu-lhe que explicasse, em concreto, quais as características inovadoras do seu trabalho. “Vejo a inovação como um todo”, começou por responder.

“Não posso separar os materiais, as formas ou os motivos. Não basta inovar só na forma ou só no conteúdo. A minha pintura também mostra uma procura de modernidade e da expressão abstrata, enquanto no trabalho com a porcelana tento apresentar uma perspetiva diferente daquilo a que as pessoas estão habituadas. Vou descobrindo as propriedades do material durante o processo criativo. A mutação no forno, a evolução, as falhas naturais no material, tudo isso pode ser visto como uma estética. Aproveito as propriedades do material para dar uma vida nova à porcelana. É uma descoberta contínua. Hoje, com diversos tipos de fornos, queremos fazer uma coisa e sai outra, mas aceito e tento criar sobre isso, para que as alterações naturais sejam também a minha linguagem.”

Um exemplo disso é o da série “A Taça de Bai”, conjunto de 40 chávenas e bules. “Aqui estão as minhas experiências com formas e cores diferentes para criar bules de chá com uma expressão nova, uns de cerâmica comum outros mais ao estilo da porcelana da dinastia Sung”, disse. “Beber o chá não deve ser o único objetivo, porque através da chávena e do bule podemos criar um espaço de imaginação infinito”, acrescentou, notando que na China Antiga a porcelana não era utilizada como suporte de arte, mas como material para utensílios do dia a dia.

Bai Ming (cujo nome, explicou, deve ser escrito por esta ordem, com o apelido antes do nome próprio; caso contrário o som resulta numa outra palavra chinesa, que significa “compreender”), cria os seus desenhos diretamente nas peças. Um vídeo exibido na exposição, com cinco minutos, mostra-o num atelier a traçar linhas azuis sobre um jarrão branco.

Regra geral, faz peças únicas, como as que estão agora no MAAT, mas também já criou modelos para séries limitadas que se destinam a comercialização. Além do trabalho artístico, é professor na Universidade de Tsinghua, vice-diretor do museu daquela universidade e diretor da revista The Journal of Chinese Ceramist, entre outras funções.

“Muitas pessoas acham incrível que esteja envolvido em tantas tarefas, mas, para mim, o trabalho criativo é uma forma de descanso e contemplação”, comentou.

Aproveitando a presença de um artista chinês tão conhecido no país de origem, o Observador perguntou-lhe se já sentiu constrangimentos à liberdade criativa e de expressão, idênticos aos que o artista Ai Weiwei tem vindo a denunciar há vários anos.

“Não há dúvida de que o ambiente sociopolítico na China está muito melhor do que há alguns anos”, defendeu Bai Ming. “Em qualquer sociedade há artistas que expressam as suas ideias através de formas visuais, ou de matéria, e outros que utilizam linguagens e expressões muito mais explícitas. Ou seja, preferem expressar a sua ideologia relativamente à sociedade. Obviamente, Ai Weiwei faz parte deste segundo grupo. No Ocidente também há artistas que preferem formas ou cores para expressar a sua compreensão da sociedade e do mundo, mas há outros que usam a literatura ou a poesia de forma muito direta. O meu trabalho mostra a minha visão da natureza e da vida, através da pintura e da forma, é um trabalho implícito e por isso não sinto nenhuma dificuldade” em termos de liberdade de expressão.

É a primeira vez que o MAAT organiza uma exposição na Sala dos Geradores do edifício central e é a primeira vez também, desde a recente inauguração do jardim exterior do museu, que a obra de um artista é apresentada dentro e fora de portas. Logo à entrada, na rua, duas vitrines exibem algumas peças criadas por Bai Ming.

Miguel Coutinho, administrador e diretor geral da Fundação EDP, entidade responsável pelo MAAT, esteve presente na visita de imprensa e revelou que esta é a “primeira de muitas exposições de artistas chineses” no museu, o que pode ter relação direta com o facto o maior acionista da EDP ser a empresa chinesa China Three Gorges.