Nasceu em 1969, numa pequena cidade da província argentina de Córdova, onde começou a criar a relação de cumplicidade com a bola que dura até hoje. Deu os primeiros passos no Newberton, até entrar no radar de Marcelo Bielsa, então treinador das camadas jovens do Newell’s Old Boys. Aos 14 anos, deixou a terra natal e mudou-se para Rosario, a mais de 125 quilómetros de casa. Nas camadas jovens do La Lepra, cruzou-se no balneário com figuras como Mauricio Pochettino, atual treinador do Tottenham, e Gabriel Batistuta, o avançado que apaixonou Itália. Desistiu de um percurso em Direito por uma carreira no futebol que se veio a revelar vencedora. Com o fim da carreira como jogador, começou a de treinador pela mão do seu ídolo e maior mestre, Marcelo “El Loco” Bielsa.

Eduardo Berizzo, de 48 anos, tornou-se recentemente notícia depois de ter sido um dos protagonistas daqueles milagres de futebol. Na terça-feira, o Sevilha perdia por três bolas a zero ao intervalo, num jogo frente ao Liverpool a contar para a Liga dos Campeões. No balneário, o treinador reuniu os jogadores e pediu-lhes para ganharem aquele jogo também por ele, recentemente diagnosticado com cancro da próstata. A partir daí, tudo foi diferente: a equipa regressou ao relvado lado a lado com Eduardo Berizzo – ao contrário do que é normal, em que o treinador é o último a sair do balneário — e lançou-se numa recuperação histórica, que terminou num empate a três.

Terá sido um dos momentos mais especiais de Berizzo, habituado a conquistar o respeito de adeptos, dirigentes e jogadores em todos os clubes por onde passou. Só um exemplo: em maio deste ano, quando se despediu do Celta de Vigo para rumar ao Sevilha, foi aplaudido de pé pelos adeptos no Estádio de Balaídos. Afinal, conseguiu colocar o Celta em três semi-finais (duas na Taça de Espanha e outra na Liga Europa) em apenas três anos.

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“É um tipo honesto, moderado. Uma pessoa com muita sensibilidade, mas introvertido. Talvez seja uma qualidade necessária para a função que cumpre. É muito terno. Mas o que é que posso dizer? Sou mãe dele”, deixou escapar Marta Magnolo, mãe do treinador, num longo perfil traçado pela La Voz de Galicia.

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O pai, Héctor Eduardo, morreu num acidente de viação quando regressava a casa de carro depois de ter visto um jogo do filho com as cores do River. Uma perda que o marcou muito e que moldou a sua personalidade para sempre. “É um tema sobre o qual Eduardo não fala. O meu marido conseguiu vê-lo nos campeonatos do River e digo sempre que ele está a ver o que o filho de algum lugar”, desabafou Marta Magnolo à mesma La Voz de Galicia.

Como jogador profissional, representou o Newell’s Old Boys, o Atlas, o River Plate, o Marselha, o Celta de Vigo e o Cádiz, somando vários títulos e boas prestações. Nunca foi um jogador de elite, o que talvez explique as suas poucas presenças na seleção argentina, mas demonstrou desde cedo uma capacidade de leitura do jogo acima dos restantes. O passo óbvio, depois do fim da carreira como jogador, seria por isso o cargo de treinador.

Mais uma vez, foi Marcelo Bielsa quem lhe deu a mão e quem lhe abriu as portas desta nova fase da carreira, chamando-o para adjunto na seleção do Chile. No Mundial de 2010, acabaria por cair às mãos do Brasil, mas estavam dados os primeiros passos na carreira de treinador.

A primeira experiência como mister, ao comando do Estudiantes de La Plata, nem correu particularmente bem, tendo sido despedido poucos meses depois do cargo por maus resultados. O conto de fadas viria depois: em 2013, conduziu o modesto O’Higgins (Chile) ao primeiro título de campeão do torneio de abertura.

No balneário, segundo os relatos então recolhidos pela La Tercera, Eduardo Berizzo reuniu os jogadores do balneário, pediu silêncio e fez um discurso emocionante. Os jogadores, habituados a um treinador sério e pouco dado a manifestar emoções, ficaram surpreendidos quando Berizzo começou a chorar.

“O ‘prof’ é um homem forte, nos bons e maus momentos. Por isso mesmo, ficamos surpreendidos com a emoção com que estava no balneário. O mais emocionante foi quando começou a chorar. As suas lágrimas contagiaram muito dos meus companheiros, que começaram também a chorar”, revelou então um jogador não identificado.

Um perfil traçado igualmente pela mulher, Valeria Berizzo, mulher de Eduardo há mais de 20 anos, e mãe dos seus três filhos. “Por dentro, não sabes o quão feliz está. Não é de demonstrar muito”, disse por altura da conquista O’Higgins.

Os bons resultados no clube chileno abriram-lhe as portas do Celta, onde convenceu adeptos e direção com um futebol atrativo. Esta época, depois de três anos a orientar a equipa de Vigo, conduz o Sevilha, que soma 22 pontos e segue no quinto lugar do campeonato. Na Fase de Grupos da Liga dos Campeões, e depois do jogo de loucos contra o Liverpool, mantém as expectativas legítimas de passar à fase seguinte. Terá, no entanto, de enfrentar agora o maior desafio da sua vida.