Mais um dia, mais um abaixo-assinado contra a entrada de Pedro Passos Coelho para o corpo docente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP). Desta vez é um grupo de 28 docentes e investigadores em instituições de ensino superior portuguesas e estrangeiras, entre eles alguns ligados a partidos de esquerda ou de extrema-esquerda, a contestar a nomeação, que consideram ser “uma ofensa à dignidade dos profissionais da ciência e do ensino em Portugal”.

Na petição “Queremos justiça, transparência e decência na política educativa e da ciência em Portugal”, cuja recolha de assinaturas está a decorrer, o grupo de académicos argumenta com a situação precária de muitos docentes e investigadores, para contestar a atribuição do grau de professor catedrático a Pedro Passos Coelho e diz ainda que esta decisão do ISCSP constitui “um atropelo flagrante ao estatuto da carreira docente universitária em Portugal”.

Passos Coelho vai ser professor catedrático convidado. E pode?

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Os professores universitários apontam o que o estatuto diz que um catedrático tem de desempenhar funções de coordenação da orientação pedagógica e científica de uma disciplina”, coisa que não acontece com Passos. “A experiência relevante do ex-primeiro-ministro em funções governativas não evidencia formação científica ou pedagógica que o habilite para a coordenação científica e coordenação pedagógica exigida a um professor catedrático, ou equiparado”.

Ao ex-primeiro-ministro foi conferido o grau de “professor convidado catedrático”, para dar aulas de Economia e Administração Pública a turmas de mestrado e doutoramento — com salário equiparado ao de professor catedrático, que é o topo da carreira docente no ensino universitário.

No texto, os promotores da petição ainda fazem referência à ligação política entre o presidente do ISCSP e o ex-primeiro-ministro, apontando que Manuel Meirinho foi “ex-deputado eleito como independente nas listas do PSD nas eleições legislativas de 2011”, era Passos líder do PSD.

A Universidade que temos

Entre os 28 docentes estão nomes como o do antropólogo Miguel Vale de Almeida (ISCTE), que fez parte do movimento Política XXI, que esteve na fundação do Bloco de Esquerda e foi também deputado independente eleito pelo PS, era José Sócrates o líder socialista. Ou do filósofo André Barata (UBI), que esteve na fundação do Livre. O grupo que integram sublinha que entre os docentes e investigadores “não poucos” têm “vínculos precários ou inexistentes à carreira para a qual contribuem com o seu trabalho científico e pedagógico” e consideram que muito embora não constitua uma ilegalidade, a referida nomeação configura em si mesma uma ofensa à dignidade dos profissionais da ciência e do ensino em Portugal”. Sobretudo quando há “doutorados a dar aulas sem remuneração e uma precariedade gritante na investigação, que está longe de encontrar o fim”, afirmam na petição.

Este não é a primeira manifestação contra a nomeação de Pedro Passos Coelho para o ISCPS, com os próprio alunos da instituição de ensino superior a contestarem a escolha, considerando “altamente questionável” a “capacidade de Passos para leccionar aulas a discentes com um grau académico superior ao seu”. “Não é plausível que alguém que nunca leccionou, nunca preparou uma tese na sua vida, nunca trabalhou em investigação e nunca teve um percurso académico minimamente relevante seja capaz de preparar alunos de mestrado e doutoramento”, argumentaram no abaixo-assinado apresentado na semana passada.

Alunos do ISCSP fazem abaixo-assinado contra ida de Passos Coelho

Tal como os alunos do ISCP, também os professores universitários que agora avançam com uma petição, reconhecem a validade do argumento da experiência governativa de Passos, que a instituição tem invocado para justificar o convite. E até que “é consensual que a exposição do corpo discente ao magistério exercido por personalidades com este perfil pode ser benéfica para a sua formação“, mas consideram “incompreensível e inaceitável a nomeação presente à luz do estatuído pelo estatutos e dos melhores princípios da ética pública”. E veem esta nomeação como “duplamente ofensiva num momento em que milhares de investigadores e docentes com vínculo precário, cujo trabalho sustenta o regular funcionamento de tantas universidades em Portugal, se manifestam para que a mais elementar justiça seja observada no programa de regularização de precários no Estado“.

E neste ponto, aproveitam para combater a leitura do Conselho e Reitores (CRUP) sobre a não aplicação deste programa a docentes do ensino superior. Uma posição que, aliás, foi seguida pelo Governo, com o ministro das Finanças a acompanhar esta leitura da lei no Parlamento na semana passada. O grupo de académicos que promove a petição diz que o comunicado do CRUP é “chocante” e repudiam “a política do facto consumado que pretende eternizar o precariado à luz de princípios lesivos dos interesses nacionais”.