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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Sesimbra. Os "pexitos" que não votam: o concelho com maior abstenção nas autárquicas

Sesimbra foi o concelho que nas últimas eleições locais teve mais abstenção: 62%. O Observador foi a este território comunista e falou com abstencionistas e votantes. Há quem ache que o voto nada muda

Agostinho e Francisco cresceram porta com porta, mas olham para votos e eleições de forma diferente. Neste beco na ponta da Rua dos Pescadores, os dois sesimbrenses tiveram uma infância em tudo semelhante, marcada por jogos de pião e por outras cumplicidades de miúdos. “Éramos os dois assim mais sossegaditos”, conta hoje Agostinho Gomes, quase cinquenta anos passados, para explicar um amizade de raízes fundas. Está à porta da casa onde viveu a vida toda, primeiro com pais e irmãos, hoje com o irmão mais velho, a mulher e a enteada. As paredes impecavelmente pintadas de branco não são as mesmas da sua infância, mas foram erigidas precisamente no mesmo lugar da antiga casa de família. A casa da frente, marcada pela lista amarela a fazer de rodapé, foi aquela onde cresceu Francisco Ribeiro, mas o antigo vizinho já lá não vive.

Algumas portas abaixo, numa esquina, vivia a família Pólvora, cujo filho — da “mesma criação” de Agostinho e Francisco, com quem jogava ao pião — viria a tornar-se presidente da câmara muitos anos depois. Quando o jovem Augusto Pólvora estudava Arquitetura na antiga Checoslováquia comunista, as férias de verão tornavam-se o momento de reencontro entre os amigos da Rua dos Pescadores. Augusto Pólvora morreu este verão e era o presidente da câmara da CDU, escolhido pela terceira vez numa eleição em que a abstenção em Sesimbra bateu recordes: foi o concelho do país com mais percentagem de abstenção nas eleições autárquicas: 62%.

Agostinho Gomes, 55 anos, na casa onde viveu toda a vida, na Rua dos Pescadores (JOÃO PORFÍRIO / OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A Sesimbra dos tempos em que estes amigos brincavam na rua, algures nos anos 60, ainda dependia quase por inteiro da pesca e assim continuou durante décadas. E foi o trabalho de apoio aos pescadores da vila, através da construção de habitação condigna para as famílias, por exemplo, que trouxe popularidade ao antigo presidente da Câmara, Ezequiel Lino. O autarca liderou Sesimbra durante 20 anos, período durante o qual consolidou a CDU como força política dominante na região — domínio esse apenas perturbado por dois mandatos dados a um presidente do PS, entre 1997 e 2005. “A CDU é o partido que mais ajuda os pescadores”, resume Agostinho. “É por isso que eu voto CDU.”

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Top 5 concelhos com mais abstenção (2013)

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Sesimbra: 62,2%

Cascais: 62,01%

Palmela: 61,44%

Setúbal: 61,27%

Seixal 61,1%

Direção Geral da Administração Interna

A posição do antigo pescador, agora reformado por invalidez aos 55 anos, é partilhada por muitos dos antigos homens do mar, que ocupam hoje grande parte do paredão da marginal, mesmo em frente à Sociedade Musical Sesimbrense. Os barcos de pesca já não assomam ali, estando agora relegados para o porto de abrigo, mais a oeste, cuja última fase de construção terminou no ano 2000. Os pescadores reformados escolhem o muro de pedra da marginal para trocar dois dedos de conversa, tal como os dois antigos vizinhos da Rua dos Pescadores o fazem. Sentados a sentir a brisa da praia, Francisco destoa de Agostinho no físico, já que vários centímetros de altura e dois polos de cores diferentes (azul e rosa) os separam, e nas opções políticas: “Não votei nas últimas autárquicas nem vou votar outra vez”, diz convictamente o antigo pescador de 60 anos. “Não vejo ninguém nos partidos com perfil para dirigir o concelho, é só compadrios.”

“Não votei nas últimas autárquicas nem vou votar outra vez. Não vejo ninguém nos partidos com perfil para dirigir o concelho, é só compadrios.”
Francisco Ribeiro, pescador reformado

O vizinho Francisco é o reverso da medalha de abstencionistas como Agostinho. Sesimbra, terra de pescadores e bastião comunista, tem também sido marcada por um afastamento da política por alguns, sobretudo a nível local. Nas últimas eleições autárquicas, este foi o concelho do país com maior abstenção: 62,2%, um valor bem mais elevado do que o registado nas eleições locais anteriores (50% em 2009 e em 2005). As razões para a abstenção apontadas nas ruas da vila repetem-se: a atenção dada pela câmara às freguesias maiores como a Quinta do Conde, o favorecimento dado pela autarquia aos “do partido” — “da seita”, atira Francisco — ou os candidatos que “não são da terra”. Como Américo Gegaloto, do PS, segundo aponta Agostinho.

“Desde que o Pólvora morreu, isto piorou. Vêm tomar café, descem até aqui, vão ali até ao antigo café Martelo e ficam ali a conversar, de cigarro nos queixos”, indigna-se Francisco ao falar sobre os trabalhadores da câmara municipal, que acusa de trabalharem pouco. Augusto Pólvora, o antigo miúdo com quem os dois pescadores brincavam na mesma rua, foi o autarca comunista que resgatou a câmara de volta para a CDU em 2005. Liderou os destinos de Sesimbra até julho deste ano, quando morreu vítima de doença, aos 57 anos — e altura o seu terceiro e último mandato. No seu lugar concorre agora Francisco Jesus, antigo presidente da junta do Castelo. Contra si pode jogar o facto de não ser da vila: o Castelo é uma freguesia que pertence ao município mas que, aqui em baixo ao pé do mar, é vista como sendo do outro lado do mundo. Os ‘pexitos’ (sesimbrenses) e os ‘do campo’ não gostam muito de misturas, dizem-nos.

“A minha geração não está para aí virada, somos desligados”

Paula Espírito Santo, especialista em sociologia e comportamento político do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), crê que, porém, que o facto de Francisco Jesus ser um rosto novo pode ajudar a travar o crescimento da abstenção no concelho, nestas eleições de 1 de outubro. Contudo, a professora universitária não hesita em apontar o domínio incontestado da CDU a nível local como uma das prováveis causas para uma abstenção tão elevada em 2013: “Uma das primeiras causas que pode apontar-se centra-se na racionalização ou utilidade do voto”, explica.

“Ou seja, se está garantida a continuação do partido na sede do poder, então não vale a pena o reforço da votação.” Que é como quem diz, quando já é praticamente certo que a vitória está assegurada para a CDU, até mesmo os sesimbrenses mais idosos, que sempre apoiaram o Partido Comunista, hesitam em fazer os 800 metros (a subir) até à escola Navegador Rodrigues Soromenho para votar. “Se pusessem as urnas aqui em baixo, ajudava. Em dia de eleições, num domingo com sol, toda a gente está aqui na marginal”, diz o pescador Agostinho, sugerindo a Sociedade como uma boa assembleia de voto alternativa.

Sesimbra é uma vila essencialmente piscatória há décadas. Atualmente, o turismo compõe outra grande fatia da economia local (JOÃO PORFÍRIO / OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Quando se fala dos mais jovens, contudo, a situação é outra. “A abstenção é em regra mais presente junto da população mais jovem”, explica Paula Espírito Santo. “Junto de uma parte dos jovens, o voto pode ser entendido como ato que não mobiliza, pois não há uma visão de relação imediata de utilidade.”

É mesmo isso que sente Sara Mendes. Aos 22 anos, nunca votou, nem tenciona fazê-lo. “A minha geração não está para aí virada, somos desligados. É pena, mas é assim”, diz ao Observador, assegurando que todos os seus amigos partilham da sua opinião. “Se eu visse que estavam a mudar as coisas, nem que fosse aos pouquinhos… mas não.” Aponta, como Francisco, a importância dada à Quinta do Conde quando comparada com a pequena vila de Sesimbra: “Aquilo agora é uma cidade, com tantas obras que lá fizeram… Enquanto aqui há estradas estragadas e pessoas que não têm casa.”

Sara, despachada e de língua solta, não poupa nas críticas: “A minha mãe teve cancro da mama, recebe uma baixa de miséria e está à espera de uma casa da câmara. E outros que chegaram aqui ontem têm logo uma”, atira, o tom de voz a subir com a indignação a cada palavra e as sobrancelhas a assomarem acima dos óculos escuros de lentes verdes, num gesto de espanto. Sara, revoltada com a situação da mãe, que trabalhou como lojista no concelho toda a vida, assume claramente não ver qualquer utilidade no voto e diz não querer contribuir para a eleição de um político que venha a desiludir as pessoas. No entanto, recusa ser fotografada.

“A minha mãe teve cancro da mama, recebe uma baixa de miséria e está à espera de uma casa da câmara. E outros que chegaram aqui ontem têm logo uma.”
Sara Mendes, 22 anos, a explicar porque opta pela abstenção

É assim que esta ‘pexita da terra’, como ela própria se identifica, olha também para a situação em Sesimbra. Gostava de continuar a viver na terra onde cresceu, mas não exclui a hipótese de sair, como tantos outros jovens da sua idade. “É uma possibilidade. Enquanto houver trabalho, fico. Mas encontrar emprego aqui é muito difícil. Há a restauração e pouco mais.” Os dois anos que passou a ir todos os dias para Setúbal, para frequentar um curso de Informática do IEFP, serviram-lhe de pouco. Hoje em dia, Sara trabalha no apoio a idosos na vila.

Resultados autárquicas 2013 em Sesimbra

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Votantes: 15.620
Inscritos: 41.355

PCP – PEV – 41,84%
6.536 votos, 4 mandatos

PS – 21,91%
3.422 votos, 2 mandatos

PPD/PSD.CDS-PP – 9,75%
1.523 votos, 1 mandato

I (independente) – 8,64%
1.349 votos

B.E. – 5,51%
860 votos

PAN – 2,91%
454 votos

EM BRANCO – 4,91%
767 votos

NULOS – 4,54%
709 votos

Direção Geral da Administração Interna

Os dados mais recentes disponíveis sobre o desemprego no concelho dão conta de uma taxa de 5,6% de população ativa inscrita nos centros de emprego, de acordo com dados recolhidos pelo Pordata. O valor é mais baixo do que o registado a nível nacional (7,8%). Muitos dos residentes ouvidos pelo Observador, sobretudo os mais jovens, admitem que há bastante oferta de emprego no concelho em áreas como a hotelaria — aquilo de que se queixam é a falta de trabalho noutras áreas mais especializadas.

“As ideias não são todas iguais, portanto não vale a pena falar sobre política”

É também esse o caso de David Santos. Aos 24 anos, este jovem da terra está desempregado e vive em casa dos pais. A licenciatura em Turismo não lhe serve de muito, apesar das dezenas de turistas estrangeiros que se passeiam pelas ruas da vila. Ali ouve-se falar inglês e, sobretudo, francês. E até são muitos os portugueses de outras zonas do país que se dirigem a Sesimbra para aproveitar as bonitas praias ou para comer um bom peixe grelhado. Tal não se tem traduzido, no entanto, num emprego na área do turismo para David, que tem várias ideias sobre o que devia ser feito no concelho: “Promovem a praia no verão, mas no inverno é só lixo”, aponta o recém-licenciado como exemplo da má gestão da autarquia.

David Santos e o cão Saviola, na marginal da vila (JOÃO PORFÍRIO / OBSERVADOR)

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“Muitos dos meus amigos saíram daqui. Diria que 70 a 90% deles foram viver para Lisboa ou arredores. Só ficam cá os que entretanto arranjam trabalho num café ou coisa assim, porque ninguém arranja trabalho na área em que estudou”, conta o jovem enquanto passeia o cão Saviola na marginal. É uma das atividades a que recorre habitualmente todas as manhãs para fazer passar o tempo até à hora de almoço.

Ao contrário de Sara, contudo, David faz questão de ir votar. “Tenho fé que haja uma mudança”, confessa o sesimbrense. Vai votar no PS, mas diz que no seu grupo de amigos há opiniões políticas para todos os gostos. A mobilização política dos sesimbrenses mais jovens, sobretudo os mais escolarizados, pode acontecer este ano. Não só a CDU tem um novo candidato, como há desta vez um movimento independente mais organizado, o MSU (Movimento Sesimbra Unida). E, claro, há outras hipóteses como as candidaturas habituais de PS, Bloco de Esquerda e da coligação PSD/CDS.

David acredita fielmente no poder do voto, à semelhança de Agostinho, pescador tornado servente de pedreiro numa fase mais tardia da vida, que trabalhou várias vezes para a autarquia. Por enquanto, David tem votado em todas as eleições desde que teve idade para fazê-lo, em 2011. Agostinho, por seu turno, também votou sempre, à exceção de uma vez — precisamente em eleições autárquicas. Recusa-se a dar pormenores sobre o ano em que isso aconteceu, mas admite que não concordava com algumas atitudes do candidato da CDU em questão. “Votar noutro partido estava fora de questão. Por isso, não fui”, reconhece com naturalidade.

Vista para o mar da Rua dos Pescadores, onde Agostinho, Francisco e o antigo presidente Augusto Pólvora cresceram (JOÃO PORFÍRIO / OBSERVADOR)

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Com o avançar da idade, já desistiu de convencer o amigo Francisco a ir votar. Para não estragarem a amizade de décadas, os dois homens usam as tertúlias diárias à beira-mar para falar de outros temas que não partidos ou eleições: “As ideias não são todas iguais, portanto não vale a pena falar sobre política”, resume Agostinho. O passado comum das suas famílias, a vizinhança da porta da frente, as brincadeiras de miúdos ou apoio dado um ao outro já na vida adulta não chegam para os fazer concordar neste tema.

Que Francisco não tenciona voltar a votar, já é certo. E Sara, com apenas 22 anos, pretende mesmo passar o resto da vida sem se aproximar de uma urna? Para já, a sua previsão é mesmo essa: “Não quero ser responsável pelo que aconteça.” É certo que, a mudar de ideias, o mais fácil seria fazê-lo numas eleições autárquicas, se visse um presidente de câmara a ter ação efetiva na sua vida — como por exemplo, na atribuição de casa à sua mãe. Mas, para já, não há promessa que a convença: “Falar toda a gente fala. Eu cá sou como S. Tomé: preciso de ver para crer.”

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