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Representam duas das 15 novas investigações que nasceram da Operação Marquês e duas das situações mais mediáticas da investigação realizada a José Sócrates: os pagamentos realizados ao blogger António Costa Peixoto, do blogue “Câmara Corporativa”, para atacar os adversários políticos do ex-líder do PS; e a contratação de Domingos Farinho como ghostwriter do ex-primeiro-ministro. Costa Peixoto e Farinho receberam avenças mensais que totalizaram os 6.500 euros líquidos mensais para, entre outros serviços, realizarem o mesmo trabalho: ajudar José Sócrates a desenvolver a sua tese de mestrado que apresentou no Institut d’Études Politiques de Paris.

Apesar de os fundos que pagaram os seus serviços serem referidos no despacho de acusação produzido contra Sócrates como sendo uma parte dos 613 mil euros que foram colocados à disposição de Rui Mão de Ferro pelo seu patrão Carlos Santos Silva para realizar “pagamentos a pessoas da esfera do arguido José Sócrates”, Costa Peixoto e Farinho não foram acusados na Operação Marquês. Mas vão continuar a ser investigados por suspeita da alegada prática dos crimes de peculato, por alegadamente se terem apropriado de fundos públicos, e de falsificação de documentos, tal como o Observador já tinha noticiado.

Nos autos da Operação Marquês, as explicações dadas por Costa Peixoto variaram entre a rejeição total das suspeitas do MP e a citação de contactos regulares entre o homem que ficou conhecido como “Miguel Abrantes” e responsáveis do PS (como Pedro Silva Pereira ou João Galamba), próximos de Sócrates (como o seu ex-secretário de Estado Filipe Batista) ou de comentadores (como Pedro Adão e Silva). Já Domingos Farinho admitiu que foi necessáro ser a sua mulher (Jane Kirkby) a assinar um segundo contrato por que estava em exclusividade na Faculdade de Direito — logo, estava impedido de assinar um contrato de prestação de serviços. Mesmo assim, defendeu que o pagamento feito foi apenas para estar disponível para ajudar Sócrates no desenvolvimento da sua tese de doutoramento — o que nunca se concretizou.

[Veja aqui o episódio da mini-série do Observador “Sim, Sr. Procurador”, sobre o interrogatório a António Costa Peixoto]

António Costa Peixoto. “Eu não sou papagaio de ninguém”

O homem por detrás do blogue que mais defendeu os dois governos de José Sócrates, o “Câmara Corporativa”, foi convocado para testemunhar no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) no dia 20 de outubro de 2016. Ouvido durante cerca de duas horas pelo procurador Rosário Teixeira e pelo inspetor tributário Paulo Silva, António Costa Peixoto não conseguiu convencer os investigadores dos seus argumentos, numa inquirição tensa e repleta de momentos caricatos em que até chegou a protestar contra o facto de o inspetor tributário ignorar que é licenciado em Economia e insistir em chamar-lhe “sr. António Costa Peixoto”.

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Peixoto, que ficou conhecido com o pseudónimo de “Miguel Abrantes” com que assinava os seus textos ácidos no “Câmara Corporativa”, apresentou-se como ex-funcionário da Direção-Geral de Contribuições e Impostos (DGCI). Diz ter sido o mais jovem diretor de sempre da DGCI, quando foi nomeado nos anos 80 para ocupar o cargo de diretor do Gabinete de Auditoria do Serviço de Administração dos Impostos sobre o Rendimento — departamento que veio a ajudar à introdução dos novos impostos criados após a entrada de Portugal para a Comunidade Económica Europeia em 1986: IRS e IRC. Posteriormente, passou a ser Diretor do Gabinete de Auditoria da DGCI — hoje Autoridade Tributária.

António Costa Peixoto assinava textos no “Câmara Corporativa” com o pseudónimo “Miguel Abrantes”

Mais tarde, no início da década de 2000, entrou por concurso para a Câmara de Oeiras, então liderada por Isaltino Morais, para liderar o Departamento de Auditoria, onde esteve até 2013.

António Costa Peixoto, e o seu filho António Mega Peixoto, são suspeitos da prática do crime de falsificação de documento por terem assinado dois contratos com a empresa RMF Consulting, de Rui Mão de Ferro (colaborador e sócio de Carlos Santos Silva), por serviços fictícios para receberem cerca de 79 mil euros. Na verdade, acredita o MP, o pagamento de tais valores serviram para remunerar Costa Peixoto por diversos “serviços ao arguido José Sócrates entre 2012 e 2014”, como, por exemplo, o envio dos mapas de audiência do programa “A Opinião de José Sócrates” na RTP 1″, o apoio na “revisão do livro ‘A Confiança no Mundo'”, a “publicação de textos no referido blogue [“Câmara Corporativa”]” de apoio a Sócrates e de ataque aos seus adversários e com o “envio de notícias sobre a atualidade, designadamente política”, lê-se no despacho de acusação.

No despacho de extração de certidão, a equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira vai mais longe: “António Manuel Peixoto, sob o pseudónimo ‘Miguel Abrantes’, redigia e publicava nesse blogue [‘Câmara Corporativa’] textos nos quais veiculava as posições pessoais de José Sócrates, de acordo com os interesses políticos deste”. Suspeita que, após muitas insistências no mesmo sentido durante a sua inquirição, causaram indignação a Costa Peixoto:

Rosário Teixeira: “Há aqui alguns telefonemas em que o próprio eng. Sócrates diz que vai começar a dar umas coisas para o António (…) colocar no próprio blogue (…)

António Costa Peixoto: Pode dizer-me a data disso?

Rosário Teixeira: 13 de outubro de 2013.

António Costa Peixoto: Pois… eu não me lembro que ele me tenha mandado… bem, tem os emails… veja se ele mandou alguma coisa para eu pôr… quer dizer, tem aí os mails para ver, não é? Isso devia ser ele [José Sócrates] a querer passar-se por informático e por blogger…

Paulo Silva: Mas podia influenciar… o sr. dr., conhecendo um dos autores [do blogue; António Costa Peixoto diz que eram cinco], ele [José Sócrates], no fundo, estava a fazer um bocado de influência. Dizer assim: ‘eh pá, dá-lhe as ideias que…’, e o sr. dr. logo a seguir, eventualmente não por ordem dele, mas por sua consciência, podia pegar e repetir isso…

António Costa Peixoto: Sim. Mas eu não me lembro de ele me ter dado nada.

Paulo Silva: Não produzia, digamos, o blogue com as referências que ele [José Sócrates] dava… portanto, podia dar umas ideias, e o sr. também… (…)

António Costa Peixoto: Eu não, desculpe mas eu não sou papagaio de ninguém…

Paulo Silva: Pronto…

António Costa Peixoto: Não sou papagaio de ninguém…

Paulo Silva: O sr. está no direito…

António Costa Peixoto: Não estou.. a ouvir o telefonema e a escr… não, isso eu não faço…”

“Num dia de sol perto do Natal de 2012” eis que aparece Sócrates

O economista diz que conheceu pessoalmente o ex-primeiro-ministro no Natal de 2012, por intermédio de Filipe Batista, professor da Faculdade de Direito próximo de Pedro Silva Pereira, que foi secretário de Estado Adjunto de Sócrates no seu primeiro Executivo. Sócrates vivia na altura em Paris.

Filipe Batista, ex-secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, terá apresentado António Costa Peixoto a José Sócrates

António Costa Peixoto: “Ele [José Sócrates] veio cá numas férias de Natal de 2012 e um amigo comum convidou-me para conhecer o eng. Sócrates.

Rosário Teixeira: E quem era esse amigo comum?

António Costa Peixoto: Era o dr. Filipe Batista (…) ele [Filipe Batista] me fala e disse assim… estava um dia de sol, ‘eu quero-te apresentar uma pessoa’… (…) o almoço foi todo à volta de que já tinha terminado a tese… a tese… terminado a tese não, terminado a parte dos trabalhos de preparação e … (…) esperava que aí nos próximos três meses tivesse essa tese pronta… até me lembro, foi num restaurante de um hotel em Paço de Arcos.”

Depois de o conhecer, José Sócrates terá enviado o rascunho da tese que viria a apresentar no Institut d’Études Politiques de Paris para ouvir a opinião de Costa Peixoto sobre o texto.

António Costa Peixoto: “Caí no erro de ler aquilo de supetão… li aquilo tudo de supetão e fiz-lhe uma série de emendas na tese, mas coisas de vírgulas, ortografia, de… coisas de… não foi de substância, foi de forma… (…) devo ter falado, a partir daí, dias e dias ao telefone, horas e horas ao telefone com ele.

Rosário Teixeira: Mas sobre a correção da tese, era isso?

António Costa Peixoto: Da tese, da tese… e foi a partir daí que depois da… depois da… da tese que se criou uma certa maior aproximação comigo e com ele… (…) o engenheiro Sócrates é um bocado desorganizado… eu sou muito desorganizado em muita coisa, mas em termos de trabalho não sou, e fazia-lhe as emendas… as sugestões, não era emendas…, tipo até coisas pequenas, quer dizer, coisas… não se escreve, não se escreve… quando é que “demais” é junto ou quando é “de mais”… lembro-me que foi uma coisa que eu até lhe mandei [para Sócrates], mandei-lhe uma coisa do Ciberdúvidas “veja aqui a diferença entre o ‘demais’ junto e o ‘de mais’ separado” que ele tinha lá na tese (…) tanto é assim que ele no fim disse-me: ‘Eu queria agradecer-lhe, não sei como é como hei-de pagar o trabalho que teve’. E eu disse-lhe: ‘Olhe, nem pense nisso’, isso foi pelo telefone, ‘nem pense nisso, isso foi por consideração por si e por amizade … mais nada'”.

O jantar com bloggers e a relação com João Galamba e Pedro Silva Pereira

Certo é que José Sócrates, mesmo com uma agenda sobrecarregada própria de um primeiro-ministro, ainda tinha tempo para acompanhar de perto a blogosfera. Sócrates conhecia um dos melhores amigos de Costa Peixoto, João Pinto e Castro, que morreu em 2013. Igualmente economista, Pinto e Castro tinha muita notoriedade na blogoesfera, particularmente na área do centro-esquerda. Era autor de vários blogues, como o “Provador de Venenos”.

Terá sido Pinto e Castro — que além de colunista no Jornal de Negócios também escrevia no “Jugular” com Fernanda Câncio (jornalista do DN), João Galamba (ex-deputado do PS), Mariana Vieira da Silva (atual secretária de Estado adjunta de António Costa), Domingos Farinho (o alegado ghostwriter de Sócrates), entre outros — contou a Costa Peixoto que Sócrates teria estado num jantar com bloggers.

Paulo Silva: “O engenheiro José Sócrates conhecia o sr. João Pinto e Castro?

António Costa Peixoto: Conhecia.

Paulo Silva: Tem a ver com esta área da situação dos blogues, será isso?

António Costa Peixoto: Exatamente. Era porque havia jantares.

Paulo Silva: … da “Jugular”, lá do “Provador de Venenos” e essas coisas… Tem a ver com essa área [dos blogues]?

António Costa Peixoto: Tinhamos jantares e tinhamos… festas de anos de A, B e C, onde nos reuníamos todos.

Paulo Silva: Mas quem eram os “todos”?

António Costa Peixoto: Eu também ia a alguns… o João Pinto e Castro também…

Paulo Silva: E o… e o sr. engenheiro também estava presente, não é? O engenheiro José Sócrates?

António Costa Peixoto: Penso que o sr. engenheiro esteve presente, contou-me o João Pinto e Castro, num jantar. Mas em que eu não estive presente, que tinha mais a ver com outro blogue… em que esteve muita gente…”

Paulo Silva: Já agora, o seu amigo João Pinto e Castro também ajudava e colaborava no “Câmara Corporativa”?

António Costa Peixoto: Eu não lhe posso dizer quem é que colaborava, acho que não sou obrigado a dizer. Estão lá cinco ou seis pessoas e eu não…

Rosário Teixeira: Eu estou a fazer-lhe a pergunta. Acho que isto é pertinente porque aqui está em causa e se já lhe foi perguntado, o sr. até pareceu que admitiu que muito esporadicamente isso pudesse acontecer, sr. dr., que o eng. José Sócrates lhe pediu para publicar num blogue…

António Costa Peixoto: Não, não me lembro que ele me tenha pedido, nunca… (…)

Paulo Silva: (…) também se vê quem é que acede à Câmara Corportativa… se for preciso…

António Costa Peixoto: Quem é que acede?

Paulo Silva: Os registos ficam… os registos existem, não é? (…)

António Costa Peixoto: É uma cooperativa, não tem nada a ver com o resto.

Paulo Silva: Não me traz felicidade nenhuma andar a saber quem é que está por detrás dos blogues … excepto se for um elemento de facto para o processo.

António Costa Peixoto: (…) o meu ex-amigo Carlos Abreu Amorim [atual deputado do PSD] dizia que o Câmara Corporativa era um coletivo…. escreveu isso várias vezes no blogue dele, no Blasfémias, que era um coletivo de 20 pessoas. Isso é ligeiramente exagerado, não eram vinte pessoas… Era a minha forma de intervenção cívica…

Além do “Câmara Corporativa”, Costa Peixoto diz ter colaborado com outros blogues, como o “Simplex” — um blogue criado com o propósito exclusivo de apoiar o PS e José Sócrates durante a pré-campanha e campanha para as legislativas de 2009. Nesse blogue, coordenado por João Galamba e onde escreviam socialistas conhecidos como Pedro Adão e Silva, João Constâncio, Tiago Barbosa Ribeiro, Porfírio Silva, Costa Peixoto diz ter feito “campanha pelo PS” de Sócrates.

João Galamba ligou a Costa Peixoto e passou o telefone a Sócrates

Aliás, foi através do “Simplex” — ou melhor, através de Galamba — que terá falado pela primeira vez com José Sócrates. Costa Peixoto conta:

António Costa Peixoto: (…) Na noite das eleições de 2011, (…) último dia da campanha, o PS fez um jantar de fecho de campanha na Estufa Fria… (…) Estava eu em casa, já era relativamente tarde, telefona-me um amigo meu, que é o João Galamba. Como tinhamos feito o grupo, que nós nos damos muito, tinhamos feito campanha pelo PS num blogue que era o “Simplex” e o João Galamba era o coordenador. O João Galamba telefona-me e diz… estava um bocadinho com os copos…. bocadinho com os copos e… diz-me assim: “Olha, estou aqui a olhar para uma pessoa e vou-te passar a pessoa”. E passa-me o engenheiro Sócrates que diz… que me diz qualquer coisa que eu não percebo porque estava muio rouco, portanto não percebi nada do que foi a chamada e quando desligo disse: “Esta voz eu conheço-a”. E depois falo com o João Galambra e ele diz: “Era o Sócrates, fui eu… que obriguei-o a agradecer-te por teres participado no Simplex.”

O Observador tentou falar com João Galamba mas não recebeu qualquer resposta à tentativa de contacto por escrito.

Além de Filipe Batista e de João Galamba, “Miguel Abrantes” tinha mais contactos com o inner circle de José Sócrates. Como Pedro Silva Pereira, o ex-ministro da Presidência do Conselho de Ministros e braço direito de Sócrates desde os tempos do Ministério do Ambiente nos anos 90. Tanto foi assim que os investigadores chegaram a perguntar-lhe se Silva Pereira tinha escrito na “Câmara Corporativa”, mas Costa Peixoto desmentiu:

António Costa Peixoto: O elo de ligação com Pedro Silva Pereira foi uma coisa que… que teve graça… não é uma pessoa particularmente simpática (…) ele mora, pelo que percebi, em Cascais (…) E um dia vi-o no supermercado… e … fui ter com ele e disse-lhe: “Olha, eu sou o Miguel Abrantes”. Ele ficou assim um bocadinho… não percebeu se era provocação, se não era… Não foi muito expansivo a conv… (…) depois vi-o uma vez a seguir num café onde costumo ir por que é ao lado do supermercado. E aí ficamos um bom bocado à conversa. Depois trocamos… trocamos telefones”.

O encontro com Carlos Santos Silva que não aconteceu e Rui Mão de Ferro

Alegando que desconhecia então qualquer ligação entre José Sócrates e Carlos Santos Silva, António Costa Peixoto explicou também aos investigadores como surgiu a hipótese de assinar um contrato com Rui Mão de Ferro — sendo esta a altura em que entra na história o seu filho, António Mega Peixoto, que, aquando da investigação, era assessor da Câmara Municipal de Lisboa liderada por Fernando Medina.

Carlos Santos Silva tinha um encontro marcado com Costa Peixoto mas não apareceu

Costa Peixoto alegou que estava à procura de um emprego para o seu filho que, com uma doença crónica grave, não saía de casa, tendo recorrido à ajuda do “grande amigo” João Pinto e Castro. De acordo com “Miguel Abrantes” terá sido Pinto e Castro quem terá contactado Carlos Santos Silva para ajudar o amigo.

Rosário Teixeira: E foi através desse seu amigo que lhe foi apresentado o sr. Rui Mão de Ferro?

António Costa Peixoto: Não, eu julgo que o João Pinto e Castro não o conhecia. Ele terá falado com o engenheiro Carlos Santos Silva, que eu não fazia ideia nenhuma que tivesse alguma… que tivesse alguma ligação com o eng. José Sócrates… mesmo das vezes em que estive com o engenheiro Sócrates, nunca tinha ouvido falar nesse nome…

Rosário Teixeira: Neste do Carlos Santos Silva?

António Costa Peixoto: (…) Acho que esse eng. Carlos Santos Silva tinha uma reunião num hotel em Lisboa… e um dia telefonou-me, julgo que a secretária dele, e disse-me: “Olhe, ele tem lá uma reunião, vá lá para falar com ele, para arranjar uma coisa…”.

Rosário Teixeira: Mas para falar com quem? Com o…

António Costa Peixoto: Com o engenheiro Carlos Santos Silva. Com o engenheiro Carlos Santos…

Costa Peixoto diz que foi informado de que a reunião com Carlos Santos Silva decorreria no Hotel Corinthia, antigo Alfa, na Columbano Bordalo Pinheiro, em Sete Rios. Mas Santos Silva não apareceu. Em seu lugar, surgiu Rui Mão de Ferro — que Costa Peixoto diz que também não conhecia.

António Costa Peixoto: Ele [Carlos Santos Silva] tinha uma reunião qualquer, não apareceu e apareceu o… o… como é que ele se chama? O… o.. Rui Mão de Ferro.

Rosário Teixeira: O Rui Mão de Ferro que o senhor não conhecia de lado nenhum?

António Costa Peixoto: Que eu nunca tinha visto.

Rosário Teixeira: O sr. Rui Mão de Ferro não o conhecia e às tantas dirige-se a si e apresenta-se?

António Costa Peixoto: Exatamente.

Rosário Teixeira: E apresenta-se como?

António Costa Peixoto: “O eng. Carlos Santos Silva pede muita desculpa, não pôde vir cá, vim eu. Eu trabalho com o eng. Carlos Santos Silva e não sei quê… tal tal…”, quer dizer… (…)

Rosário Teixeira: E então, o que é que ele lhe propõe em sede do tal trabalho? (…)

António Costa Peixoto: (…) propõe que lhe dê colaboração… eu julgo que ele precisava, ele próprio de assessoria…

Rosário Teixeira: O Rui Mão de Ferro?

António Costa Peixoto: Sim, julgo que ele próprio precisava de assessoria em várias áreas e eu (…) tinha também experiência na área da economia porque eu também sou economista e auditor”.

O grupo de Carlos Santos Silva, o AXN e a mulher que se chamava Lena

“Miguel Abrantes” insistiu que desconhecia qualquer ligação entre José Sócrates e Carlos Santos Silva, tal como ignorava que Rui Mão de Ferro trabalhasse essencialmente para empresas de Carlos Santos Silva.

António Costa Peixoto: “(…) Eu não sabia quem era o Carlos Santos Silva (…) sabia que tinha sido através dele e sabia que ele [Carlos Santos Silva] teria um grupo económico grande… (…) uma pessoa que está no topo de um grupo, quer dizer… não me fez confusão não o conhecer, não é?

Paulo Silva: Mas sabe qual é [o grupo económico]?

António Costa Peixoto: Nem agora eu sei os nomes… já vi nomes AXL, AXN, AX não sei quê… quer dizer, não sei bem os nomes das empresas não… é… aliás este assunto repugna-me um bocadinho…

Costa Peixoto confundiu o canal de televisão AXN com a empresa de Carlos Santos Silva chamada XLM Sociedade de Estudos e Projetos. Há também outra sociedade chamada XMI Management & Investments, SA, criada pelo Grupo Lena e por Santos Silva, que também é referenciada na acusação da Operação Marquês.

A empresa de Rui Mão de Ferro, funcionário e sócio de Carlos Santos Silva, pagou a António Costa Peixoto e a Domingos Farinho serviços prestados a José Sócrates

Paulo Silva: Sr. dr. António Peixoto, sabia que algum dos seus trabalhos tinham como destino o Grupo Lena? Que está a fazer recolha de informação para dar ao Grupo Lena?

António Costa Peixoto: Não, isso não. Isso nem sabia…

Paulo Silva: Não fazia a mínima ideia?

António Costa Peixoto: Nunca tinha ouvido falar do Grupo Lena.

Paulo Silva: Nunca…?

António Costa Peixoto: Nunca tinha ouvido falar, que dizer, em termos de coiso… lembro-me quando… quando foi constituído o [jornal] i que se falou que existia um Grupo Lena e eu até me ri muito porque a minha mulher se chama Lena, quer dizer… Grupo Lena, que dizer, já é assim um nome para um grupo de construção civil, quer dizer… (…)

Paulo Silva: O seu filho veio aqui dizer que fazia serviços para o Rui Mão de Ferro mandar para o Grupo Lena, que era para o Grupo Lena que ele trabalhava, ele assumi aqui isso. (…)

António Costa Peixoto: Mas o que tem a Grupo Lena a ver com isto?

Paulo Silva: Não sei. Pergunte ao seu filho, foram as declarações dele.”

Os contratos com a família Costa Peixoto

Entre 2012 e 2014, António Costa Peixoto recebeu um total de 79.502,50 euros da sociedade RMF Consulting, Lda, por via da assinatura de três contratos de prestação de serviços. O primeiro, que rendeu cerca de 38,3 mil euros, foi assinado com o seu filho António Mega Peixoto, e visaria a assessoria no “acompanhamento de projetos internacionais, nomeadamente em Angola, Argélia e Cabo Verde”. Mas, na realidade, e segundo o testemunho do pai, não era bem isso que Mega Peixoto fazia.

António Costa Peixoto: “Por exemplo, ele [o meu filho] andava a pesquisar o que é que havia de abertura de concursos internacionais [de obras públicas] (…) e fazia… ia ao Jornal Oficial das Comunidades, via e mandava-lhe, quer dizer… fazia pesquisas do INE, fazia outras coisas que tais e mandava-lhe. Às vezes, ele [Rui Mão de Ferro] fazia pedidos da área fiscal, aí já era mais eu que ajudava o meu filho a fazer, não é?

Os alegados pedidos de Mão de Ferro dariam origem à calendarização de diversos serviços e à entrega de alegados relatórios, disse Costa Peixoto. O procurador Rosário Teixeira, contudo, duvidou logo desta tese porque, após a realização de buscas à empresa e ao domicílio de Mão de Ferro, não encontrou qualquer prova de que tais relatórios existissem.

Pior: o primeiro contrato foi assinado com o filho mas, segundo Costa Peixoto, era o pai quem recebia os pedidos de trabalhos, era o pai quem enviava os “papelitos (…) com alguma ordem” — foi assim que o economista se referiu aos relatórios — para Rui Mão de Ferro, era o pai quem recebia os 3.500 euros na sua conta bancária e era também o pai quem, de vez em quando, fazia os trabalhos. O filho só dava o nome para o contrato porque, segundo o MP, Costa Peixoto tinha um contrato com a Câmara de Oeiras que obrigava a exclusividade.

António Costa Peixoto: Mas era aí que eu queria chegar. Portanto, na Câmara estava… estava em exclusividade, mas podia ser dispensado dessa exclusividade se fosse autorizado, não é?

Rosário Teixeira: Mas nunca chegou a precisar disso porque o primeiro contrato foi feito com o seu filho?

António Costa Peixoto: E foi ele que fez as coisas não… quer dizer, não teve a camuflar, não é? Ele é que… a minha preocupação com o meu filho era que tivesse uma ocupação (…).

Rosário Teixeira: Nós não encontramos qualquer rasto dessa prestação de serviço. A única coisa que se encontra aqui é uma relação do sr. dr. com o engenheiro José Sócrates sobre algumas informações e utilidades que lhe transmitia, designadamente quanto a audiências televisivas, e trocava vários mails com o engenheiro José Sócrates, ou não? (…)

António Costa Peixoto: Mas eu não fiz nenhum trabalho ao José… ao engenheiro José Sócrates. Eu não fiz nenhum trabalho ao engenheiro José Sócrates, aliás… (…) isso não é trabalho (…). Isso é uma ques… eu posso… (…) quer que lhe diga quantos amigos… quer…

Rosário Teixeira: Qual era o trabalho que fazia para o sr. Rui Mão de Ferro? Também havia amigos seus [com] outras teses de mestrado em que…?

António Costa Peixoto: Teses de mestrado e livros… e artigos. Todas as semans, tod…

A colaboração com Pedro Adão e Silva

Para fundamentar as suas palavras, Costa Peixoto deu mesmo o exemplo de Pedro Adão e Silva, ex-secretário nacional do Partido Socialista na direção de Ferro Rodrigues e atual comentador da RTP, Expresso, Record e Sport TV. O blogger do “Câmara Corporativa” afirmou que tinha colaborado em vários livros do professor do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa. Um deles, do qual dizia ter o rascunho em outubro de 2016 e que vai ser publicado no próximo mês de dezembro, retrata a participação de Portugal no Mundial do México de 1986, que ficou marcada pelo célebre caso Saltillo.

António Costa Peixoto: “Ó sr. procurador [Rosário Teixeira], desculpe, só uma questão: o sr. procurador falou aí de uma das hipóteses [para a remuneração que recebia da empresa de Rui Mão de Ferro] é porque eu colaborava nos livros e não sei quê, por aí fora… Sabem em quantos livros eu já dei a colaboração? Por exemplo, eu estou a dar um exemplo, não é só… porque posso testemunhar porque está la registado nos livros o agradecimento a mim. Do Pedro Adão e Silva, três livros. Já lhe… E agora está a fazer um quarto sobre Saltillo, que eu já tenho o rascunho e já é… e está lá escrito o agradecimento a mim pela colaboração dada, está lá o meu nome… sabe que eu leio todas as semanas…

Rosário Teixeira: Pedro Adão e Silva não é também uma das pessoas que colabora consigo nos blogues?

António Costa Peixoto: Ó sr. dr…. eu não lhe posso dizer porque eu… desculpe, eu isso não lhe digo quem são as pessoas. Não posso dizer (…) Todas as quintas-feiras, todas as quintas-feiras ele manda o artigo do Expresso para eu ler e pede-me a colaboração. Pede-me… aliás, não só a mim…. pede-me a mim e a outros amigos meus, ao João Constâncio, por aí fora, somos um grupo que se dá…”

Costa Peixoto dava detalhes sobre esse grupo: “Continuo a almoçar uma vez por semana com algumas pessoas, como o Pedro Adão e Silva, com o João Galamba… a gente reúne-se uma vez por semana. Eu agora tenho faltado ultimamente, mas pronto…”.

Contactado pelo Observador, Pedro Adão e Silva explicou que conhece António Costa Peixoto há mais de 15 anos por ser primo de um primo seu e que Costa Peixoto colaborou consigo na revisão dos seus textos. “Não vejo qual é a relevância dessa matéria”, afirmou.

A confidencialidade exigida ao ghostwriter

As suspeitas que incidem sobre Domingos Farinho e a sua mulher Jane Kirkby são semelhantes às de António Costa Peixoto. Os dois juristas também são suspeitos de falsificarem dois contratos que assinaram com a empresa de Rui Mão de Ferro. No caso do contrato assinado com Kirkby, está mesmo em causa uma alegada apropriação de fundos públicos porque Farinho terá recebido da Universidade de Lisboa um valor suplementar por estar em situação exclusiva, o que impedia o jurista de prestar qualquer outro serviço.

Ouvido a 28 de setembro de 2016, Domingos Farinho disse que tinha conhecido José Sócrates em março ou abril de 2005 como adjunto de Filipe Batista, secretário de Estado Adjunto de José Sócrates. Três anos depois saiu para o Ministério da Justiça, tendo perdido o contacto regular com o ex-primeiro-ministro. Só em 2012, e através de Filipe Batista, o ex-secretário de Estado adjunto de Sócrates que também tinha apresentado António Costa Peixoto a Sócrates, é que Farinho foi confrontado com a hipótese de “ajudar na revisão da tese” do mestrado de Sócrates.

Domingos Farinho conheceu Sócrates através de FIlipe Batista

Domingos Farinho: Portanto, eu… quando eu comecei… quando ele [José Sócrates] me abordou… já estava, já tinha avançado no que viria ser o primeiro capítulo da tese, ah… e basicamente era uma colaboração… ah… ou seja, ele mandava-me coisas que tinha escrito e eu… ah… discutia com ele aspetos de referências bibliográficas que ele tinha escrito, de livros que ele citava… sugeria mudanças de sistematização… (…) o trabalho normal de uma revisão formal de uma tese e, também podemos dizer, quase uma espécie de co-orientação, porque era a primeira vez que ele fazia um trabalho académico… e também houve ali, claramente, questões de… como… explicar as matérias, não é? Como sistematizá-las. Escrevia aquilo em bruto, e eu dizia, “Olhe… faça assim, faça desta maneira”… pronto. Depois ele mandava para mim novamente… ele não estava cá nessa altura porque estava em Paris. Era… pronto… mandava as coisas por email, vinham por email, voltavam por email. E foi isto. (…)

Procuradora Ana Catalão: Essa colaboração foi remunerada de alguma forma?

Domingos Farinho: Sim, exatamente. Ele fa… ele falou comigo, disse-me… “Obviamente que não vais fazer isto de graça, não é? Ah… eu quero… quero pagar”…. Ah… e disse-me, pronto: “Im… importas-te que seja… há algum problema de ser um amigo meu a pagar?”. Eu disse: “Não vejo nenhum problema com isso”… não… não vi nenhum problema. Depois, ah… mais à frente ah… até alguns… alguns dias depois… ah… disse-me: “Vamos, vou-te apresentar a pessoa, acertas com ele o contrato, ah… portanto, o pagamento, no fundo”… e… e… e foi isto.

Domingos Farinho encontrou-se posteriomente com Rui Mão de Ferro também em dezembro no Hotel Corínthia, na Av. Columbano Bordalo Pinheiro — tal como aconteceu com António Costa Peixoto. Era a primeira vez que via Rui Mão de Ferro e, de imediato, o colaborador de Carlos Santos Silva apresentou-lhe uma minuta de contrato.

Domingos Farinho: Eu disse “Bem, tudo bem, desde que haja um contrato que… que esteja tudo válido, por mim não há problema nenhum”. Foi isso, acho que foi isso.

O professor da Faculdade de Direito admitiu igualmente que todos os valores pagos pela sociedade de Rui Mão de Ferro serviram única e exclusivamente para remunerá-lo pelo apoio que deu a José Sócrates durante a elaboração da tese de mestrado. Rosário Teixeira perguntou-lhe diretamente se alguma vez tinha prestado algum serviço jurídico à RMF Consulting — ao fim e ao cabo, o único objeto e a única justificação formal para a existência daquele contrato –, tendo Farinho respondido simplesmente “não”.

Procuradora Ana Catalão: Porque este contrato aqui refere-se a… prestação… de… de apoio e assessoria na área jurídica à sociedade RMF, mas….

Domingos Farinho: Isso foi falado comigo como… po… podendo ser… podendo acontecer….

Procuradora Ana Catalão: Certo.

Domingos Farinho: … só que nunca chegou a ser necessário, ou seja não… o trabalho que eu realmente prestei, que me foi pedido, foi que eu colaborasse com… com o eng. José Sócrates… ah… e pronto, eu entendi, que… e era isso, pronto, e foi isso que foi… foi acordado… ah… então foi isso.

Curiosa foi a explicação dada por Jane Kirkby, mulher de Farinho, para a existência de um contrato com a RMF Consulting, em vez de José Sócrates.

Jane Kirkby: O meu marido, no final de 2012, foi convidado pelo eng. José Sócrates para assessorá-lo na elaboração da… sua tese que estava a fazer em Sciences Po, ah… como assistente de… de investigação, e eles na altura, não sei bem os contornos… mas celebraram um contrato… o eng. Sócrates pediu confidencialidade a meu marido… porque já sabe como é que é… o público etc, não é?

O segundo contrato com a mulher e a exclusividade

O primeiro contrato assinado entre a RMF Consulting e Domingos Farinho permitiu o pagamento de cerca de 30 mil euros líquidos ao professor da Faculdade de Direito entre janeiro e setembro de 2013.

Um mês depois, José Sócrates entrou novamente em contacto com Farinho para abordá-lo para um segundo contrato. Desta vez, o objetivo seria o desenvolvimento de uma tese de doutoramento. Depois de ter sido aprovado com uma boa nota no mestrado em Filosofia Política, o ex-primeiro-ministro tinha feito a inscrição no programa de doutoramentos do Institut d’Études Politiques da prestigiada universidade francesa Science Po, e necessitava novamente dos serviços de Farinho. Mas havia um problema: o jurista iria ficar nos meses seguintes em situação de exclusividade na Faculdade de Direito de Lisboa.

Jane Kirkby, mulher de Domingos Farinho

Domingos Farinho: (…) A situação foi a seguinte. Algures, eu creio que em outubro ou novembro de 2013, já depois de a… tese [do mestrado] do eng. Sócrates ter sido entregue e de eu próprio já ter discutido a minha tese, ele…ah… falou comigo a dizer que estava interessado em saber se eu podia colobrar com ele na tese [de doutoramento]. Portanto, ele queria avançar para o doutoramento e se eu… podia colaborar com ele. E eu disse-lhe: “Qual é a sua ideia de tempo?”. E ele disse: “Algures até ao verão do ano que vem”, pronto, para começar a fazer a tese. E eu disse: “Olhe, não… não… como… como já lhe tinha tdo antes, quando comecei a colaborar consigo na tese de mestrado, eu não… eu não vivo só da Faculdade, portanto, faço sempre alguma coisa em complemento, em termos de… de trabalho. Não me posso estar a comprometer com esse período, porque isso significaria não aceitar nenhum compromisso profissional e a minha ideia era voltar à advocacia nesse período. O que ele me disse nessa altura foi, ah… “Não há problema falar com o Rui Mão de Ferro, para te começarmos a pagar já pela tua disponibilidade e algures até ao Verão tu… tu começavas a trabalhar”.

Procuradora Ana Catalão: Certo.

Domingos Farinho: (…) Fiquei de falar com a minha mulher, até porque, nessa altura, estávamos a pensar ir para fora, ambos para trabalhar (…) Surgiu uma questão que é… (…) até ao verão de 2014, haveria a hipótese de eu poder ir para dedicação exclusiva na Faculdade [de Direito de Lisboa]. Só que, se eu fosse para dedicação exclusiva, de acordo com o regime de declaração exclusiva, não poderia garantir a reserva do contrato que me tinha sido pedido. (…) Não sei se conhecem mas o regime de dedicação exclusiva pode permitir que a instituição ou uma auditoria, ou o que seja, pergunte se os rendimentos que a pessoa recebeu nesse ano estão dentro do que é aceitável para a dedicação exclusiva (…). E se me perguntassem, eu teria que explicar “Olhe, isto não é um rendimento que viole a dedicação exclusiva”. Só que isso implicaria… ah… não… não poder garantir a reserva do contrato, pronto. E o que ocorreu, em conversa com a minha mulher, foi dizer-lhe: “Olha, eu posso perguntar se há algum problema, enquanto estivermos nesse período de disponibilidade, o pagamento ser feito a ti”…

Procuradora Ana Catalão: Hum, hum…

Domingos Farinho: … e, se não houver, pronto, está resolvido. Se houver, pronto, fica como estava até agora, ou seja, o contrato é feito comigo novamente e eu não fico em dedicação exclusiva. E eu falei com o eng. José Sócrates , que disse que em princípio não haveria problema, que ia falar com o amigo, e foi isso que aconteceu. (…)

Jane Kirkby aceitou receber quase 5 mil euros mensais por um contrato que assegurava que iria prestar serviços jurídicos à RMF Consulting quando, na realidade — e como a própria admitiu no DCIAP –, servia para remunerar uma alegada disponibilidade do seu marido para colaborar com José Sócrates no desenvolvimento de uma tese de doutoramento. A confidencialidade, mais uma vez, veio à baila, o que levou a procuradora Inês Bonina — que inquiriu Kirkby — a recorrer à ironia.

Jane Kirkby: “(…) Quando se deu a passagem do contrato para mim… para ele explicar na Faculdade [de Direito] que estava a fazer um contrato para disponibilidade num momento futuro, teria que explicar porque é que era o contrato, não é? E então arranjou-se essa… essa solução para não ter que haver essa revelação… muito confidencial… que fosse dentro da Faculdade, poder ser assim…

Procuradora Inês Bonina: Pois, isto… em Portugal é difícil a confidencialidade…

Jane Kirkby: Sim. (…)

Procuradora Inês Bonina: Mas o contrato anterior tinha sido em nome do seu marido. Porque é depois passou a haver um problema e antes não havia?

Jane Kirkby: Porque antes o meu marido não estava em exclusivo na Faculdade. Acho eu! Creio que sim.

Certo é que José Sócrates, de acordo com Domingos Farinho, hesitou em fazer o doutoramento em Paris ou em ir para Nova Iorque — como chegou a falar com Manuel Pinho, seu ex-ministro da Economia que era professor na Universidade de Columbia desde há vários anos. Sem país, sem universidade e sem tema de doutoramento escolhido, Jane Kirkby continou a receber em nome do marido os 5 mil euros mensais até ao final do verão de 2014. No total, foram cerca de 50 mil euros. A 21 de novembro de 2014, Sócrates é detido pelo procurador Rosário Teixeira por ordem de Carlos Alexandre.

Procuradora Ana Catalão: Acabou por estar a receber mensalmente o valor contratualizado mas, praticamente não efetuou serviço nenhum?

Domingos Farinho: (…) Não… não fiz nada (….) Eu diria que se tivesse que dizer um vol… um valor agregado de horas, nesses nove meses que… e que perdi [tempo] com aquilo foi… Não sei… (… ) não chegaria a 24 horas…”

Jane Kirkby explicou que a remuneração foi realizada a título de disponiblidade do seu marido. Isto é, Farinho foi pago para estar disponível para trabalhar.

Procuradora Inês Bonina: “E o dinheiro nunca foi devolvido? Ficou assim?

Jane Kirkby: Sim. Até porque… era pela disponibilidade até… começarem a trabalhar, portanto, não…”

Domingos Farinho será agora investigado pelo DCIAP por suspeitas de peculato, já que existem indícos de que se terá apropriado de fundos públicos no montante respeitante à parte do seu salário que era pago pela Faculdade de Direito de Lisboa por estar em regime de exclusividade.

Artigo corrigido às 11h02m. O interrogatório a Domingos Farinho foi liderado pela procuradora Ana Catalão (e não por Jorge Rosário Teixeira) e o interrogatório a Jane Kirkby foi realizado pela procuradora Inês Bonina (e não por Ana Catalão). O nome de Jane Kirkby foi igualmente corrigido.