O país não cessa de arranjar novos motivos de orgulho. Há dias, houve a atribuição do Camões a Manuel Alegre, apenas o 13º compatriota distinguido pelo importante prémio. Ontem, houve a saída oficial do PDE, triunfo inegável de Passos Coe…, perdão, António Costa. Pelo meio, aprendemos que uma sobrinha de Carlos César foi contratada pela câmara de Lisboa.

Inês César, 25 anos, socióloga, é a mais recente aquisição da empresa municipal Gebalis, que a contratou à junta de freguesia de Alcântara, onde a jovem dera nas vistas na temporada 2016/17. O facto de ambas as instituições serem socialistas apenas prova a atenção que o PS dedica à formação e ao desenvolvimento de valores emergentes. O parentesco da dra. Inês com o presidente do partido apenas prova que o contributo dos Césares para o progresso nacional está longe de se esgotar.

Luísa, mulher de Carlos e reformada da coordenação dos Palácios da Presidência (uma coisa relevantíssima lá dos Açores, suponho), dispôs-se – sem concurso público que a senhora não é de perder tempo – a abdicar do sossego para coordenar a “estrutura de missão” para a criação da Casa da Autonomia (outra coisa lá dos Açores, nascida por proposta da coordenação dos Palácios da Presidência). Francisco César, filho de Carlos e de Luísa, é deputado regional, eleito pela primeira vez em lista encabeçada pelo pai, que lhe elogia, naturalmente babado, a “militância cívica” e a “sensibilidade”. Rafaela, mulher de Francisco e nora de Carlos e de Luísa, é chefe de gabinete da secretária regional adjunta para os Assuntos da Presidência, posto cuja enganadora insignificância não a impede de auferir justíssimos três mil e setecentos euros mensais. Horácio, irmão de Carlos, cunhado de Luísa e tio de Francisco, também saiu da reforma, após carreira incansável ao serviço da comunidade, para ser adjunto no falecido gabinete de João Soares. Patrocínia, mulher de Horácio e cunhada de Carlos e de Luísa, é assessora do Grupo Parlamentar do PS e brilha em simultâneo na junta de freguesia do Lumiar. E agora é Inês, sobrinha de Carlos, filha de Horácio e de Patrocínia e prima de Francisco, a despontar para o espírito missionário que abençoou aqueles genes. Antes, já existira o avô de Carlos (e bisavô de Francisco, etc.), que este confessou à “Sábado” ter sido presidente de junta, além do bisavô e do tio-bisavô de Carlos, dirigentes do Partido Socialista de Antero de Quental. Isto que se saiba, dado que a modéstia dos virtuosos (ou a falta de espaço) é capaz de obstar à divulgação de todos os casos.

Quantas famílias obedecem a tão rígidos padrões? Na minha, por exemplo, cada um fez pela vida onde calhou. É possível que o meu tio-bisavô fosse padeiro e eu, Deus me valha, detesto bolo-rei. Por falar em rei, é admirável que um clã assim insuflado de ética republicana apresente práticas parecidíssimas com as monárquicas. E é evidente que um clã assim predestinado constitui uma dádiva para qualquer nação. Por azar, o cepticismo de alguns acha a dádiva uma exibição de “cunhas” e descaramento, e coloca os parentes de Carlos literalmente na lama. Se dependesse de gente dessa, alimentada em exclusivo pela inveja, Portugal não iria a lado nenhum, ao contrário dos lados a que vai com gente do gabarito dos Césares.

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Como não quero acusações de parcialidade, concedo um exercício. Imagine-se, por absurdo, que os familiares de Carlos não eram profissionais altamente competentes, vultos ímpares do municipalismo ou referências no mundo das coordenações regionais. Imagine-se, em suma, que não seriam os melhores nas funções que em boa hora acederam a desempenhar. Mesmo essa hipótese (absurda, repito) não roubaria um pingo de legitimidade às nomeações em causa e ao papel de Carlos nelas.

Explico porquê. Quem acompanha com zelo a evolução do pensamento filosófico de Carlos, encontra três preocupações centrais. Em Maio de 2008, ainda nas ilhas, Carlos negava o aumento local do desemprego. Em Maio de 2012, celebrava a contenção do desemprego que afinal aumentara nos anos anteriores. Em Agosto de 2015, já transladado para o “continente”, chorava os 250 mil empregos que o país perdera em quatro anos de “neoliberalismo”. Em Fevereiro de 2017, festejava a diminuição diária de 250 desempregados por obra e graça do governo de esquerda. E por aí fora. Constata-se, pois, que o desemprego é a primeira preocupação de Carlos. A segunda é combatê-lo. A terceira é iniciar o combate junto dos seus.

Se a consciência social e o amor à família configuram nepotismo, vou ali e não volto. Não quero viver numa sociedade subjugada à má-fé, que, ao invés de agradecer a oportunidade, se irrita por patrocinar uma família notável. O que vale é que os noticiários ligaram pouco ao assunto e preferiram concentrar-se nos – alerta para chavão – verdadeiros problemas dos portugueses. Os quais, a acreditar nos noticiários, não são nenhuns.

Nota de rodapé:

Um eurodeputado do PS chamou “cigana” a uma deputada do PS que, embora eleita pelo Porto, votou por Lisboa na história da Agência Europeia do Medicamento (EMA). Num ápice, o partido em peso caiu sobre o homem, a quem, com típica tolerância, acusam de insultos intoleráveis. Não se percebe se o insulto passa por comparar a sra. deputada aos ciganos ou se por comparar os ciganos à sra. deputada. Percebe-se que a questão da EMA e o mito da “descentralização” morreram aqui. Como se pretendia, aliás.