O amor de mãe parece a toda a gente uma boa ideia, independentemente dos pormenores; ou pelo menos ninguém é contra o amor de mãe. Pensar-se-ia por isso que não há muito a dizer sobre o tema. Acontece porém que os tópicos sobre os quais não parece haver opiniões diferentes são os tópicos que toda a gente gosta mais de tratar, e de que se fala com mais eloquência.

A nossa atitude acerca do amor de mãe é uma boa ilustração da nossa atitude sobre muitos outros assuntos. A estes se pode chamar assuntos amor-de-mãe. Entre os assuntos amor-de-mãe contam-se, além do amor de mãe propriamente dito, a fome, a justiça, a corrupção, a violência, o crescimento, a educação, o crime, a excelência, a poluição, e o Papa Francisco. Note-se que entre os assuntos amor-de-mãe há assuntos sobre os quais a opinião é unânime no sentido em que são coisas a evitar (e.g. a violência), e assuntos sobre os quais a opinião é unânime no sentido de que são coisas a celebrar (e.g. o crescimento).

Poder-se-ia dizer que a razão por que um assunto é amor-de-mãe é que é tão vago que se pode prestar a entendimentos opostos. É em parte verdade que ‘educação’ ou ‘excelência’ são palavras usadas de um modo vago. Mas só em parte: toda a gente é contra a corrupção ou a violência, toda a gente entende de modo muito parecido as palavras ‘corrupção’ e ‘violência,’ e toda a gente reconhece sem dificuldade casos de violência e corrupção, por exemplo nos outros.

Ao contrário de assuntos não-amor-de-mãe (como a escolha entre fome e poluição, ou o Papa Bento XVI) não é frequente haver discussões genuínas sobre assuntos amor-de-mãe. Imaginemos uma mesa-redonda sobre a educação, a justiça, ou a corrupção: só quem já as organizou sabe como é difícil arranjar quem defenda as vantagens da última ou as desvantagens das primeiras. As razões por que numa atmosfera em que todos se exprimem livremente ninguém acha nefasto o combate à corrupção não são claras. Os corruptos poderão ser uma excepção a esta tendência: mas como nem sempre são francos é difícil ter a certeza.

Uma discussão sobre assuntos amor-de-mãe é assim uma actividade que se parece com uma discussão, mas em que não é de esperar que uma das características principais de uma discussão (os seus intervenientes poderem mudar de opinião) se verifique. A razão é que todos os participantes têm a mesma opinião. A maior parte das discussões a que assistimos são discussões entre pessoas com as mesmas opiniões; são discussões sobre assuntos amor-de-mãe, isto é, não são discussões.   Pouco se segue das nossas conversas sobre fome e educação, a não ser talvez a satisfação de estar em maioria sempre que não há nada para decidir.

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