Para que uma política deva ser melhor desempenhada a nível europeu deve satisfazer as duas condições seguintes: corresponder a um interesse comum, ou homogéneo entre os estados, e a acção comunitária ter uma mais-valia superior que uma acção desenvolvida a nível nacional.

Um exemplo quase perfeito destas condições é a política de ambiente. Todos os países europeus e as suas populações são bastante sensíveis a questões ambientais, e a ação comunitária é obviamente mais eficaz que se fosse prosseguida a nível nacional. Um exemplo a contrario é a política agrícola comum: na fase actual da construção europeia dificilmente satisfaz das duas condições.

O que pode dizer isto sobre as duas crises?

A crise financeira desenrolou-se lentamente por diversas razões. Por um lado o sistema de gestão do euro estava claramente incompleto e a percepção de que era indispensável salvar o euro (e a Grécia pelo meio) demorou imenso tempo; nestes termos, a homogeneidade de interesses demorou a ser estabelecida. A isto acrescentou o facto de não ser evidente como definir melhor o projecto do euro; a forma de concretizar a mais-valia europeia levantava problemas conceptuais complexos e politicamente sensíveis.

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Demorou tempo, exigiu uma reflexão profunda, a tomada de soluções políticas muito ambiciosas. Mas está feito. E aparentemente funciona bem. A credibilidade do euro está firmemente consolidada.

Será que a crise dos refugiados poderá ter um desfecho semelhante?

Vejamos

Comecemos pela homogeneidade de interesses. Vai ser quase impossível conciliar a visão da França, Hungria e outros países com a perspectiva de outros, como Portugal quanto ao acolhimento de tantos refugiados. A divergência de pontos de vista é muito acentuada, a que não é certamente alheia uma coisa tão simples como a situação geográfica.

Por outro lado qual poderá ser a mais-valia europeia? Quase nenhuma. Cabe a cada país, individualmente, acolher os refugiados, com todos os custos financeiros e sociais que isso acarreta. Pior ainda: alguma conquistas europeias, como o acordo Shengen, podem estar em risco de de desagregação.

Que podem então as instituições europeias fazer. Muito pouco. Quando a União Europeia decidiu enveredar por políticas mais relacionadas com a vida dos cidadãos, como o trabalho ou a segurança social, a união incorporou nos Tratados o chamado Método Aberto de Coordenação. Que tem aplicação nos mercados de emprego, na cultura, na segurança social e pouco mais. Com isto a responsabilidade da definição das políticas nacionais cabe única e exclusivamente aos estados, cabendo à Comissão Europeia uma tarefa de coordenação de divulgação de práticas e opções seguidas, uma avaliação de objectivos e de resultados. Em suma uma função primordialmente cognitiva.

Se as instituições europeias teimam em imiscuir-se demasiado nas opções nacionais de cada estado, correm o risco de transformar as divergências em acrimónias, ou mais grave, em confrontos e criar uma séria menos valia ao projecto.

Inteligentemente a Comissão Europeia avançou com uma proposta de reforço das fronteiras, segundo a qual funcionários europeus poderiam vigiar fronteiras nacionais, mesmo sem o apoio ou a autorização dos estados membros em causa. Esta proposta terá surgido da necessidade de superar as óbvias dificuldades do governo grego em controlar o fluxo de refugiados, que se dirigiam para outros países europeus, pela via dos Balcãs.

Deste modo está a Comissão a tentar definir uma mais-valia europeia, ao mesmo tempo que procura, por arrasto, agregar um interesse mútuo mínimo.

Ainda não sabemos qual o resultado desta proposta. Mas o contraste com as mais recentes decisões do Governo e do Parlamento grego aprovando o terceiro pacote de austeridade não podia ser maior. Neste caso, os gregos são forçados a introduzir medidas de política económica e financeira que não lhes agradam por imposição das instâncias europeias. No caso dos refugiados são as instâncias europeias que vão tentar resolver um problema que os gregos são incapazes de resolver, ou não estão dispostos a resolver.

A tentativa da Comissão, por bem intencionada que seja, depara-se com atitudes e preferências nacionais divergentes; os gregos (e outros estados) podem recusar a proposta da Comissão sem que isso lhes traga quaisquer consequências. Os alemães podem continuar a acolher um elevado número de refugiados e os húngaros a não aceitar nenhum. Nada nem ninguém os pode obrigar a mudar de atitude.

Especialista em assuntos europeus