A Companhia de Jesus, fundada em 1540, viveu altos e baixos, entre a glória e a humilhação, ao ponto de chegar a ter sido suprimida. De Portugal foi expulsa três vezes. Depois da última expulsão, na República, os jesuítas voltam definitivamente para Portugal em 1932, instalando-se inicialmente no Minho e posteriormente, em 1934, chegam a Lisboa. Por curiosidade, a Estátua do Marquês de Pombal em Lisboa, tinha sido inaugurada em 1933. Conta-se, que os descontentes com o regresso da Companhia de Jesus, diziam à boca cheia, quando passavam pela estátua “Desce daí ó Marquês, que eles já cá estão outra vez!” De facto, vieram para ficar. E estão em fase de renovação a nível mundial. Nestes dias haverá em Roma uma magna reunião de jesuítas para elegerem o novo Superior Geral da Ordem.

A Companhia de Jesus é uma Ordem Religiosa que se organiza por Províncias (Portugal é historicamente a primeira Província jesuítica do mundo). À frente de cada Província está um jesuíta a quem chamamos Provincial e, “acima” de todas as Províncias está um jesuíta que exerce o cargo de Superior Geral. O cargo de Provincial tem uma duração de 6 anos ao passo que o cargo de Geral é vitalício. O Geral é o único cargo eleito na Companhia, sendo todos os outros de nomeação a partir “de cima”. Deste modo, cada cargo é estabelecido e recebido como uma missão por um período concreto. Quem elege o Geral dos jesuítas é a Congregação Geral (CG).

Uma CG da Companhia de Jesus é, por isso, um acontecimento da maior importância para os jesuítas. Ao contrário do que acontece em quase todas as outras Ordens e Congregações Religiosas em que o Capítulo Geral se realiza com uma periodicidade específica, na Companhia de Jesus este acontecimento dá-se por convocação do Geral da Ordem, ou por morte do mesmo. Sendo o órgão máximo de governo, a CG reúne-se, antes de mais, para eleger um novo Superior Geral. Como referido acima, este cargo de Superior Geral é vitalício, mas a realidade mostra que tal não tem acontecido nos últimos três generalatos. O P. Pedro Arrupe renunciou ao cargo por doença que o incapacitava de exercer a sua missão e, depois dele, também o P. Peter Kolvenbach renunciou, não por doença, mas por sentir o peso da idade avançada. O mesmo sucede agora com o P. Adolfo Nicolás, que pede a renúncia do cargo aos 80 anos. Depois de pedir ao Papa para renunciar ao cargo, o Geral faz uma consulta alargada aos seus conselheiros e aos Provinciais de todo o mundo. Se o parecer for favorável, convoca uma CG para apresentar a sua renúncia e se eleger um novo Geral.

É o que sucede a partir de domingo, dia 2 de Outubro, com uma Missa solene presidida pelo Mestre Geral dos Dominicanos, convidado para este efeito. Em quase 500 anos de história esta é apenas a 36ª CG. Nela se elege o novo Geral da Companhia de Jesus, o 30º sucessor de Sto. Inácio de Loyola. Mas não só. Obviamente, convocado o órgão máximo deliberativo da instituição, seria um desperdício de oportunidade, de tempo, de esforços e de dinheiro se não se aproveitasse este encontro para discutir, discernir e decidir as grandes linhas de força e prioridades apostólicas da Companhia para os próximos tempos.

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Após a eleição do novo Superior Geral, espera-se que o Papa se dirija à CG: o que espera dos jesuítas nestes tempos concretos, o que há a corrigir, que prioridades aponta. Certamente discutir-se-ão prioridades apostólicas a nível de área geográfica, a nível de pessoas a servir, a nível de atitudes e opções de fundo. No mundo da educação, da espiritualidade, da reflexão teológica, da justiça social, no diálogo intercultural e inter-religioso, o que nos pede o mundo atual? O que podemos oferecer? “Necessitamos de ousadia, criatividade e coragem para afrontar a nossa missão como parte da missão de Deus no nosso mundo”, afirma o P. Adolfo Nicolás, Superior Geral cessante.

Assim, durante as próximas semanas vão estar reunidos em Roma jesuítas de todas as partes do mundo proporcionando uma experiência de internacionalização rara. O número de delegados à CG é de 215 jesuítas e é proporcional ao número de jesuítas existentes em cada Província. Portugal, por exemplo, tem cerca de 160 jesuítas e envia o Provincial e mais um delegado. A maioria dos delegados vem do hemisfério sul (59%), refletindo, naturalmente, o crescimento do cristianismo em África e na Ásia, bem como o consequente aumento de vocações religiosas. No mesmo sentido, Ásia e Oceania crescem desde a última CG (2008) de 28% para 33.3%. 72 jesuítas virão desta área, bem como 21 virão de África, que aumentou de 8% para 10% desde 2008. Novidade é o facto de que quase todos os delegados provenientes destas duas zonas são nascidos lá e já não “missionários” europeus aí residentes. Pelo contrário, sem grande novidade é o decréscimo dos participantes europeus que cai de 31%, presentes na CG35 em 2008, para 26% nesta CG.

Esta mescla é uma diferença que já se faz sentir em Roma: de tons de pele, de língua, de mentalidade, todos tentando comunicar uns com os outros num inglês pronunciado de modo tão internacional que todos – talvez todos menos os britânicos – compreendemos bem, até porque inclui sempre umas palavras de espanhol e de italiano à mistura. Desde o jesuíta de batina ao de t-shirt e calções, há de tudo um pouco. Haverá certamente muita discussão e desacordo entre os jesuítas, mas une-nos o desejo de servir o mundo e de encontrar o caminho mais recto para torná-lo mais justo e mais pacífico.

Num mundo em que cada nação, cada cultura e cada povo vive cada vez mais enclausurado em si mesmo, jogando à defesa e levantando toda a espécie de muros, esta reunião é um testemunho de que é possível a comunicação e a harmonia entre tão grandes diferenças. Entre os fundamentalismos (dentro e fora da Igreja) que postulam a uniformidade, mais do que a unidade, e os relativismos que negam qualquer absoluto, defendendo que tudo vale o mesmo, há a busca de um caminho comum em direção à verdade.

Além de professarem os votos religiosos como qualquer membro de qualquer Instituto Religioso, os jesuítas professam um carismático voto de obediência direta ao Papa. Este voto significa um vínculo efetivo à Igreja, pondo-nos inteiramente à disposição do Papa para a missão que ele nos quiser conferir. Não por acaso, os jesuítas têm tentado assumir verdadeiramente um lugar de fronteira, já que os últimos Papas nos têm renovado a missão do diálogo com outras religiões, com o ateísmo e com todos os que vivem nas periferias, geográficas ou existenciais.

Por vezes, este viver na fronteira leva a incompreensões dentro da Igreja, levando alguns a acusar os jesuítas de infidelidade ou laxismo moral ou doutrinal. Quem vive nas fronteiras e dialoga com o diferente, apercebe-se e valoriza o positivo que há no outro, mesmo que pense de modo diferente ou defenda outros credos. Viver no centro é mais “seguro” do que viver na periferia. Mas cada carisma tem a sua missão e a da Companhia de Jesus, desde o início, é a de atender a quem está nas margens ou mesmo para além delas.

Olhando para o Papa Francisco, e recordando que ele próprio é jesuíta tendo participado nas Congregações Gerais 32 e 33, talvez se perceba melhor a sua insistência numa “Igreja em saída”, no convite a irmos às periferias, na preocupação com quem anda fora da Igreja, com o efetivo diálogo com as outras igrejas cristãs e com as outras religiões. E talvez seja mais fácil compreender o desconforto que esta atitude provoca a muitos que estão “demasiado dentro” da Igreja, apenas preocupando-se com o manter da estrutura e do statu quo.

Na CG 32, realizada após o Concílio Vaticano II, a definição da missão da Companhia de Jesus resumia-se como “o serviço da fé, do qual a promoção da justiça constitui uma exigência absoluta”. É com este espírito que tira a fé da sacristia e a tenta por ao serviço de um mundo mais justo, atendendo especialmente aos que mais sofrem – e também com a certeza de que nos enganaremos em muitas das nossas opções – que queremos renovar a nossa disponibilidade para a missão que o Papa nos conferir. É verdade que o voto de obediência de um jesuíta inclui por natureza uma postura crítica. Mas é esta obediência que os Papas esperam dos jesuítas. Mesmo quando a atitude crítica periga pisar o risco. Só assim se avança, só assim se caminha realmente ao encontro do outro.

O Padre Pedro Arrupe, ciente dos erros e pecados dos jesuítas, afirmava: “não pretendemos defender os nossos erros, mas tão-pouco queremos cometer o maior de todos: o de esperar com os braços cruzados e não fazer nada com medo de nos enganarmos”. Os jesuítas não são melhores do que ninguém. Apenas querem aderir de mente e coração ao evangelho de Cristo tentando ajudar a construir o Reino de justiça e paz sonhado por Jesus neste mundo concreto que é o nosso.