A economia portuguesa registou um notável primeiro semestre. A produção está a crescer como há muito não víamos. Não fossem as tragédias a que assistimos neste Verão, de Tancos aos intermináveis incêndios até à queda de uma árvore no Funchal que vitimou 13 pessoas, diríamos que Portugal está bem e recomenda-se. Não é assim. As boas notícias do crescimento e do emprego devem ser saudadas com os dois pés na terra. Há demasiadas mudanças por fazer, alterações que garantem que este é um crescimento que nos conduz à prosperidade em vez de entrarmos, de novo, numa rota de crise financeira.

Saímos da crise no quarto trimestre de 2013, simplificadamente falando. Foram nesses três meses que pela primeira vez o PIB cresceu comparativamente a igual período do ano anterior após 11 trimestres consecutivos a cair, 33 meses que vivemos o inferno. O Verão de 2012 deve ser recordado para não repetirmos os mesmos erros. Há cinco anos a Zona Euro estava à beira do precipício e nós a vivermos a pior fase da nossa crise. No Inverno desse ano a economia caiu 4,5%.

É preciso não esquecer o que nos levou a uma histórica recessão. Podemos responsabilizar a terapia – que a política aplicada pela troika foi mal desenhada, que a dose de austeridade ia matando o doente da cura. Podemos culpar a cura, mas sem nunca esquecer que estivemos muito doentes e tivemos de nos entregar nas mãos de quem conseguia evitar que ficássemos ainda mais doentes.

Basta imaginar o que seria reduzir o défice público que tínhamos em 2011 para zero, basicamente de um dia para o outro, por falta de financiamento. Não haveria dinheiro para pagar a ninguém. Começava-se por não pagar aos funcionários públicos e pensionistas e a seguir toda a economia seria arrastada. Impossível? Improvável mas não impossível. Mas sempre que tivermos um colapso financeiro ficaremos nas mãos das terapias dos credores, disso podemos ter absoluta certeza.

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Agora que estamos praticamente livres dos financiadores institucionais, agora que conseguimos crédito a taxas de juro recorde, é que temos de ter as políticas públicas certas e as actuações individuais prudentes que evitam os pesadelos dos anos da nossa Grande Recessão. Políticas públicas certas são, por exemplo, incentivar a poupança, impedir ou pelo menos moderar o endividamento privado, aproveitar a oportunidade para melhorar a organização do Estado que, como temos visto pelas tragédias recentes, é tudo menos eficaz.

Festejar o crescimento da economia a pensar nos efeitos das fracções, do tipo, “que bom, porque se o denominador aumenta mais do que o numerador o rácio diminui”, é a pior forma de pensar a prosperidade. Foi isso que, de alguma forma, fez o ministro das Finanças Mário Centeno quando afirmou esta segunda-feira, 14 de Agosto, que “precisamos de manter um crescimento do PIB que permita financiar o pagamento dos juros”. Temos de querer mais do que ter mais rendimento para pagar juros. Temos de querer ter mais rendimento para reduzir também a dívida, para financiar projectos que nos façam ter ainda mais rendimento.

Sim, o crescimento da economia portuguesa no segundo trimestre deste ano (2,8% em termos homólogos e igual ao registado no primeiro trimestre) cria condições para, com a taxa de inflação, registarmos este ano uma quebra na dívida em percentagem do PIB. O rendimento nominal gerado este ano (crescimento real mais inflação) pode ser até superior aos juros da dívida. Mas isso acontece este ano. Que garantias temos que se repetirá nos anos seguintes?

Sem querer estragar a festa mas alertando para os perigos que corremos, a primeira prova de que esta recuperação da economia é duradoura será feira nesta segunda metade do ano, quando estivermos a comparar com a parte de 2016 que já registava um elevado crescimento. Neste momento ainda estamos a confrontar a evolução do PIB com o desempenho frágil da primeira metade do ano passado, quando parecia que nos íamos de novo afundar.

Desde o fim da crise esta é a terceira vez que a economia portuguesa arranca e depois fraqueja. Têm sido quatro anos de solavancos, em grande medida ditados pela evolução da economia europeia. Sem dúvida que desta vez a recuperação é bastante mais visível, nomeadamente pela criação de emprego e pelo aumento do investimento. Mas neste momento o que está a alimentar o crescimento é procura interna, mau sinal para um país endividado.

A fábula é de La Fontaine, “A Cigarra e a Formiga” ( com o agradecimento ao blogue “Contadores de Estórias” pela possibilidade de fazer o link). A cigarra cantou no Verão enquanto a formiga amealhou para o Inverno. Quando o sol se foi, a cigarra quis comer e nada tinha, foi pedir à formiga que lhe disse para fazer o mesmo que tinha feito no Verão, que dançasse.

Uns gostam da formiga, outros ficam com pena da cigarra, a “malvada”, como diz o poeta brasileiro Mário Pederneiras. Na sua história de A Cigarra e a Formiga ( agradeço aqui ao blogue de Oscar Brisolara ter partilhado o poema). “Por isso, é que eu não gosto da formiga” assim termina Pederneiras o seu poema que João Villaret declamou e gravou.

A nossa política económica está um pouco transformada nesta fábula da cigarra e da formiga. Se formos cigarras já sabemos o que nos espera. É por isso, que alguns preferem de ser formigas.