1. Não é por acaso que as legislaturas têm quatro anos e os governos e assembleias devem durar esse período. Dois anos seria pouco. Não é possível fazer avaliações políticas minimamente sólidas apenas com dois anos de governação e de atividade legislativa. Por outro lado, seis anos seria tempo demais para se fazer essa avaliação pelo eleitorado sobretudo tendo em conta que há e haverá sempre boas e más governações, boas e más políticas. Chegados à metade desta legislatura, não há dúvida que as modestas expectativas em relação à viabilidade, durabilidade e desempenho desta solução governativa, foram superadas. Poucos, à esquerda e à direita, lhe vaticinavam alguma durabilidade ou algum sucesso. Interessa por isso tentar compreender como chegámos aqui e o que se pode esperar da segunda metade desta legislatura. Penso que a estabilidade política alcançada está alicerçada em fatores de natureza política, técnica e pessoal. Do ponto de vista político e programático é salutar que sejam claros, entre os partidos que constituem a “geringonça”, os pontos de convergência (e.g. política económica assente no estímulo à procura interna e externa, reforço do combate à pobreza e desigualdades, reforço dos direitos sociais e de medidas de combate a várias discriminações, redução da dívida pública sem privatizações, etc.) e de divergência (e.g. aspetos do mercado laboral, necessidade de reforma do sistema político, necessidade de prosseguir a consolidação orçamental, projeto europeu). Nesta diversidade programática tem havido a sabedoria de dar primazia às convergências, em detrimento das divergências. Outro aspeto inovador da atual solução, é no campo técnico. Pela primeira vez, um partido (o PS) apresentou-se às eleições com um estudo macroeconómico e orçamental, muito escrutinado publicamente, e atores para o implementar. A realização desse estudo teve o mérito de criar os fundamentos para um debate político pós-eleitoral do PS com os partidos que mais tarde vieram a fazer acordos de governação. Hoje, à esquerda, vai sendo adquirido que não se podem discutir opções políticas sem as quantificar e perceber o seu impacto orçamental. Vai ganhando terreno a ideia que as escolhas são sempre com restrições, o que significa a necessidade de definir prioridades. Paradoxalmente, e apesar de não serem muito do agrado de BE, PCP e Verdes, há duas instituições (o Conselho de Finanças Públicas (CFP) e a UTAO) que pelas suas análises, têm clarificado o espaço de negociação e compromisso político. Finalmente há a dimensão pessoal, pois a política, a capacidade (ou não) de gerar compromissos, faz-se com pessoas concretas. Assim, na liderança partidária Costa, Jerónimo e Catarina foram, e são, atores indispensáveis assim como Pedro Nuno, como pivot entre governo e a assembleia, e Carlos César, Pedro Filipe e João Oliveira nas lideranças parlamentares. Muito dificilmente a “geringonça” se repetirá em 2019, mas é bom que cumpra, e bem, esta legislatura.

2. A prova do pudim, está em comê-lo. A prova de que esta solução governativa pode funcionar está em levá-la até ao fim, 2019. Penso que todos os partidos que a apoiam já o perceberam. Qualquer partido que diretamente, ou por interposta instituição (por exemplo sindicato) criasse uma situação insustentável para a viabilidade governativa, pagaria um preço eleitoral forte por isso. Essa penalização dependeria não da realidade dos factos, mas da perceção que o cidadão mediano teria sobre a responsabilidade dessa eventual crise política. Se o incentivo para a estabilidade política existe, não devem ser subestimados os desafios que se colocarão à governação nesta segunda metade da legislatura. Reduzir o défice orçamental de 3,1 para 2% do PIB é mais fácil do que reduzir de 2 para 1,4% (2017), deste valor para 1% (2018), e sobretudo para 0,3% (2019). Particularmente, fazer estas reduções num período em que se processará o descongelamento gradual das carreiras na função pública vai ser exigente e diremos mesmo impraticável para 2019. A primeira dificuldade está precisamente neste processo. Corrigir uma situação extraordinária injusta de oito anos em dois é muito complicado e vai exigir muita paciência e resiliência. À medida que o défice diminui, o contributo relativo do setor empresarial público para a dívida pública aumenta. Em 2018 estima-se que as necessidades de financiamento destas empresas (e.g. metros de Lisboa e Porto, Hospitais EPE, Infraestruturas de Portugal, EDIA etc.) seja quase idêntica às necessidades derivadas do défice orçamental das restantes administrações públicas. O segundo grande desafio é que cerca de metade do aumento da dívida pública em 2018 resultará das empresas públicas e é necessário conter o seu crescimento. Isto exige um acompanhamento e controlo apertado por parte das finanças (UTAP), do CFP e da UTAO do que se passa no setor empresarial e que o parlamento não torpedeie, com medidas legislativas, os esforços governamentais. Infelizmente não vejo ainda o CFP a dar a devida atenção a este tópico, nem estou certo que a maioria de esquerda esteja atenta ao impacto do setor empresarial na dívida pública. O terceiro desafio é o controlo da despesa com pensões que comanda a despesa com prestações sociais. Os aumentos extraordinários intercalares devem mesmo ser extraordinários e não se deverão repetir em 2019. Finalmente, crítico será o desenvolvimento das finanças regionais e locais, cujo saldo será tão mais determinante para o desempenho orçamental nacional quanto menor o défice do Estado. Aqui, infelizmente, a cultura das últimas décadas ainda não mudou. Frequentemente, cada novo programa nacional (e.g. orçamento participativo) tem uma dimensão regional que é financiada exclusivamente pelos impostos gerados no continente em vez de ser cofinanciada com as administrações regionais.

Não serão fáceis os tempos nesta segunda metade da legislatura. Dois anos, em política, são uma eternidade. É preciso focar a atenção em várias frentes, contar com a sabedoria dos líderes partidários, a compreensão e a resiliência dos parceiros sociais e a continuação de um apoio firme do primeiro ministro ao seu ministro das finanças.

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