O tópico da descida da carga fiscal ganhou relevância nesta semana com a apresentação do programa do governo. As propostas de baixa de impostos que constam no programa são transversais (IRS, IRC, taxa normal e tributações autónomas, IMT para jovens, etc.). Quem não gosta de uma boa descida de impostos, se tudo o resto puder permanecer constante? A descida do IRS ganhou saliência no debate público e político pois toca no bolso de muitas pessoas, todas as que pagam imposto. A pressa com que o tema ocupou o discurso do primeiro-ministro só pode ter uma explicação: mostrar serviço antes das eleições europeias para capitalizar votos. É simples, baixa-se as taxas de IRS, afirma-se que as novas tabelas se aplicarão para todo o ano de 2024, o que permite de imediato uma redução generosa da retenção na fonte (logo um aumento no salário líquido dos contribuintes), por duas vias: a redução das taxas de IRS e o facto das retenções na fonte de Janeiro a Maio terem sido maiores do que deveria à luz da nova lei.

Porém, a pressa é má conselheira e este debate sofreu de dois problemas: um processual, outro substantivo. Primeiro, Luís Montenegro deu a entender que iria legislar por decreto-lei. Rapidamente, alguém lhe terá dito que não podia. O governo não tem competência para alterar taxas de impostos, só a assembleia da república (AR), excluindo o caso particular e limitado das assembleias legislativas regionais. Assim, Montenegro diz que vai apresentar já para a semana uma proposta de lei na AR nesse sentido, dando a entender que isso aliviaria os contribuintes em 1500 milhões de euros. O Expresso na sofreguidão de dar as boas (ou más) notícias ao país faz manchete de primeira página com este grande impacto da baixa do IRS. Acontece que, na realidade, esse alívio vem sobretudo do Orçamento 2024, já aprovado, de Medina e Costa, e aquilo que se atribui à descida de IRS a ser proposta por este governo não ultrapassará os 13% daquele impacto. João Vieira Pereira, Diretor do Expresso, assume publicamente o erro de ter publicado notícia falsa pois não contava que o primeiro-ministro tivesse “ludibriado os portugueses”. Fez bem, mas não foi o suficiente. Era bom que doravante os media, escrutinassem melhor o poder político e não replicassem a propaganda de qualquer político, seja do governo ou da oposição. Afinal a dita e inédita proposta de lei sobre o IRS nem deu ainda entrada na AR. Quando e se for apresentada, parece-me que há quatro fortes razões para ser chumbada: não tem quase impacto orçamental, tem meramente um intuito eleitoralista para PSD e CDS, iria criar problemas de implementação à autoridade tributária e baseia-se numa tentativa de enganar os portugueses apresentando-se como aquilo que não é.

Passando do IRS para o famoso excedente orçamental que, no dizer de alguns dá muita margem de manobra ao governo nas negociações que agora inicia, trago aqui uma novidade. A lei determina que o excedente orçamental do sistema previdencial da segurança social (SPSS que está incorporado no OE) reverte para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS). Ora se o excedente previsto para 2024 – que de acordo com o conselho de finanças públicas, e assumindo políticas invariantes, será já de si muito menor que o de 2023 – resultar apenas do SPSS, então pode concluir-se que a margem orçamental, para novas medidas, se torna nula se se quiser ter equilíbrio orçamental.

Em resumo, se o governo quiser manter aquilo que prometeu em campanha eleitoral e que inscreveu agora no programa do governo trata-se de uma missão impossível. Como manter um excedente orçamental “utilizável” (que não reverta para o FEFSS) com uma redução de impostos, ao mesmo tempo que se realiza um aumento remuneratório (seja salarial, seja em subsídio de risco ou outra forma) em todas as profissões cujos sindicatos já pressionavam António Costa e agora pressionam Luis Montenegro (professores, médicos, enfermeiros, polícias, agentes da GNR, etc.)?

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Em princípio poderíamos ter a resposta a esta pergunta para a semana com a apresentação do programa de estabilidade pelo governo com as previsões macroeconómicas e orçamentais para os próximos quatro anos. Porém, o governo acordou com a comissão europeia que entregará esse programa num cenário de políticas invariantes, ou seja, sem incorporar nenhuma das medidas que constam do seu programa de governo. Ou seja, muito provavelmente o governo copiará as projeções macroeconómicas do Conselho de Finanças Públicas. Nada saberemos portanto.

Paradoxalmente, o PS só tem a ganhar em viabilizar o OE2025, para além de o dever fazer por razões de mínima estabilidade política . Obrigará PSD/CDS a confrontarem-se com as suas promessas eleitorais e a realizar as difíceis negociações que se avizinham. Nada mais útil para PSD/CDS (e para o Chega, claro) que uma crise política antecipada. O governo, por seu lado, deveria minimizar as propostas com impacto orçamental, e concentrar-se noutras que melhoram a vida dos portugueses, sendo que algumas delas constam do seu programa.

Há muito boa gente que acredita em milagres. Achar que existem na governação do país, e em particular em matéria orçamental, só pode levar ao desastre.