O Bloco de Esquerda (BE) vai apresentar na AR um projecto de lei para “regular a morte medicamente assistida”, vulgarmente designada por eutanásia.

Ao que se percebe, esta iniciativa legislativa surge a reboque de uma petição pública, assinada por mais de oito mil pessoas, que solicita a “despenalização da eutanásia” em Portugal e cuja discussão e votação está já agendada para o dia 1 de Fevereiro.

Trata-se, obviamente, de um tema muito sensível que, de acordo com a deputada Isabel Galriça Neto, não foi antecedido de uma “discussão alargada”, necessária a uma votação “rigorosa”.

José Manuel Pureza, deputado do BE responsável pelo projecto, referiu ao jornal Expresso que “a eutanásia é escolher a vida que temos quando estamos a morrer” e que devem ser dadas alternativas aos cidadão “perante um horizonte de sofrimento indizível e degradante aos seus próprios olhos”.

Mais refere que poderão recorrer à morte medicamente assistida “pessoas maiores de 18 anos portadoras de uma lesão definitiva e incurável, ou doença fatal, e que estejam numa situação de sofrimento atroz”, estarão envolvidos no processo pelo menos dois médicos, com possibilidade de intervir ainda um psiquiatra e preveem-se duas modalidades de morte medicamente assistida: suicídio medicamente assistido (o doente autoadministra o fármaco) e eutanásia (o fármaco é administrado por outrem).

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Conclui o responsável do BE que está confiante na viabilidade do projecto uma vez que a Constituição da República Portuguesa (CRP) não impede intervenção legislativa nesta matéria e “o Estado de Direito não tutela a liberdade das pessoas contra si próprias“.

Ora, aderindo totalmente à pertinência do tema, principalmente num contexto em que a esperança de vida aumenta, muitas vezes no âmbito de quadros clínicos graves e de grande sofrimento, já me parece mais difícil de aceitar o entendimento de que a CRP não impede a introdução de legislação sobre o tema. Impede e de forma muita clara, já que esta matéria contende com um dos princípios nucleares da nossa Lei Fundamental.

Senão vejamos, o artigo 24.º da CRP, sob a epígrafe “direito à vida”, estabelece que a vida humana é inviolável. Trata-se de um normativo claro e imperativo no sentido de que não é constitucionalmente aceite qualquer acto voluntário que coloque em causa a vida humana. É uma formulação “curta e grossa”, sem excepções ou condições. Um elemento estruturante de uma concepção de sociedade que é a nossa e não permite, interpretações, juízos ou leituras alternativas sob pena de se fragilizar insuportavelmente.

Posto isto, qualquer iniciativa legislativa a propósito esbarra, necessariamente, no texto da CRP. E contra isto não servirá o argumento de que o Estado de Direito não regula as liberdades contra os cidadãos pois que, como sabemos, a defesa da vida humana ultrapassa, em muito, o plano das liberdades individuais.

Em suma, para discutir a eutanásia será necessário, antes de mais, discutir a CRP e promover a respectiva revisão o que não é compatível com uma iniciativa legislativa avulsa e sempre implicará um debate mais amplo e fundamentado.

Sócio da JPAB – José Pedro Aguiar Branco Advogados