É o descongelamento das carreiras dos professores sustentável? A pergunta, lida do ponto de vista orçamental, arrasta um custo anual de 600 milhões de euros e tem navegado aos ziguezagues no debate político. E os números não enganam: esses 600 milhões de euros superam a soma de aumentos que a geringonça aplicou no sector nos seus três orçamentos de Estado (2016, 2017 e 2018). Ou seja, descongelar as carreiras custa mais dinheiro do que três anos de reforço orçamental na educação – a sua insustentabilidade orçamental é, portanto, evidente. Mas, como se sabe, os números importam pouco na definição das prioridades orçamentais. Quando há necessidade política, dá-se um jeito. E, neste caso, deu-se: o descongelamento gradual está prometido, a conta pagar-se-á depois.

É politicamente relevante que o governo esteja a ser vítima da ilusão que criou – a de que a austeridade teria acabado e que era possível devolver tudo a todos. É igualmente relevante que, a cada percalço, o governo siga a receita do período negro 2008-2011 e compre a paz a crédito, empurrando no calendário o pagamento das suas promessas – fê-lo agora com os professores, já o havia feito noutras áreas, como explica Pedro Santos Guerreiro. Mas o ponto central é outro: o braço-de-ferro sindicatos/governo trouxe à superfície muitas mais insustentabilidades, para as quais não há soluções a crédito.

A primeira consequência do acordo estabelecido entre sindicatos e governo foi o sacrifício das políticas educativas. Ao anuir que uma verba tão significativa seja alocada à Educação no curto prazo, o governo aceitou fazer do sistema educativo refém do descongelamento de carreiras dos professores – se o dinheiro vai para os salários dos professores, não irá para os alunos (leia-se, para o investimento nos edifícios escolares ou noutros programas educativos que servem os jovens). Não haja ilusões, que isto não é pessimismo ou ideologia, é aritmética. Pedro Adão e Silva, insuspeito de ser um neoliberal, assume-o: «uma vez mais, teremos um governo cuja política educativa fica capturada pela discussão das carreiras, o que diminui a disponibilidade política e a folga orçamental para concretizar opções prioritárias».

A segunda consequência do acordo anunciado é o arraso na avaliação de professores. O mérito não pode estar refém da antiguidade e, neste momento, é isso que sucede na educação, onde a progressão dos professores é quase-automática. Sabendo-se que o desempenho dos professores tem um impacto muito significativo nas aprendizagens dos alunos, quão sustentável pode ser um sistema de avaliação que não gera incentivos, que recompensa de igual forma os melhores e os piores, e que se alimenta de batalhas sindicais? Não pode. E esta vitória negocial dos sindicatos representa um passo na manutenção desse status quo.

A terceira consequência está no dano provocado pela mensagem política associada ao acordo: a de que os interesses e calendários corporativos (também representados parlamentarmente por PCP e BE) se sobrepõem aos do sistema educativo – isto é, aos dos alunos. Essa hierarquização de prioridades estende-se às várias reformas políticas na educação: tudo acontece ao ritmo das conveniências políticas, e não de acordo com as necessidades do sistema. Recorde-se que ainda não tinha Tiago Brandão Rodrigues almoçado no seu primeiro dia de ministério e já a geringonça no parlamento havia eliminado o exame do 4.º ano – inviabilizando a avaliação externa nesse ano lectivo, que ficou sem um modelo definido. Agora, no terceiro orçamento da legislatura, PCP e BE impõem um descongelamento de carreiras que, pela sua precipitação, prejudicará o desenvolvimento de programas educativos. As políticas clientelares são por definição assim: os fins justificam os meios.

Eis, portanto, o que importa reter. Sim, o descongelamento de carreiras pode ser justo para os professores. E sim, pode até vir a ser concretizável no plano financeiro. Mas isso virá com um preço bastante elevado: vai adiar reformas, vai sacrificar o desenvolvimento de programas educativos, vai fazer do sistema refém. Vai colocar, como é sina do debate público na educação, os professores acima dos alunos. E isso é que é verdadeiramente insustentável.

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