A entrada da Santa Casa da Misericórdia no capital do Montepio serve para “salvar”, no curto prazo, os “pobres” com o dinheiro dos “pobres” por causa dos erros cometidos por alguns “ricos” que andaram a gerir a Associação Mutualista e a Caixa Económica. É pouco importante saber de quem foi a ideia. É mais importante perceber exactamente qual é o problema que temos nas mãos, para que se possa, a partir do diagnóstico, resolver efectivamente o problema, que não é apenas de dinheiro. É preciso coragem para fazer outras mudanças.

O problema está na enorme e perigosa interdependência entre a Associação Mutualista e a Caixa Económica Montepio Geral. Se uma cair a outra também cairá.

Vejamos alguns exemplos. A mútua tem cerca de metade dos seus activos representados pela participação no banco, o que significa que, se alguma coisa acontecer à instituição financeira, Associação Mutualista será arrastada para o colapso com todos os seus efeitos sociais. Em segundo lugar, a mútua usa os balcões do banco para vender produtos seus – leia-se, arrecadar poupanças. Alguns desses produtos, não sendo seguros, são vistos pelos clientes como tal. E não são seguros porque não respeitam as regras que as seguradoras têm de cumprir. Significa isto que se a mútua não conseguir satisfazer os seus compromissos poucos serão aqueles que perceberão que a responsabilidade não é da Caixa Económica. Veja-se o caso do papel comercial de empresas da família Espírito Santo vendido ao balcão do BES e que boa parte das pessoas confundiu com o banco.

Face a este retrato, são várias as actuações necessárias, que não passam apenas por injectar mais dinheiro com novos accionistas.

A primeira, sem que se possa dizer que é a prioritária, passa por reduzir a exposição da mútua à Caixa Económica, o que passa pela entrada de novos accionistas. A Associação Mutualista não pode continuar a ter praticamente todo o seu dinheiro metido na Caixa Económica. Um problema no banco arrastará para o colapso a mútua e, com ela, as pequenas poupanças de milhares de pessoas para não falar dos serviços que presta. A solução que vier a ser encontrada para a Caixa Económica vai salvar em primeira instância a Associação Mutualista. E é por isso que a opção pela Santa Casa corresponde a salvar pobres com dinheiro dos pobres, ainda que por causa das aventuras em que se meteram “os ricos” que andaram a gerir o grupo Montepio.

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A segunda actuação tem de incidir nos produtos que a Associação Mutualista anda a vender. Tem de se actuar no sentido de que seja explícito, para quem os subscreve, que não são tão seguros como um seguro ou exigir que a mútua passe esses produtos para as seguradoras do grupo, cumprindo as regras de provisões em vigor. A mútua é supervisionada pela Segurança Social, o que significa que estas medidas exigem que o Ministério tutelado por Viera da Silva tome a iniciativa de disciplinar, fiscalizar e eventualmente regulamentar no sentido de acabar com os riscos que, quer a mútua, quer o banco, enfrentam.

Finalmente, se se quer de facto resolver o problema é preciso substituir todos os que estiveram a gerir o grupo Montepio nos últimos anos. Todos mesmo, incluindo o Padre Vítor Milícias. Por acção ou omissão foram eles que expuseram a Mútua a um risco que a pode arruinar. É difícil? Sem dúvida. Mas sem essa rutura com o passado não existem garantias de uma mudança efectiva. Não, não é um julgamento público, esses fá-lo-ão os tribunais se houver matéria. É uma regra de bom senso.

Foram eles que envolveram a Associação Mutualista na Caixa Económica da forma como o fizeram – expandindo até a sua actividade com a compra de bancos, como o Finibanco, já em plena crise financeira. Os responsáveis do grupo Montepio podem até ter todas as justificações para terem decidido o que decidiram. Entre elas, o facto de o sector financeiro ter sido, durante anos, uma mina de ouro onde todos queriam ir escavar. Mas corrigir os erros do passado exige uma equipa completamente nova, sem medo de pôr em causa o que fizeram os seus antecessores.

Já lá vamos ao dinheiro, mas antes disso vale a pena sublinhar que as condições atrás referidas deveriam ser colocadas por qualquer novo accionista da Caixa Económica – proteger o banco dos riscos da Mútua e garantir que esta funciona com a supervisão adequada e que consegue satisfazer as responsabilidades que assume, através dos produtos que vende nos balcões do seu banco.

A entrada da Santa Casa da Misericórdia no capital da Caixa Económica Montepio Geral não é, só por si, irracional. Mas é irracional a Santa Casa valorizar a Caixa Económica por dois mil milhões de euros – valor implícito nos 200 milhões de euros anunciados por uma participação de 10%. Não vale esse valor, ou o BPI está muito desvalorizado. Assim como é irracional e perigoso que a Santa Casa entre na Caixa Económica sem exigir mudanças na forma como ela e o seu accionista são geridos.

O que é preocupante, neste caso do envolvimento da Santa Casa, é a forma como parece que se quer fazer isso. O que parece é que não se quer resolver problema nenhum. O que parece é que se quer atirar dinheiro para adiar a resolução de problemas e, com isso, arriscar criar também um problema na Santa Casa.

Se vamos usar o dinheiro dos “pobres” para resolver um problema que poderia cair em cima dos “pobres”, pelo menos que se resolva de facto o problema e não se atire dinheiro à rua, simplesmente porque falta coragem para mudar o que é preciso ser mudado. A entrada da Santa Casa, como de qualquer outro accionista, no capital da Caixa Económica Montepio Geral é apenas uma via de adiar um problema à espera de acontecer. Não chega e todos os responsáveis sabem bem isso.