Foi uma quinta-feira que começou soalheira no Porto. Passavam poucos minutos das 17 horas quando o Parque da Cidade abriu as portas para a 3ª edição do NOS Primavera Sound, o festival satélite do famoso evento espanhol. Um cenário bem organizado, com uma distribuição espacial idêntica aos anos interiores, mas apenas com dois palcos abertos – hoje e no sábado vão ser quatro. Aliás, foi o único dia em que foi possível assistir, na íntegra, a todos os espetáculos, que se alternaram lado a lado nos palcos principais (NOS e Super Bock).

Recinto arejado (e ventoso), cheiro a mar e relva, uma combinação fantástica que nos recebe sempre em tons de verde, nos diferentes espaços distribuídos pelos recantos do parque. Zonas de descanso, arranjos de flores, e um espaço para cuidar das crianças (o “Mini Primavera”). Este é um festival onde se bebe vinho a copo, onde se come em tasquinhas de comida “caseira” e se vendem os pasteis de nata que os estrangeiros adoram. E são muitos e de muitas nacionalidades.

Sentados na relva, abordámos uma finlandesa e um escocês. Vieram pela música e pela garantia de qualidade do Primavera Sound. “Conhecemos o ATP (All Tomorrow’s Parties) e a Pitchfork” – os nomes de dois dos palcos. Estão pela primeira vez no Porto, e não tiveram problemas em arranjar um apartamento. Ali perto, falámos também com dois londrinos que tiraram uma semana de férias em Portugal, vindos diretamente do festival em Barcelona, e que nos dizem estar a gostar mais do Porto: “O espaço é mais acolhedor, e tem relva!”. Vieram para aproveitar os concertos, ao contrário dos muitos miúdos que gatinham pela relva.

Mas vamos à música.

Às 18h00 Os da Cidade abriram o festival. Seguiu-se o brasileiro Rodrigo Amarante, música em câmara lenta, introspetiva e triste, quase um sussurro, que não aqueceu mas encantou (e fez alguns chorar).

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Spoon (19h45)

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Subiram ao palco num final de tarde mais nublado mas ainda com luz. Os texanos Spoon arrancaram com o tema “Don’t You Evah”, mas o ambiente que os recebeu estava morno. Lá tentaram aquecer com “I Turn My Camera On”, mas sem sucesso. A banda de Britt Daniel foi muito competente e dinâmica em palco, e a dada altura foram seis as mãos agarradas às teclas para manter o ritmo em “The Ghost Of You Lingers”. Aliás, o teclista Eric Harvey foi o elemento mais descontraído, de cerveja na mão e pandeireta na cabeça. Foram alternado músicas mais e menos conhecidas, mas o público não respondeu. Pediram palmas para acompanhar, mas ninguém se mexeu. Ainda assim, Britt diz “thank you, flower people”, e o público, quando muito, abanava a cabeça e batia o pé. É um daqueles casos difíceis de explicar, tão boa que é a música e tão fraca a reação. Ou então, esta não é nada mais do que aquilo que a música sugere, e não vale a pena complicar.

Sky Ferreira (20h40)

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A lusodescente entra em palco vestida com roupa preta e de óculos escuros, e diz que não começa a cantar sem ter “munição de palco” (o som das colunas que estão no chão e que servem para os artistas se ouvirem). “I need my vocals”, dizia, e só começou a cantar quando se começou a ouvir. A “cantar”, enfim, é força de expressão. Foi uma artista muito desafinada, pouco competente para acompanhar os músicos que partilharam com ela o palco. De resto, a postura esperada de menina rebelde, que ora se senta no palco e olha diretamente os fãs, ora se vira de costas para eles. Negra e depressiva no trajar e nos modos, a dada altura canta (?!) “Blame Myself”. “I have a bad reputation”, diz, e nós sabemos que ela tem feito por isso. Os muitos admiradores apertados na linha da frente sabem as letras de cor, e sente-se ali uma ligação geracional. “Everything is Embarrassing” fica para o fim, mas nem assim afinou.

Caetano Veloso (21h45)

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A noite foi do poeta, onde quer que vá é cabeça de cartaz, não tem discussão.

No palco a média luz, quatro quadros, um para cada instrumento. Um voz off começa por anunciar a ficha técnica do evento, assim mesmo, todos os nomes, dos elementos da banda aos produtores e técnicos, como aquelas listas imensas de créditos que passam quando acabam os filmes. Afinal, tudo aquilo a que iríamos assistir não foi apenas obra de um. Caetano Veloso entra e vem à frente do palco agradecer o carinho (uma ovação) com que é recebido pelo público. E para começar pede-nos para que cantemos todos bem alto “A Bossa Nova é Foda”, e segue com “Abraçaço”, e todo o mundo canta, e a coreografia de braços ajudou. Depois pergunta “quem faz anos hoje?”, para dedicar o tema “Parabéns”.

Caetano Veloso esteve (como sempre) simpático e conversador. Ele é uma super estrela que não se deixou ficar no pedestal, congelado num estilo ou num modo, ele continua a reinventar-se, nem que seja preciso ir contra aquilo que se espera dele, sempre polémico e inovador – o seu trabalho com a Banda Cê é exemplo disso. Com quase 72 anos mantém uma voz magnífica, e o à vontade suficiente para se deitar no palco só porque sim, ou talvez apenas porque faz parte da coreografia.

Em “Funk Melódico”, diz-nos que “o ciúme é só o estrume do amor”, poesia de outro nível mas não menos verdadeira. Toca ainda o clássico “O Leãozinho”, e fecha com “A Luz de Tieta”. Grandes músicos e uma excelente equipa deram-lhe o suporte que ele merecia. Caetano Veloso é um Senhor.

Haim (23h40)

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As manas Haim (Este, Danielle e Alana) estrearam-se em Portugal protegidas por um jogo de luzes inteligente que as fez aparecer no palco como que vindas do nada. Logo desde o início (com o tema “Falling”) marcam o ritmo de toda a atuação, com uma bateria forte e uma percussão sedutora, guitarras firmes e a cumplicidade que se espera existir entre irmãs. Vozes bem afinadas, apresentaram atitude e simpatia: “I want to see you moving your fucking asses”, e todos dançam. “Don’t Save Me” e “Forever” completam o ramalhete pop/rock da noite. Foi bom, miúdas, venham mais vezes.

Kendrick Lamar (00h40)

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Kendrick Lamar é, aos 26 anos de idade, um dos nomes grandes do hip hop mundial. A expectativa era alta, quanto mais não fosse pelos comentários que nos chegaram de todo o lado acerca do espetáculo em Barcelona a semana passada. Sem “fogo de artifício” e com músicos de carne e osso (guitarra, teclas e bateria, em vez de um computador ou de uma caixa de ritmos), cantou sem parar e sem perder a força na voz e na atitude. O público (apinhado) responde ao “hail, hail, hail, hail”, braços que sobem e descem e as letras na ponta da língua naqueles que sabem e são capazes de falar àquela velocidade. E foram muitos.

Ainda que a sua música funcione melhor em disco que em palco (a produção refinada perde-se ao vivo), Kendrick Lamar veio reforçar aquilo que muitos ainda teimam em não aceitar: que o Hip Hop é o género musical mais influente da atualidade, porque é o que vende mais e porque é o que tem mais seguidores, em particular nas camadas mais jovens. Esta pode ainda não ser a realidade portuguesa, mas a avaliar pela demonstração do público presente, será apenas uma questão de tempo.

 

A noite terminou com a dança psicadélica dos australianos Jagwar Ma, e já com cheiro a terra molhada. E prepare-se que hoje vamos ter um dia de chuva, vento forte e trovoada.

Ao longo desta quinta-feira estivemos no Twitter com a etiqueta #ObsFEST. Hoje e amanhã vamos ter dois dias cheios, já com os quatro palcos a funcionar (21 atuações), o nosso pássaro azul vai passar por todos, mas concentrar-se apenas em alguns momentos. Vamos ter de correr muito pelo Parque da Cidade do Porto, esta Primavera.