O Governo anunciou, esta segunda-feira, que vai promover uma avaliação sobre a autenticidade das peças existentes na Fundação Dionísio Pinheiro, em Águeda, parcialmente expostas como gravuras de Rembrandt. Uma nota enviada à Lusa pela Secretaria de Estado da Cultura informa que “o secretário de Estado da Cultura solicitou à Direção-Geral do Património Cultural que promovesse uma avaliação sobre a autenticidade das obras em causa”.

A Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro, com sede em Águeda e cuja “tutela” cabe ao Conselho de Ministros, de acordo com um dos seus administradores, mantém 14 obras em exposição temporária como sendo gravuras de Rembrandt, apesar de a sua autenticidade ter sido posta em causa por alguns historiadores.

Luís Arruda, administrador da Fundação Dionísio Pinheiro, disse hoje dar “atenção” a essas opiniões, mas gostaria que os mesmos primeiro tivessem analisado as gravuras. “Algumas gravuras possuem o carimbo identificado e reconhecido da Biblioteca Nacional de Paris, que atesta terem-lhe pertencido e não é por existirem em Paris gravuras idênticas que as de Águeda não são autênticas. Uma gravura é isso mesmo. Da matriz original do autor podem existir vários exemplares. A questão é se estas são ou não feitas a partir dessa matriz”, disse.

Maria José Goulão Machado, historiadora de arte e Professora Auxiliar da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto contou, em mensagem enviada ao Observador, que a coleção não foi descoberta agora, tendo estado “identificada, inventariada e classificada” desde a altura em que trabalhou como conservadora daquela Fundação – Maria Jousé Goulão foi a primeira conservadora da Fundação Dionísio Pinheiro, em 1985. A historiadora diz ainda que a coleção não é composta por gravuras feitas pela mão de Rembrandt, mas sim por “reproduções do lote original de águas-fortes de Rembrandt feitas em Franca no séc.XIX”.

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“São tão convincentes que são frequentemente postas à venda por leiloeiros como tiragens das matrizes originais de Rembrandt, mas de facto são tudo menos águas-fortes atribuíveis ao pintor”, alerta a historiadora. O Observador tentou contactar a historiadora, mas sem sucesso.

De acordo com um artigo publicado no Público em 2007 por Madalena Cardoso da Costa, que também foi conservadora da Fundação, onde conclui igualmente trata-se de meras reproduções, referindo um parecer emitido a partir da Biblioteca Nacional de Paris, em troca de correspondência.

Para o administrador da Fundação, o trabalho publicado em 2007 na revista “Munda”, do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro, por Madalena Cardoso da Costa, em que esta manifesta a convicção de se tratar de meras reproduções, “é pouco esclarecedor” e explica porquê.

A conclusão de Madalena Cardoso da Costa apoia-se na correspondência que trocou com Gisèle Lambert, diretora do Departamento de gravuras e fotografias da Biblioteca Nacional de Paris, mas “Gisèle Lambert nunca viu as gravuras de Águeda”.

Além do “carimbo de Paris”, o percurso é relativamente conhecido. Pertenceram ao Conde do Ameal, descrito como “um criterioso colecionador”, que “reuniu no seu palácio, à rua da Sofia, um autêntico museu, constituído por inúmeras peças de incalculável valor” e cujo título lhe foi concedido por D. Carlos, monarca cuja sensibilidade artística é reconhecida.

Em 1921, já na República, as gravuras de Águeda foram adquiridas no “Leilão do Ameal” e foram apresentadas como “gravuras de Rembrandt” em 1948, durante o Estado Novo, figurando no catálogo da “Grande Exposição da Gravuras Antigas dos Famosos Mestres dos séculos XV, XVI, XVII e XVIII”, organizada em Alcântara, pelo então Serviço Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo (SNI), comissariada por Luís Reis dos Santos.

Dionísio Pinheiro, um empresário natural de Águeda que “fez fortuna” e morreu sem descendentes, deixou em testamento, entre outros bens, a coleção de arte que de que as polémicas gravuras faziam parte, com a obrigação de ser feita uma fundação com o seu nome, onde as obras fossem expostas.

Ao Observador, o diretor do Museu de Arte Antiga desmentiu a Fundação de Águeda e explicou que as 300 gravuras de Rembrandt são “uma edição fac similizada” e que “nem sequer é uma re-impressão das gravuras originais”.