Hard Choices é o livro autobiográfico de Hillary Clinton sobre a sua experiência política dos últimos anos, mas tem servido, desde a sua publicação há uma semana, para trazer de volta à ribalta uma das figuras mais faladas para suceder a Obama. Sobre a sua escolha mais antecipada, ser ou não candidata democrata à presidência dos Estados Unidos em 2016, Clinton não abre o jogo, nem no livro, nem nas entrevistas que tem dado, mas o clima é de pré-campanha, com comentários, pedidos de desculpa por Benghazi, assunção de erros políticos e até gafes comprometedoras à mistura. O livro ainda não tem data de publicação em Portugal.

Pela primeira vez em décadas, Hillary Clinton não tem nenhum cargo público, mas na última semana pronunciou-se e com grande atenção dos media norte-americanos sobre a situação no Iraque (“não tomaria qualquer decisão até que se percebesse claramente o que é que Nuri al-Maliki vai fazer”), sobre o referendo na Escócia (“uma perda para os dois lados”), sobre a derrota do republicano Eric Cantor na Virginia e até visita países estrangeiros como o Canadá, comentando a sua relação com os Estados Unidos. Pode parecer uma campanha para alguma coisa, mas (ainda) não é. É a digressão do seu mais recente livro Hard Choices – ou Escolhas Difíceis, em português, e pelo qual recebeu alegadamente 8 milhões de dólares. Esta digressão começou há uma semana e tem passado por várias cidades nos Estados Unidos, fazendo ainda uma perninha até ao Canadá.

O objetivo é dar o ponto de vista de Hillary sobre os vários papéis que assumiu nos últimos anos como senadora, candidata democrata à presidência dos Estados Unidos e Secretária de Estado de Obama (um cargo equivalente a ministro dos Negócios Estrangeiros) e assim, não só arrumar assuntos que ensombram a ex-primeira dama como a sua responsabilidade nos ataques em Benghazi e o voto favorável à intervenção no Iraque sob o comando de George W. Bush. Mas é também estimular o interesse e a exposição mediática de Hillary numa espécie de teste à sua popularidade antes de aceitar ser candidata a candidata à presidência dos EUA.

Segundo o The Guardian, Clinton escreve no livro que a sua decisão de apoiar a invasão do Iraque “foi pura e simplesmente errada”. Quanto ao atentado de Benghazi, que vitimou quatro norte-americanos, entre eles o embaixador Chris Steven, e pelo qual já se assumiu responsável, diz lamentar a reação dos republicanos ao terem lançado “uma campanha de contra-infomação e especulação”.

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Outro dos pontos do seu livro é a derrota nas primárias para Obama e a sua posterior inclusão no seu executivo. Hillary diz ter ficado “desapontada e exausta” após a campanha, reconhecendo que a aproximação a Obama não foi fácil, já que os apoiantes dos dois lado “desconfiavam” uns dos outros, havendo feridas abertas entre os dois democratas. Clinton descreve mesmo a aproximação a Obama como “um encontro desajeitado entre dois adolescentes” que no governo evoluiu para “uma relação forte e profissional”. Ao Observador, o gabinete de comunicação da editora de Hard Choices, Simon & Schuster, disse que o livro ainda não tem data de publicação em Portugal, embora haja “negociações com várias editoras nacionais”.

No entanto, mesmo com estas confissões e detalhes dos bastidores contados na primeira pessoa, Clinton tem-se deixado enredar em polémicas que enfraquecem as suas possibilidades de concorrer em 2016.

Os pobres Clinton e a jovem advogada que se riu de uma violação

A primeira aconteceu mesmo na véspera do lançamento, quando numa entrevista a Diane Sawyer, pivot da ABC News, Hillary disse que os Clinton saíram da Casa Branca “falidos”, defendendo assim os preços milionários que cada um leva para intervir em conferências e seminários por todo o mundo.

“Saímos da Casa Branca não só completamente falidos, mas também com dívidas […] Não tínhamos dinheiro quando chegámos à Casa Branca e depois tivemos de juntar todos os recursos possíveis para pagar as hipotecas das casas, para pagar a educação da Chelsea. Não foi fácil”, disse Hillary

Apesar de até ser verdade que a família tinha 10,6 milhões de dólares em dívida de acordo com a declaração de rendimentos no ano 2000, a frase caiu mal entre os milhões de norte-americanos afetados pela bolha imobiliária e estudantes com empréstimos para pagar, levando a que Hillary se retratasse logo em seguida.

“Deixem-me clarificar que eu compreendo quão difícil é a vida para muitos americanos nos dias que correm. É um assunto que me tem preocupado desde sempre. Tanto eu como o Bill fomos obviamente muito abençoados. Trabalhámos muito para ter o que temos e vamos continuar a trabalhar”, tentou redimir-se a antiga primeira dama no programa Good Morning do dia seguinte.

Mas o estrago já estava feito. Os republicanos publicitaram ao máximo esta gafe, compilaram as más críticas ao livro, prepararam um documento intitulado Bad Choices (más escolhas) para rebater os argumentos que Hillary dá no livro para as suas ações à frente da política externa dos Estados Unidos e têm vindo a questionar nos últimos meses o estado de saúde da democrata.

Já este domingo, o The Washington Free Beacon, jornal online identificado com o partido republicano, desferiu um forte golpe na credibilidade da possível candidata à presidência dos EUA ao revelar gravações em que Hillary Clinton se ri e conta como conseguiu uma pena reduzida para um pedófilo em 1975, logo no início da sua carreira como advogada. As gravações foram feitas por um jornalista que ia escrever um perfil sobre Hillary Clinton para a revista Esquire no início dos anos 80 (que nunca chegou a ser publicado) e trata-se de uma conversa informal em que esta descreve entre risos o que fez para reduzir a pena de um homem de 41 anos que violou uma menina de 12. Até agora, nem Hillary nem os seus assessores responderam à divulgação destas gravações.

Se parece uma campanha, então é… o lançamento de um livro

Hillary lançou o seu livro há exatamente uma semana em Nova Iorque e a recepção foi apoteótica. Apesar das limitações impostas – todos os pertences exceto o livro, o telemóvel ou uma máquina fotográfica tinham de ser guardados noutro andar da livraria, não se podia pousar para fotografias com Hillary e quem saísse da fila perdia o lugar -, houve quem lá tivesse passado a noite para conseguir um autógrafo e a fila deu a volta ao quarteirão.

As reações de histeria têm-se multiplicado por todo o país, embora as aparições públicas de Hillary sejam divulgadas com pouca antecedência, tenham uma duração relativamente curta e não haja grande oportunidade para conversas. Esta semana Clinton esteve em Toronto e Washington e vai estar em Seattle, Los Angeles e Texas. A segui-la está uma PAC – organizações que se dedicam à recolha de fundos para campanhas a cargos políticos – Ready For Hillary que afirma não ter qualquer ligação direta a Clinton, identificando-se como um conjunto de cidadãos que quer motivar Hillary a concorrer em 2016. Seguem-na com um autocarro “vestido” a rigor que está a espalhar a ideia da ex-Secretária de Estado como a próxima presidente dos Estados Unidos.

https://twitter.com/TheHillaryBus/status/475694072754343936

Embora este não seja o primeiro livro de Hillary Clinton – a antiga primeira dama já tinha escrito Living History em 2004 e It Takes a Village em 1996 -, os seus apoiantes esperam que Hard Choices seja o equivalente a A Audácia da Esperança de Barack Obama. Um livro que inspirou a sua candidatura e fez com que milhões de norte-americanos olhassem para Obama, um político inexperiente na altura, como uma alternativa viável aos restantes candidatos do Partido Democrático e em última instância a John McCain, candidato republicano derrotado pela promessa de mudança.