As sociedades europeias estão dominadas pelo medo, mas devem recusar culpar os mercados e responsabilizar antes os políticos, que criaram a crise com decisões erradas, tomadas muitas vezes por razões eleitoralistas, defendeu o filósofo francês Gilles Lipovetsky. Autor de “A Era do Vazio”, “O Império do Efémero” e “A Sociedade Pós-Moralista”, entre outros, Lipovetsky esteve em Lisboa neste sábado para participar no encontro Presente no Futuro, organizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e dedicado este ano ao tema da liberdade.

“Toda a gente tem medo, somos sociedades de medo. A Europa em particular”, disse à Agência Lusa à margem do encontro. “Somos obrigados à mobilidade, enfrentamos a perda de competitividade e é necessário favorecer a iniciativa, o que é extremamente difícil no atual contexto. A civilização do indivíduo é a civilização da liberdade, mas também da pressão e da angústia”, explicou. “O individualismo é hoje em dia obrigatório. Temos liberdade, mas querem que sejamos eficazes, criativos e, se não formos, vamos fora”, disse.

“Ppodemos criticar os políticos que seguiram políticas erradas. Era preciso ajudar as empresas, mas não da forma como foi feito”, afirma Lipovetsky.

Lipovetsky considerou, no entanto, que “não é positivo opor os indivíduos às grandes empresas”, porque o emprego, sobretudo, mas também a proteção social, a saúde e a educação dependem de uma economia competitiva. “Não é possível distribuir recursos que não existem” e a concorrência vai aumentar cada vez mais, com a emergência de novas potências no mundo. “É esse o problema”.

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“Mas podemos criticar os políticos que seguiram políticas erradas. Era preciso ajudar as empresas, mas não da forma como foi feito. Há uma política europeia ditada pela Alemanha que é estúpida. Porquê limitar a dívida a 3%? Porquê três e não quatro? É absurdo porque é excessivo”, afirmou. Para o filósofo, há um lado positivo na atual crise que é mostrar como os países chegaram a esta situação por gastarem demasiado.

Política “ditada pela Alemanha”, “que vários Prémios Nobel disseram ser estúpida”, decorre de uma tradição alemã de rigor.

“França tem dois mil milhões de euros de dívida, cada criança que nasce já tem 30 mil euros de dívida… Não é possível, não é sustentável. Mas para curar não se pode asfixiar. É uma política cega”, disse. Essa política “ditada pela Alemanha”, “que vários Prémios Nobel disseram ser estúpida”, decorre de uma tradição alemã de rigor mas também porque “Angela Merkel precisava de vencer as eleições” e os alemães não queriam pagar pelos outros países.

Lipovetsky disse não se surpreender, neste contexto, com a subida dos partidos extremistas na Europa, que atribuiu “à desilusão, ao medo do desemprego e, sobretudo, à perda de identidade”, mas considerou o fenómeno limitado e disse não acreditar que “continuem a subir indefinidamente”.

“É preciso encontrar um modelo compatível com os direitos humanos, o crescimento, a competitividade e sobretudo parar com a retórica anti mercados”, afirmou o filósofo francês.

Sobre partidos nascidos de movimentos populares, como o espanhol “Podemos”, o filósofo considerou que não têm futuro, são fenómenos pontuais, porque são “movimentos de protesto que não têm uma tradução política”. “Que modelo propõem? Nenhum”. “É esse o problema da hipermodernidade, não há um contra modelo. É preciso encontrar um modelo compatível com os direitos humanos, o crescimento, a competitividade e sobretudo parar com a retórica anti mercados. É um erro total e é grave, porque cria ilusões e impede o progresso para um mercado menos desumano”, disse.