Para quem saiu deste Governo, houve algumas “oportunidades perdidas”, embora elogiem “estabilidade política do país” face às “incertezas” de 2011. A coligação deve permanecer junta em 2015 e para ganhar as eleições tem de ser capaz de explicar as reformas que levou a cabo. O Observador falou com ex-membros do Governo que não veem necessidade para eleições antecipadas, mas mesmo neste ponto, as opiniões dividem-se e há quem considere que eleições antecipadas iriam mexer na política portuguesa de uma forma positiva.

Esta é a posição de Henrique Gomes, antigo secretário de Estado da Energia, que abandonou o Governo em março de 2012 alegando oficialmente “motivos familiares” – embora na altura em que saiu do Executivo tivesse um plano para baixar as rendas excessivas pagas à EDP que coincidiram com a privatização da empresa e o levaram a um conflito aberto com António Mexia. “Em termos absolutos, o balanço da governação é positivo, mas em termos relativos é negativo, já que foram muitas as oportunidades perdidas”, diz o antigo secretário de Estado ao Observador. Admite que o Governo “não teve uma tarefa fácil” e que no início “havia um grande entusiasmo e se trabalhava muito” embora “nem sempre com competência”.

Deseja eleições antecipadas porque considera que em 2015 haverá um vazio de poder entre agosto e novembro – entre campanha e tomada de posse do novo Executivo – que gerará “confusão” e vai prejudicar o próximo Orçamento do Estado. “Estamos no fio da navalha. Por exemplo, os efeitos do BES vão começar a sentir-se nos próximos meses há que era o banco de muitas PMEs, ora o nosso valor acrescentado está nas PMEs. Poderemos ter uma segunda invasão da troika”, afirma. Para além disso, com a antecipação das legislativas “há mexidas nas cabeças dos maiores partidos”, algo que Henrique Gomes considera necessário.

Já Pedro Martins, antigo secretário de Estado do Emprego e que saiu em janeiro de 2013, afirma que neste momento a “economia está mais competitiva” devido à ação do Governo, que na coligação “há ainda uma grande proximidade de perspetivas” e que durante estes três anos o TC tornou a consolidação orçamental mais difícil”. Por isto, defende que o sucesso da maioria nas próximas eleições se ficará a dever à sua capacidade de explicar as reformas que foram feitas no país.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Martins integrou a equipa do ex-ministro da Economia Álvaro Santos Pereira como independente e atualmente leciona na Universidade Queen Mary em Londres, mantendo-se atento ao que se passa no país. “A sociedade portuguesa ainda não percebeu que o contexto mudou, nomeadamente no que diz respeito à competitividade internacional e às contas públicas. Temo que os sinais que chegam da oposição não sejam animadores“, afirma o ex-governante ao Observador.

Apesar de ter encontrado alguns “aspetos interessantes” no programa de António Costa nas primárias do PS, Pedro Martins questiona se o futuro líder do PS vai ser capaz de se juntar “a uma maior consciencialização dos partidos socialistas que está a acontecer na Europa do Sul” em relação à necessidade de contas públicas sólidas, como está a acontecer em França e Itália. “Ele seria a pessoa adequada para o fazer, mas não prevejo isso, já que levaria a uma rutura do PS com a UGT”, argumenta.

O seu sucessor na pasta do Emprego, e que também já não se encontra no Governo, Pedro Roque – que esteve no Executivo entre fevereiro e julho de 2013 – e que atualmente é deputado e líder dos Trabalhadores Sociais Democratas, concorda que a economia do país está “mais competitiva” e que um dos fatores de “sucesso” para a recuperação do país “foi a coesão da maioria”. Reconhece que houve um momento crítico em julho de 2013 e que cada partido tem visões que muitas vezes não são coincidentes, mas defende que tanto a nível parlamentar como ministerial, “as coisas funcionam muito bem”.

Eleições antecipadas, não só não são desejáveis, como mostram o “interesse partidário e egoísta” do PS, segundo Roque. O ex-governante diz que “a pior coisa que podia acontecer é que a próxima legislatura tivesse uma governação diferente que pusesse em causa tudo o que foi feito até aqui”, nomeadamente em termos de consolidação das contas públicas, um ponto em que argumenta que “esta nova liderança do PS reflete os problemas que conduziram o país à situação de 2011”. Por isto defende que é “desejável” que PSD e CDS concorram em conjunto em 2015.

O que foi feito e o que ficou por fazer

João Queiró disse ao Observador que há uma “continuidade” entre o trabalho que executou até julho de 2013 como secretário de Estado do Ensino Superior e o seu sucessor José Ferreira Gomes. Foi a única baixa na equipa de Crato e considera que “o tema quente que permanece é o do financiamento, com implicações na renovação do corpo docente” das universidades. Sobre o trabalho feito, o professor de Matemática que entretanto regressou à Universidade de Coimbra diz que foi “corrigida em 2012 uma injustiça que permitia aos alunos do ensino recorrente aceder ao ensino superior sem cumprir os requisitos exigidos aos alunos do regime geral”, a aposta no ensino profissional – “foi iniciada em 2013 a preparação do decreto sobre os novos cursos politécnicos profissionalizantes de dois anos” – e o “regulamento das bolsas de acção social foi revisto”, de modo a que haja “mais rapidez na análise das candidaturas e maior transparência da informação” dos processos.

Na sua área de intervenção, o Emprego, Pedro Martins defende que Portugal respondeu melhor que Espanha, vendo agora a taxa de desemprego a diminuir, mas que continua a ficar atrás na flexibilidade do mercado de trabalho face a outros parceiros europeus apesar de ter um mercado “mais eficaz” do que há três anos. Para o antigo secretário de Estado, resta ainda a necessidade de reestruturar a Concertação Social de modo a incluir novas associações de trabalhadores que não se encaixam na UGT nem na CGTP e novas associações empresariais que não fazem parte do leque dos patrões agora representados.

Outros dos pontos que ficaram por resolver, segundo Martins, foram a revisão dos estatutos das ordens reguladas, como a Ordem dos Médicos ou dos Advogados, e a introdução do ensino dual no país. “Seria uma forma de combate ao desemprego, mas implica mudanças e neste momento a Educação já enfrenta outros desafios”, argumenta.

Como ponto em que o Executivo ficou aquém, Roque prefere referir a reforma do Estado, tendo em conta “o obstáculo constitucional – que não foi fácil de contornar”. “Houve uma opção excessiva pela contenção salarial”, critica Roque, acrescentado que a despesa do Estado continua a apresentar “rigidez”.

Já Henrique Gomes considera que “nada” foi feito no setor da energia, especialmente para fazer face “aos interesses instalados”. “A energia devia ter contribuído para a competitividade das empresas e não se percebe porque é que não se liberalizou o serviço. Não se pode ficar a maio caminho”, defende o ex-governante. Para o antigo secretário de Estado o mix energético – mistura de energias usadas no país – está desequilibrado, apontando que o setor do gás “está com um desvio gravíssimo devido ao baixo preço do carvão e à produção de renováveis”. Outro dos setores que critica fortemente é o dos transportes, onde Portugal está cada vez “mais isolado na Europa”, numa altura em que os restantes parceiros europeus olham para a ferrovia como alternativa ao transporte nas autoestradas.