PS fez “interrogatório policial” a Rui Machete sobre as polémicas declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros a respeito dos jihadistas portugueses que alegadamente querem regressar a casa. Machete respondeu, mas pouco. “Não vinha preparado para um tipo de inquérito policial como o que acabou de proferir”, disse, dirigindo-se ao deputado Marcos Perestrello, que inaugurou esta tarde a audição ao ministro no Parlamento.

“Fiz uma interpretação muito diferente sobre esta audição, porque pensava que ia ser sobre a participação de Portugal no esforço internacional de combate ao autoproclamado Estado Islâmico”, começou por dizer Rui Machete, depois de Marcos Perestrello ter colocado um conjunto de perguntas muito específicas ainda sobre as declarações dadas pelo ministro à Rádio Renascença no dia 23 de outubro. “As suas perguntas parecem mais um inquérito policial do que perguntas sobre a estratégia que o Estado português pretende desenvolver” no âmbito do combate a este grupo terrorista, reforçou o ministro, mostrando-se “surpreso” e anunciado que ia apenas responder a “dois ou três aspetos”.

As perguntas do PS a Rui Machete:

– Considera ou não que Estado Islâmico é uma organização criminosa e terrorista?
– Conhece as formas de maus tratos e ameaças que são feitas às pessoas que querem abandonar a organização? Tem consciência dessas ameaças?
– Qual é a origem da informação que veiculou de que “duas ou três pessoas, sobretudo raparigas” querem voltar? É informação credível? Sabe exatamente quantos são os portugueses que combatem pelo Estado Islâmico?
– A veiculação dessa informação foi articulada com os restantes membros do Governo e nomeadamente do Ministério da Administração Interna?
– Como comenta a declaração do ministro da Administração Interna?
– O Estado Islâmico constitui a maior ameaça à segurança interna desde o fim da guerra fria? Se acha que sim, então porque é que Portugal não participou na conferência de Paris e pôs-se à margem?

Machete começou então por reiterar que não usou informações “secretas ou privilegiadas” quando afirmou que “dois ou três” cidadãos portugueses, “sobretudo raparigas”, teriam entrado nas fileiras do Estado Islâmico e estariam agora a querer regressar, ou quando afirmou, na mesma ocasião, que havia “um total de 12 ou 15 portugueses no Estado Islâmico”. Segundo Machete, os números não foram precisos nem permitiram identificar ninguém, tendo-se limitado a reproduzir questões que são de conhecimento público por serem publicadas sistematicamente em jornais, nacionais e estrangeiros.

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Rui Machete negou desta forma a acusação do Partido Socialista de que as suas declarações tinham posto em causa a “seguranças das pessoas e a segurança nacional”. “Não considero que tenha posto em risco o Estado português, porque nenhumas informações foram de fonte privilegiada”, acrescentou o ministro, sublinhando que, ao contrário do que o PS disse, “não tem mal” o chefe da diplomacia reproduzir o que dizem os jornais se o objetivo for “alertar o povo” para aquilo que o Estado Islâmico é e pretende ser. “Não posso esclarecer mais nada sobre isso”, disse.

Marcos Perestrello, no entanto, não ficou convencido e insistiu, dizendo que as “não-respostas” do ministro adiantavam elas próprias alguma informação. “O senhor ministro diz que não sabe a resposta a determinadas questões que coloquei, nomeadamente quando ao número de portugueses envolvidos, mas sabe que só não o diz porque se o disser está a pôr em causa a segurança das famílias dessas pessoas que residem em território nacional. E sabe que através das suas palavras se pode identificar essas mesmas pessoas”, insistiu o socialista.

Sobre as alegadas divergências no seio do Governo, nomeadamente com o ministro da Administração Interna, Machete não se alongou no facto de ter havido ou não um mau-estar interno, dizendo apenas que não trocou quaisquer impressões com o ministro Miguel Macedo nem antes nem depois de dar a referida entrevista à Renascença a partir de Nova Iorque. E deixou um recado ao PS: “Não deve ceder à tentação fácil de usar o tema para fazer pequenos jogos partidários, e espero que o PS esteja a encarar este assunto do terrorismo com a envergadura que ele de facto tem”.

“Não é turismo é terrorismo”

Acusando o PS de estar a aproveitar-se de um tema “sério” e “sensível” para “deturpar as palavras dos ministros à espera de encontrar uma qualquer dissonância dentro do Governo”, os deputados da maioria Filipe Lobo d’Ávila (CDS) e António Rodrigues (PSD) fizeram eco das palavras de Rui Machete e uniram-se para centrar as atenções, não nas declarações do ministro, mas sim no problema do alinhamento de cidadãos portugueses e estrangeiros nas fileiras do Estado Islâmico.

Para o deputado António Rodrigues, o importante é lembrar que, apesar de os jovens irem atrás de um ideal aventureiro, o Estado Islâmico “não é uma gesta romântica”. Isto é, “não se faz turismo, faz-se terrorismo, e, mais do que isso, terrorismo pago e bem pago”, disse.

Uma ideia que foi realçada pelo ministro, que sublinhou que o Estado Islâmico se trata de uma “ameaça gravíssima que não pode ser ignorada” e que é importante “alertar os jovens para a perigosidade desta organização”. “As idas ao médio oriente não são turismo, são terrorismo, são perigosas e podem ter um pesadíssimo custo, por isso têm de ser prevenidas”, disse o chefe da diplomacia portuguesa.