O Governo enfrentou na última semana um dos maiores desafios da legislatura: lidar com um surto mortífero de Legionella. Os dias foram de tensão e o pivô foi sempre o ministro da Saúde, Paulo Macedo, o homem que veio das Finanças e dos números e que conseguiu passar pela crise sem muitas críticas.

As primeiras notícias sobre a Legionella surgiram ao final da tarde de sexta-feira e apanharam Macedo ainda no seu gabinete, na Av. João Crisóstomo. Estavam internadas cerca de 20 pessoas no Hospital de Vila Franca de Xira e a partir desse momento o número foi sempre em crescendo a um rápido ritmo. Nessa noite, a Direção-Geral de Saúde (DGS) e a Administração Regional de Saúde de Lisboa reuniram de emergência e Francisco George (o diretor-geral de Saúde que se revelou incansável) falou pela primeira vez aos jornalistas. Era o início de dias de más notícias – o número de doentes com a Legionella chegou a atingir os 317 e houve oito mortes.

A articulação entre o Ministério da Saúde e o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho foi feita quase ao minuto. Todas as novas informações eram imediatamente transmitidas por telefone ao primeiro-ministro. Várias vezes ao dia. Para fora, a decisão de Paulo Macedo foi a de dar sempre informação sobre o que estava a acontecer. “Se houve algum erro, foi excesso de informação”, comenta ao Observador fonte do Governo.

No sábado, dia 8, responsáveis do Ministério da Saúde e do Ambiente tiveram a primeira reunião conjunta enquanto no terreno, eram feitas as primeiras vistorias. “Tínhamos que saber se o problema era na água canalizada ou nas partículas da atmosfera e sabíamos que a população estava impaciente”, reconhece fonte do Governo.

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Paulo Macedo e o ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, reuniram-se pela primeira reunião, ao fim do dia de segunda-feira. Macedo tinha estado em Barcelos, para uma reunião com dirigentes da saúde sobre o Orçamento para 2015 e que já estava marcada há vários dias. É também nesse dia que começam as sessões de esclarecimento nas fábricas da zona de Vila Franca de Xira, a zona mais afetada.

No dia seguinte, o Governo decide começar a fazer dois balanços por dia sobre os doentes para sossegar as pessoas. Mas, ao mesmo tempo, o ministro do Ambiente fala pela primeira vez em público sobre o surto e chama a atenção para a empresa Adubos de Portugal, uma das três na mira (juntamente com a Central de Cervejas e a Solvay).

“Tendo em atenção as análises que foram feitas, tanto no sábado, como novamente no domingo, consideramos que um grau de probabilidade mais elevado está associado às torres de refrigeração e, no âmbito das torres de refrigeração, concretamente em relação a esta empresa”, explicou Jorge Moreira da Silva.

Essas declarações causaram alguma estranheza e crítica: dentro do Governo e principalmente na própria administração da empresa. “Havia algum fundo de verdade. Mas não era preciso ser tão taxativo”, comentou ao Observador fonte do Governo.

Horas depois, no Porto, o primeiro-ministro parecia corrigir o tom. Questionado sobre as suspeitas que recaem sobretudo numa fábrica daquele concelho (a Adubos de Portugal), Pedro Passos Coelho diz que tudo será investigado. Mas, lembrou, a pesquisa no terreno não está concluída e, por isso, é prematuro tirar conclusões.

A precaução, na Saúde, ditava que era preciso esperar para confirmar se o serótipo da Legionella dos doentes coincidia com o detetado nas fábricas de Vila Franca de Xira (as análises conclusivas requerem uma cultura de 10 dias). Na sexta-feira, Paulo Macedo e Moreira da Silva aparecem juntos pela primeira vez e em conferência de imprensa a falar sobre a Legionella. E, perante as insistência das perguntas dos jornalistas, a ADP continua a ser a principal visada.

O número de novos doentes só começou a diminuir na quarta-feira, altura em que o Ministério da Saúde entende que o surto está controlado. E, ao longo de quase uma semana, o pivô da crise conseguiu não ser massacrado na opinião pública. Macedo, cujo currículo é feito de experiência em consultoras e administração tributária, conseguiu nota positiva na gestão da crise.

João Semedo, deputado, dirigente do Bloco de Esquerda e médico, reconhece que a resposta dada pelo Governo foi “satisfatória e razoavelmente bem estruturada”. Lamenta, contudo, que a resposta tenha sido “um pouco tardia” (na sua opinião, o Governo não percebeu logo que se poderia estar perante um caso com proporções potencialmente elevadas) e que não tivesse havido a preocupação das autoridades de saúde em fazerem esclarecimento junto da população das três freguesias afetadas de Vila Franca de Xira e não apenas nas fábricas.

Um especialista em gestão de risco aponta também, ainda assim, algumas falhas ao Governo. “Nós em três semanas tivemos dois exemplos, o ébola e a Legionella, que demonstram que existem falhas graves na comunicação do risco em crise. Particularmente o ébola… indescritível os erros cometidos pelo Governo e pela DGS mas na Legionella safaram-se um bocadinho melhor”, afirmou ao Observador José Manuel Palma, especialista em análise e gestão de risco e professor da Universidade de Lisboa.

“Passam a vida toda a tentar dar a sensação de segurança às pessoas com medo que o pânico seja lançado, mas isto é uma estupidez. As pessoas não entram em pânico. Querem saber coisas porque ficam assustadas. O pânico só se manifesta em situações muito específicas e é muito raro. As pessoas só querem que haja uma transparência. A DGS tem de ser a primeira a falar e dar indicações sobre o que se deve fazer”, explica.

Por outro lado, esta crise pode desencadear outro tipo de reflexão sobre o que se deve fazer no futuro em termos legislativos. Espanha teve uma grave crise de Legionella em 2001 e em 2003 aprovou uma lei específica com medidas para prevenir esta doença.

Do lado das normas a cumprir pelas empresas também pode vir a haver mudanças. Hélder Amaral, deputado do CDS e responsável pela área de Economia, reconhece que “pode ser possível melhorar ou clarificar” legislação quando se perceber o que efetivamente se passou e o que poderá ter falhado. “Não excluo apresentar algum tipo de alterações”, afirmou ao Observador, referindo-se, nomeadamente, ao DL 169/2012 que estabelece as regras para o licenciamento industrial.