Acabar com o pessimismo, recuperar a esperança, praticar o laicismo, a audácia e alterar os tradicionais “tabuleiros políticos” foram as principais receitas para a esquerda emitidas esta noite em Lisboa por Pablo Iglesias, o líder do partido espanhol Podemos.

“Estão a romper-se sistemas políticos, estamos em momentos de audácia, momentos para quem tenha mais capacidade”, referiu o recém-designado secretário-geral do partido da esquerda alternativa e a grande surpresa política em Espanha nas eleições europeias de maio, quando obteve mais de 1,2 milhões de votos (7,98%) e garantiu cinco eurodeputados, incluindo o atual líder.

O novo partido provocou ainda um autêntico “terramoto político” no país vizinho ao surgir numa recente sondagem à frente dos conservadores do Partido Popular (PP) e dos socialistas do PSOE. Numa sessão organizada pelo Bloco de Esquerda (BE) e o GUE/NGL (Grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde, 52 dos 751 eurodeputados no Parlamento Europeu) sob o lema “Unidos contra a austeridade” — que antecedeu a IX Convenção do partido que decorre no fim de semana –, Iglesias usou a metáfora dos “gatos” e dos “ratos” para denunciar os promotores, e as vítimas, das políticas de austeridade.

“Durão Barroso e Juncker são os gatos”, referiu o dirigente do Podemos, 36 anos, num tom descontraído mas firme, sem deixar de recordar a simbólica frase “o povo é quem mais ordena”, que contribuiu para mobilizar a ampla sala do pavilhão do Casal Vistoso, com mais de 500 pessoas.

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A esquerda como “força moral” foi outro aspeto sublinhado por Iglesias, que se socorreu das mudanças do xadrez político em curso no sul da Europa, e ainda na Irlanda. Mas Iglesias enalteceu em particular o “momento de orgulho” dos povos submetidos às políticas de austeridade e aos resgates financeiros, sugerindo o significado que terá para os portugueses “um golo de Cristiano Ronaldo contra a Alemanha”.

“O momento de orgulho é dizer que somos portugueses, ou espanhóis (…) e não uma colónia da Alemanha”, frisou. “Não haverá nenhum banco que nos roube esse orgulho, de sermos portugueses, de sermos espanhóis, de sermos do sul”, acrescentou. No início da intervenção, e em tom de desafio, o líder do Podemos já se tinha referido “aos que insultam e manipulam, a quem dizemos obrigado pelo medo que têm”, antes de enunciar os “cinco ingredientes” que podem constituir a “fórmula” para as alterações políticas que se perspetivam, como assegurou.

“Estamos aqui para desafiar quem nos governo há 30 anos. É muito difícil, mas há uma oportunidade para converter as maiorias sociais em maiorias políticas”, disse ainda, perante os aplausos da sala. A sessão iniciou-se com uma intervenção da eurodeputada do BE Marisa Matias, num comício internacionalista onde também intervieram Trevor Ó Clochartaigh, senador irlandês do Sinn Féin, o deputado do Syriza grego Georgios Karatsioubanis, e a dirigente bloquista Catarina Martins que encerrou a noite.

Ó Clochartaigh, referiu-se ao “gigante adormecido que acordou”, numa referência às 100 mil pessoas que desfilaram recentemente em Dublin contra a austeridade e que estão a “fazer recuar as medidas de austeridade” do governo. O dirigente do Sinn Fein, principal formação de esquerda da República da Irlanda, obteve 19,52% nas europeias de maio, salientou ainda a crescente “participação popular” pela mudança, denunciou a “recuperação” económica na Irlanda “que é só de alguns, não de todos”, anunciou uma “revolução democrática” e disse que “chegou o tempo para impor uma nova direção”, com o fim dos ataques aos salários, e pela reconstrução dos serviços públicos. “Agora é o tempo, agora é o nosso tempo”.

Já o deputado do Syriza grego, vencedor das europeias de maio com 26,57%, expôs as consequências sociais das políticas de austeridade, referiu-se a um conflito entre “dois mundos”, e colocou o seu partido “no centro da agenda política” na perspetiva de um “forte mandato popular” que esperam obter nas próximas eleições, quando as sondagens o colocam na primeira posição.