Rita Barosa, ex-diretora do Banco Espírito Santo (BES), diz que desaconselhou Ricardo Salgado a emitir garantias em favor de uma entidade venezuelana que pedia o reembolso antecipado de aplicações na Espírito Santo Internacional (ESI).
As cartas de conforto assinadas por Ricardo Salgado e José Manuel Espírito Santo em junho de 2014 comprometeram o banco a reembolsar o investimento feito por entidades públicas da Venezuela no Grupo Espírito Santo (GES). A sua eventual relevância criminal está a ser investigada, na medida em que representam uma violação da ordem do Banco de Portugal que proibia o aumento da exposição do banco ao GES.
A então assessora do conselho de administração do banco confirma ter sido chamada a uma reunião de 9 de junho com Ricardo Salgado em que foi referida a possibilidade do banco emitir cartas de conforto para dar maior confiança a um cliente, um fundo ligado à Venezuela. Nesta reunião “manifestei que as cartas seriam uma imprudência, não fazia sentido o banco assinar as cartas e isso foi transmitido ao presidente”, afirmou Rita Barosa na comissão parlamentar de inquérito aos atos de gestão do BES e do Grupo Espírito Santo.
Na reunião que decorreu a 9 de junho, e onde esteve também o representante da área comercial da Venezuela, Rita Barosa foi questionada sobre a possibilidade de se realizar uma operação de colaterização no BES ou em outro banco que permitisse antecipar o reembolso da aplicação feita em dívida na Espírito Santo Internacional (ESI), numa altura em que esta empresa já enfrentava graves dificuldades financeiras. Rita Barosa, que no passado dirigiu o departamento financeiro do BES na área dos derivados, terá defendido que não seria possível viabilizar essas operações.
Apesar da questão das cartas de conforto ter sido colocada, Rita Barosa garante que não foi responsável pela produção das cartas cujos termos financeiros descreve como sendo básicos. Sem avaliar a validade jurídica destas cartas, cujas responsabilidades no valor de 267 milhões de euros tiveram de ser reconhecidas nas contas semestrais do BES, por ordem do auditor. “Na perspetiva técnica, aquela carta não seria suficiente se eu pretendesse uma garantia”. Não obstante, as cartas foram consideradas válidas pelos pareceres jurídicos pedidos pelo banco.
Também o Banco de Portugal manifestou dúvidas sobre a credibilidade das cartas, estranhando a sua falta de cuidado e rigor. O ex-presidente do BES justificou a decisão de assinar estes documentos para salvaguardar o investimento de 700 milhões de euros prometido pela Venezuela no aumento de capital da Rioforte. O compromisso explícito tinha sido assumido no quadro do contrato de gestão de ativos da Petróleos da Venezuela, ganho pela Esaf (gestora de fundos do BES) em maio de 2014.
Barosa não foi consultada antes de ser proposta para a administração
Rita Barosa assegura ainda que o seu nome foi indicado para a comissão executiva do BES, numa lista liderada por Amílcar Morais Pires, sem consulta prévia por parte dos acionistas. Mas viu a indicação como “o reconhecimento do trabalho desenvolvido ao longo de 18 anos, era algo elogioso.” E acrescenta: “Acredito que era uma pessoa da confiança, do ponto de vista profissional, do Dr. Salgado”. Mais tarde esclarece que só soube que estava a ser proposta pela Espirito Santo Financial Group pelo departamento jurídico do banco que estava a preparar o seu curriculum. Também Isabel Almeida, ex-diretora do departamento financeiro do BES, testemunhou não ter sido previamente convidada antes do nome ser proposto.
Diretora do BES participou no processo de reestruturação do acionista GES
Ana Rita Barosa, então alto quadro do Banco Espírito Santo, participou ativamente nos trabalhos de reestruturação do maior acionista do GES que se desenvolveram a partir do final de 2013. A ex-diretora do BES explica que esteve em grupos de trabalho que começaram por analisar o impacto contabilístico da venda da participação da ESI na Espírito Santo Financial Group (ESFG) à Rioforte. Esta operação resultou num aumento expressivo das necessidades de financiamento da holding onde mais tarde a PT iria perder quase 900 milhões de euros.
Este exercício “teórico” foi realizado no final de dezembro de 2013 quando os altos responsáveis do grupo e banco já sabiam do buraco financeiro na casa-mãe do grupo, a Espírito Santo Internacional (ESI). O racional desta operação assentava na tese de que a Rioforte teria mais facilidade em obter financiamento internacional de longo prazo. Rita Barosa acrescenta que na altura estava previsto um aumento de capital na ESI com recurso a investidores terceiros, para além de uma emissão de dívida convertível em capital.
Barosa participou também no grupo de trabalho, onde estavam ainda representantes da Rioforte e do BESI para além de Ricardo Salgado e Amílcar Morais Pires, que procurava obter financiamento da banca internacional para a holding. A degradação da perceção de risco do grupo e a inexistência de colaterais disponíveis ao nível da própria Rioforte para garantir novos empréstimos, acabaram por inviabilizar este plano.
Rita Barosa foi secretária de Estado da Administração Local durante poucos meses sob a tutela de Miguel Relvas, um convite que a surpreendeu porque não era especialista no tema nem conhecia o ex-ministro. Foi-lhe dito que procuravam uma personalidade com um perfil financeiro e aceitou, mas o ministro foi substituído dois meses depois e Barosa regressou em 2013 ao BES.
Ana Rita Barosa coordenava desde meados de 2013 o gabinete de reorganização estratégica do grupo, sendo assessora do conselho de administração. Diz que saiu do BES por sua opção em setembro de 2014.
A ex-diretora do BES sabia que a Eurofin era um dos brokers, intermediários financeiros, que trabalhou com o BES durante vários anos.