A notícia chegou na terça-feira, 10 de fevereiro. Kayla Mueller, a jovem de 26 anos que estava detida pelo Estado Islâmico tinha morrido. Estava há 18 meses em cativeiro, desde agosto de 2013, e foi de lá que enviou uma carta à família. Escrita há já alguns meses – a carta menciona a data de 4 de novembro de 2014 – é um documento comovente pelo qual se percebe porque é que Barack Obama, quando confirmou a sua morte, disse que ela representava “o melhor da América” e que o seu legado inspirava “todos aqueles que lutam pelo que é justo e bom”.

Não se conhecem as circunstâncias exatas da morte de Kayla Mueller – o Estado Islâmico diz que ela morreu na sequência de um ataque da aviação jordana, mas não apresentou provas –, mas sabe-se como acabou numa prisão dos terroristas do Estado Islâmico. Jovem, comunicativa, recém-licenciada, muito religiosa, queria antes de tudo o mais ajudar os outros. Foi por isso que se mudou para a Turquia em 2012, onde trabalhava numa organização humanitária na fronteira com a Síria. O seu objetivo era ajudar as vítimas da violência da guerra civil neste país, acabou por ser raptada quando integrava uma equipa dos Médicos sem Fronteiras em Allepo.

Mais do que tudo, vale agora a pena ler a sua carta, divulgada pelo Guardian. Dela fizemos a tradução possível, mas reproduzimos também o original, em inglês.

Facsimile da carta enviada à família

Facsimile da carta enviada à família

A todos,

Se estão a ler esta carta é porque continuo detida mas os meus companheiros de cativo (a partir de 2 de novembro de 2014) já foram libertados. Pedi-lhes que vos contactassem e que vos entregassem esta carta.

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É difícil saber o que dizer. Digo-vos que estou num local seguro, não fui maltratada e estou bem de saúde (na verdade, ganhei algum peso). Tenho sido tratada com grande respeito e gentileza.

Queria escrever-vos uma carta bem composta (mas não sabia se os meus colegas iriam ser libertados nos próximos dias ou nos próximos meses, o que limitou o meu tempo) pelo que apenas pude escrever a carta um parágrafo de cada vez. Só de pensar em vós causa-me um ataque de lágrimas.

Se se pudesse dizer que sofri, por pouco que seja, ao longo desta experiência, seria por ter noção do sofrimento que vos estou a causar a todos. Nunca irei pedir-vos que me perdoem, já que não mereço perdão.

Recordo-me da mãe a dizer-me, constantemente, que no final de tudo a única coisa com que podemos contar é Deus. Vim para este sítio, para ter esta experiência, e em todos os sentidos me entreguei ao nosso criador porque, literalmente, não havia mais ninguém. E, graças a Deus, graças às nossas orações, dei por mim a sentir-me em queda livre, porém gentilmente protegida.

Aprendi que na escuridão e na luz, até mesmo na prisão é possível ser-se livre. Sinto-me grata. Vim para aqui para descobrir que existe Bem em todas as situações, só temos, por vezes, de procurá-lo.

Rezo todos os dias e peço que também vocês tenham sentido uma certa aproximação e entrega a Deus. E que tenham formado um laço de amor e apoio entre vocês. Sinto a vossa falta como se já tivesse passado uma década de separação forçada.

Tenho tido muitas longas horas para pensar, para pensar em todas as coisas que vou fazer com o Lex, a primeira viagem da nossa família para acampar, o nosso primeiro encontro no aeroporto. Tenho tido muitas horas para pensar que só na vossa ausência, com 25 anos de idade, me apercebi qual é o vosso lugar na minha vida.

Cada um de vós é uma dádiva e não poderia ser a pessoa que sou se vocês não fizessem parte da minha vida, se não fossem a minha família, o meu apoio.

EU NÃO QUERO que as negociações para a minha libertação sejam uma responsabilidade vossa. Se houver qualquer outra opção, escolham-na, mesmo que leve mais tempo. Isto nunca se deveria ter tornado um fardo para vós.

Pedi a estas senhoras que vos ajudem [trecho rasurado]; por favor, procurem junto delas o seu aconselhamento, se já não o fizeram. Falem, também, com [trecho rasurado], já que poderá ter alguma experiência em lidar com estas pessoas.

Nenhum de nós poderia prever que isto iria durar tanto tempo mas saibam que, deste lado, também estou a lutar da forma que posso. E tenho ainda, dentro de mim, muita força para lutar.

Não estou a ir-me abaixo. E não irei desistir, dure isto quanto durar. Escrevi uma canção há alguns meses que dizia “A parte de mim que mais dói também é a parte de mim que me faz levantar da cama, sem a vossa esperança não restaria nada...”

Por outras palavras, pensar na vossa dor é a fonte da minha própria dor. E, ao mesmo tempo, a esperança de que um dia vos verei é a fonte da minha força.

Por favor, sejam pacientes, entreguem a vossa dor a Deus. Sei que vós iriam querer que eu mantivesse a força e é exatamente isso que estou a fazer. Não temam por mim, continuem a rezar, tal como eu continuarei a rezar para que, queira Deus, estaremos novamente juntos em breve.

Com todo o meu tudo, Kayla

Original em inglês:

Everyone, If you are receiving this letter it means I am still detained but my cell mates (starting from 11/2/2014) have been released.

I have asked them to contact you + send you this letter. It’s hard to know what to say. Please know that I am in a safe location, completely unharmed + healthy (put on weight in fact); I have been treated w/ the utmost respect + kindness.

I wanted to write you all a well thought out letter (but I didn’t know if my cell mates would be leaving in the coming days or the coming months restricting my time but primarily) I could only but write the letter a paragraph at a time, just the thought of you all sends me into a fit of tears.

If you could say I have “suffered” at all throughout this whole experience it is only in knowing how much suffering I have put you all through; I will never ask you to forgive me as I do not deserve forgiveness.

I remember mom always telling me that all in all in the end the only one you really have is God. I have come to a place in experience where, in every sense of the word, I have surrendered myself to our creator b/c literally there was no else … + by God + by your prayers I have felt tenderly cradled in freefall.

I have been shown in darkness, light + have learned that even in prison, one can be free. I am grateful. I have come to see that there is good in every situation, sometimes we just have to look for it.

I pray each each day that if nothing else, you have felt a certain closeness + surrender to God as well + have formed a bond of love + support amongst one another … I miss you all as if it has been a decade of forced separation.

I have had many a long hour to think, to think of all the things I will do w/ Lex, our first family camping trip, the first meeting @ the airport. I have had many hours to think how only in your absence have I finally @ 25 years old come to realize your place in my life.

The gift that is each one of you + the person I could + could not be if you were not a part of my life, my family, my support.

I DO NOT want the negotiations for my release to be your duty, if there is any other option take it, even if it takes more time. This should never have become your burden.

I have asked these women to support you; please seek their advice. If you have not done so already, [REDACTED] can contact [REDACTED] who may have a certain level of experience with these people.

None of us could have known it would be this long but know I am also fighting from my side in the ways I am able + I have a lot of fight left inside of me.

I am not breaking down + I will not give in no matter how long it takes. I wrote a song some months ago that says, “The part of me that pains the most also gets me out of bed, w/out your hope there would be nothing left …”

aka-The thought of your pain is the source of my own, simultaneously the hope of our reunion is the source of my strength.

Please be patient, give your pain to God. I know you would want me to remain strong. That is exactly what I am doing. Do not fear for me, continue to pray as will I + by God’s will we will be together soon.

All my everything, Kayla