Guerra aberta entre a direção editorial e os jornalistas do Le Monde. Em causa, está a participação do jornal francês na investigação internacional que despoletou o escândalo Swissleaks e, sobretudo, a divulgação dos nomes de alguns franceses com contas na delegação suíça do banco HSBC. Julgamento público gratuito ou independência e obrigação ética de informar? É o que divide os dois lados da barricada.

Matthieu Pigasse, um dos principais acionistas do jornal e vice-presidente do banco Lazard, disparou a primeira bala. Apesar de se dizer “orgulhoso” da “notável” investigação jornalística do Le Monde, Pigasse deixou o aviso: “É necessário encontrar um justo equilíbrio entre a divulgação de informações de interesse geral, de interesse público, e não cair numa forma de maccarthismo, de delação fiscal”.

No entanto, Pierre Bergé, patrão do Conselho de Vigilância do jornal desde 2010, em entrevista à RTL, subiu o tom das críticas à redação do Le Monde. Entre acusações de “populismo” e “delação”, Bergé afirmou mesmo que não tinha sido para aquilo que o filantropo tinha permitido “ao jornal adquirir a sua independência”.

“É o papel de um jornal lançar às feras o nome de pessoas? Isso é populismo, serve para alimentar certos instintos. Não foi para isso que eu permiti ao jornal adquirir a sua independência. São métodos que eu reprovo” defendeu Bergé, em entrevista a RTL, para depois acrescentar: “Não quero comparar o que aconteceu agora com o que acontecia no passado, mas delação é delação. É lançar o nome das pessoas às feras. E tudo isso me parece gratuito”.

O diretor do Le Monde, Gilles Van Kote, não gostou de ouvir as críticas dos donos do jornal e, num comunicado assinado com os restantes membros da direção, fez questão de separar as águas: “O debate sobre se devemos divulgar ou não tal ou tal nome existe na redação, mas a decisão é de ordem editorial, é da nossa competência. (…) Os acionistas não têm nada a dizer sobre os conteúdos editoriais“.

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“Nós, membros da direção do Le Monde, (…) deplorámos os ataques perpetrados por Pierre Bergé contra os jornalistas do Le Monde. (…) O trabalho de investigação foi conduzido em conformidade com os princípios éticos fundamentais e está localizado no coração da prática do jornalismo como o conhecemos. Pierre Bergé não partilha, claramente, esta visão”, pode ler-se no comunicado.

Também a Sociedade dos Redatores do Le Monde (SRM) veio em defesa do trabalho de investigação realizado pelo jornal francês e revelou estar “orgulhosa” dos seus jornalistas. E também deixou duras críticas àquilo que acredita ser uma tentativa de “intrusão” dos acionistas na linha editorial do jornal.

“Como é habitual, Pierre Bergé (…) violou o pacto que fez em coautoria com outros acionistas em 2010. [No entanto], isso não impediu e não vai impedir os jornalistas de trabalhar livremente com independência e responsabilidade. Condenamos fortemente, como em ocasiões anteriores, esta intrusão no conteúdo editorial. O papel dos acionistas é definir a estratégia da empresa e não tentar influenciar a direção de informação”, sublinhou a SRM em comunicado.

O escândalo rebentou quando, no domingo 8 de fevereiro, o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) divulgou documentos confidenciais sobre o ramo suíço do banco britânico HSBC, que revelam alegados esquemas de evasão fiscal. Entre os mais de 100 mil clientes, há terroristas, traficantes de armas e de diamantes e artistas conhecidos, como a Tina Turner e John Malkovich. Há, também, um português que ali tem 143 milhões de euros. Só não se sabe quem é.

A investigação, batizada por “Swissleaks”, revela documentos fornecidos por um informático, Hervé Falciani, ex-trabalhador do HSBC em Genebra, ao jornal francês Le Monde e partilhado com aquele consórcio e com jornalistas de mais de 40 países. Segundo o site do ICIJ, a França surge em quinto lugar entre os países com mais dinheiro na delegação suíça do HSBC.