A galinha, comprada fresca em Macau, é um dos pratos principais na gastronomia chinesa e no Ano Novo Lunar assume um papel especial, mas a gripe das aves pode levar, no futuro, a que esteja apenas disponível congelada.

Nos mercados de Macau, a azáfama é grande: procuram-se aves vivas e de qualidade para confecionar os pratos especiais do Ano Novo Lunar, a maior e mais importante celebração das famílias chinesas que na quarta-feira à meia-noite se começa a assinalar na Ásia.

“Os primeiros dez dias do Ano Novo Lunar chinês são dedicados a alguns animais, produtos alimentares e às pessoas e à galinha foi atribuído o primeiro dia do ano, o que bem evidencia a sua importância na cultura chinesa”, explicou Fernando Sales Lopes, jornalista e investigador, salientando que a galinha está presente na “mesa dos vivos e no culto aos antepassados e aos espíritos”.

Sales Lopes lembrou também que “na antiguidade os galináceos eram considerados aves com cinco virtudes”, com a crista a representar a “dignidade civil”, o esporão nas pernas a “dignidade militar” e a “valentia no combate aos inimigos” e a forma como compartilha os alimentos traduziam a “virtude da benevolência”, qualidades que, segundo se incutia, “passavam para quem as comesse”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No Ano Novo Lunar, a galinha, ou galo, de papel vermelho recortado e colado nas janelas no primeiro dia do ano, o seu dia, atrai a sorte e as virtudes das aves e nos “pratos dos vivos” representa a união familiar, acrescentou.

Já nos casamentos, outra cerimónia que não dispensa a galinha, a ave representa a mulher e a família e “num prato especial de patas de galinha, a ave ascende a figura mitológica” com o prato a designar-se “patas de Fénix”. No entanto, no caso de ser cozinhada com a “comida de dragão” – um crustáceo, por exemplo – então a galinha assume ainda a “unidade no casamento”.

Radicado em Macau desde 1986, Fernando Sales Lopes tem estudado a cultura chinesa, hábitos e as raízes do simbolismo oriental e seus objetivos, mas recordou que a tradição de comprar vivo é, acima de tudo, uma maneira de “atestar a qualidade do que se compra, assegurar a sua condição e saúde, no fundo, garantir a sua pureza”.

“Isto é o que se passava em todo o mundo antes do progressivo afastamento das populações do meio rural para o urbano e antes do desenvolvimento das sociedades de consumo ter abarcado também, os produtos alimentares”, disse.

É que, explicou, nas “sociedades rurais, ou naquelas mesmo urbanas, mas de fortes tradições culturais ainda ligadas à terra, como é a chinesa e a quem tem sido assegurado o fornecimento do animal vivo, as condições do alimento puro, limpo, afinal fresco, impõem-se”.

“Um alimento, e neste caso falando da galinha, congelada, cria desconfiança do consumidor porque desconhece a sua origem, a forma e os meios utilizados na sua conservação, nomeadamente numa época em que não raras vezes se conhecem casos de adulteração de produtos, alguns dos quais provocaram mortes”, recordou.

Sales Lopes considerou, contudo, que a proliferação da gripe das aves, nos vários subtipos “poderá levar a uma alteração de comportamento das populações por exigência da defesa da saúde dos cidadãos”.

Uma coisa, sublinhou, é certa: “refrigerada ou congelada, a galinha continuará a cumprir todas as funções que lhe cabem, e a sua simbologia continuará a ser respeitada pelos chineses, nomeadamente no cumprimento dos rituais milenares”, muito embora os mais velhos sejam aqueles que mais resistência poderão colocar à sua compra.