Qual surpresa, qual quê. Já se sabia há muito, desde o verão, que dali por uns meses haveria um clássico a quatro jornadas do fim e, das três uma: ou servia para embalar ainda mais um líder que já tivesse fugido para bem longe do pelotão; para obrigar a trocar o rabo que se sentava no trono da liderança; ou para dar emoção ao final do campeonato e colocar ainda mais taco-a-taco duas equipas que estivessem lá em cima a lutar pelo título. A última hipótese será a mais provável, porque só três pontos separam o Benfica do FC Porto.

E no meio de tantas histórias, tantos números e dos éne clássicos que já aconteceram na Luz, para o campeonato (já agora, foram 57 os jogados no antigo e no novo estádio), há uma novidade — nunca, nos últimos 20 anos, houve tão poucos pontos a separar Benfica e FC Porto num clássico realizado nas derradeiras dez jornadas do campeonato. Os três que os separam esta época dão aquele nervoso miudinho que não deixa o corpo estar quieto na cadeira do estádio ou no sofá de casa, o tal que faltou, por exemplo, em 1996, quando os dragões a mando de Bobby Robson e das traduções de José Mourinho foram a Lisboa com 16 pontos de vantagem sobre os encarnados de Mário Wilson.

Esta será a oitava vez, desde 1995, que os rivais se defrontam no Estádio da Luz com o máximo de dez jornadas por realizar na liga. O Observador foi tirar o pó à história para lhe deixar um cheirinho de cada um desses jogos.

1995/1996. 27.ª jornada, 23 de março de 1996

Benfica 2-1 FC Porto

Este clássico ainda é do tempo em um inglês dava ordens e, para descomplicar, um português as traduzia. E foi nesta lenga-lenga, ou não, que os dragões se perderam na tradução e, em março de 1996, foram ao velhinho Estádio da Luz com sete jornadas ainda por jogar. Mais descansados era difícil, já que foram a Lisboa sentados no conforto da liderança do campeonato, a 16 pontos do Benfica. Até hoje, não mais houve um clássico destes em Lisboa tão perto do final da liga e com tanta distância a separar os rivais.

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Talvez por isso as ordens de Bobby Robson e a tradução de José Mourinho não tenham resultado. Valdo, o velho craque encarnado, marcou de penálti, e enquanto Emerson ainda festejava o golo com que deu o empate ao FC Porto já João Pinto marcava o segundo para o Benfica, o da vitória. A equipa de Mário Wilson, com sete portugueses no onze — uma coisa rara, sim, mas até voltaria a acontecer (já agora, eram eles Hélder, Pedro Henriques, Paulo Bento, Kenedy, Calado, João Pinto e Bruno Caires) –, venceu, mas terminaria esse campeonato a 11 pontos dos dragões.

1997/1998. 2 de maio de 1998, 32.ª jornada

Benfica 3-0 FC Porto

Aqui nada havia a fazer: os 12 pontos de vantagem e as três jornadas faziam dos dragões já campeões quando chegaram à Luz. António Oliveira até deixou os golos de Mário Jardel, as triveladas de Ljubinko Drulovic e os passes de Zlatko Zahovic no banco, mas o Benfica não poupou no orgulho. Por isso houve garra e vontade de sobra para Brian Deane e Karel Poborsky marcarem os golos que embalaram os encarnados e até para Tahar El Khalej, um dos patinhos que os adeptos viam feio, marcar um golo. Tudo acabou num 3-0 para a equipa de Graeme Souness.

1998/1999. 24 de abril de 1999, 29.ª jornada

Benfica 1-1 FC Porto

O engenheiro já tinha as fundações sólidas e o penta estava quase a ser erguido. Mas na Luz houve um ligeiro abanão de terras, porque dali o FC Porto de Fernando Santos só levou um empate. Nove pontos separaram a liderança dos dragões do terceiro lugar dos encarnados que, caso vencessem, dariam oxigénio ao balão da esperança do título — com razão, já que depois haveria cinco partidas por jogar.

Ao golo de Zahovic seguiu o de Bruno Basto e as bolas dentro das balizas ficaram por aqui. E mais: foi a última vez na histórias destes clássicos que um português, dos nascidos e criados por aqui (sim, convém dizer, já vai perceber porquê), marcou um golo num Benfica-FC Porto com o fim do campeonato à vista.

1999/2000. 1 de abril de 2000, 28.ª jornada

Benfica 1-0 FC Porto

https://www.youtube.com/watch?v=j5ySMotaXZY

À espreita, mais do que o título, que já estava à espera do Sporting e, lá está, da espera que os leões faziam há 18 anos, estava o segundo lugar que dava passagem à Liga dos Campeões. Era o FC Porto que o tinha e o Benfica estava logo atrás, a seis pontos. O clássico apareceu a seis jornadas do fim e, depois, os encarnados ficaram a morder os calcanhares dos dragões. Porquê? Por causa da canhota de Sabry, o egipcío magricela, que sempre jogava de gola levantada, e que decidiu bater na bola a uns 25 metros da baliza e fazer um golaço. Não seria o único — umas semanas depois foi dele o livre direto que adiou, por uma semana, a festa do título do Sporting.

2002/2003. 4 de março de 2003, 24.ª jornada

Benfica 0-1 FC Porto

Dez pontos no meio e dez jornadas por realizar. Havia muito campeonato por jogar, mas fizeram deste o jogo do título, como José Mourinho, numa versão jovem e e ainda despida de canecos, disse no final. Um golo de Deco, 25 dias antes de juntar o luso ao brasileiro e de se estrear pela seleção nacional (também com um golo, frente ao Brasil, nas Antas), fez a diferença e embalou, de vez, o FC Porto para a conquista do primeiro de dois campeonatos com Mourinho. No Benfica já morava José António Camacho — ou “Maria”, como nome do meio, como Pinto da Costa disse, por engano, após o jogo –, treinador que alinhou com oito portugueses a titular. Foi obra e estes foram os nomes que a compuseram: Moreira, Miguel, Hélder, Ricardo Rocha, Petit, Tiago, Nuno Gomes e Simão Sabrosa.

2005/2006. 26 de fevereiro de 2006, 24.ª jornada

Benfica 1-0 FC Porto

Era um momento dos especiais: Vítor Baía chegava aos 400 jogos a proteger balizas no campeonato. Conseguia-o logo num clássico em que o quarto lugar do Benfica estava a oito pontos do primeiro do FC Porto. Hora e meia depois, os encarnados pintados por Ronald Koeman já só estavam a cinco. E a culpa, parte dela, foi do guarda-redes, que só quis um homem a fazer de barreira à frente da bola que Laurent Robert teve parada, num livre, a uns 35 metros da baliza — o francês rematou-a e mandou-a fazer um efeito esquisito o suficiente para deitar Baía deitar-se no relvado e ir para a cama com um frango.

O clássico jogou-se à 24.ª jornada, a dez do fim, e o Benfica passou a estar a sete pontos dos dragões. Mas não conseguiria impedir que o FC Porto dos três defesas, quatro médios e três avançados, montado por Co Adriaanse, acabasse como campeão.

2010/2011. 3 de abril de 2011, 25.ª jornada

Benfica 1-2 FC Porto

https://www.youtube.com/watch?v=ejlT2y-UV78

Não era preciso máquina de calcular: faltavam cinco jogos no campeonato e o FC Porto tinha 13 pontos a mais que o Benfica na liderança. O resultado assustava os encarnados — em caso de vitória, os dragões celebrariam a conquista do título nas barbas dos rivais. E a única surpresa do jogo foi o resultado não ter tido mais golos, pois muitos foram os remates defendidos pelos guarda-redes. Os portistas de André Villas-Boas superaram a equipa de Jorge Jesus e o Estádio da Luz chegou a ficar sem luz para os dragões comemorarem às escuras. Este foi o quarto de cinco duelos que Benfica e FC Porto travaram nesta temporada.