Já terminou a reunião de José Sócrates com os seus advogados, que decorreu esta tarde na prisão de Évora. À saída do encontro que durou cerca de três horas, o advogado Pedro Delille afirmou: “Vamos comunicar a decisão ainda hoje”. O outro advogado, João Araújo, foi questionado pelos jornalistas sobre se já haveria uma decisão por parte do ex-primeiro ministro em relação à proposta do Ministério Público de o colocar em prisão domiciliária com pulseira eletrónica, mas nada quis adiantar sobre o assunto. Amanhã, terça-feira, 9, José Sócrates terá de dizer pessoalmente ao juiz Carlos Alexandre se aceita ou não a prisão domiciliária com vigilância eletrónica.

Pode ou não José Sócrates recusar a prisão domiciliária com pulseira eletrónica?

– Pode. Segundo a lei de Meios Técnicos e Controlo à Distância, aprovada em 1999, quando António Costa era o ministro da Justiça do governo de António Guterres, e revista em 2010 durante o governo de Sócrates, “a vigilância electrónica depende do consentimento do arguido ou condenado”. Esse consentimento “é prestado pessoalmente perante o juiz, na presença do defensor, e reduzido a auto”. Portanto, esta terça feira, no decorrer da audição para a revisão da medida de coação, o ex-primeiro ministro terá de anunciar a decisão de viva voz ao magistrado Carlos Alexandre. A presença do arguido nesta audição torna-se obrigatória apenas porque o Ministério Público pediu a prisão domiciliária com vigilância eletrónica, caso contrário José Sócrates poderia ficar a aguardar na prisão de Évora a decisão de Carlos Alexandre.

Perante a recusa, José Sócrates pode voltar para a prisão?

– Pode. Com a última revisão do Código de Processo Penal, os juízes passaram a ter a possibilidade de aplicar medidas de coação mais gravosas do que aquelas propostas pelo Ministério Público, desde que considerem que se mantém o perigo de fuga e/ou perigo de continuidade da atividade criminosa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

José Sócrates pode ficar em prisão domiciliária sem pulseira eletrónica?

– Pode. Apesar de serem cada vez mais raros os casos em que tal acontece. Desde que a pulseira eletrónica começou a ser utilizada em Portugal (em 2002), a preferência por este sistema, que também acarreta custos menores (dispensa por exemplo, a necessidade de ter em permanência à porta do arguido um agente da PSP), passou a ser quase exclusiva. Um dos últimos casos mediáticos em prisão domiciliária foi o de Vale e Azevedo, que tinha vigilância à porta.

Que outra medida de coação pode o juiz Carlos Alexandre aplicar?

– Pode decidir que Sócrates aguarde pela acusação do Ministério Público em liberdade, sujeito a um Termo de Identidade e Residência, com ou sem apresentações periódicas às autoridades.

Existem outras razões para a recusa da pulseira eletrónica?

– Sim. Depois de o juiz Carlos Alexandre determinar esta medida, cabe aos serviços da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais elaborar um relatório. Nesse documento tem de constar se a casa onde o arguido vai ficar confinado tem condições para instalar o dispositivo técnico de vigilância eletrónica (box com telefone). Cabe também a estes serviços obter a autorização de todas as pessoas que habitam na casa, uma vez que “a utilização da vigilância electrónica depende ainda do consentimento das pessoas, maiores de 16 anos, que coabitem com o arguido ou condenado”.

É habitual haver uma recusa dos arguidos a esta medida de coação?

– Não. Segundo o António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, os casos de recusa que lhe chegaram vieram da parte dos familiares que não queriam que o arguido voltasse para casa. São normalmente casos ligados ao tráfico de drogas e também violência doméstica. Há também exemplos em que as pessoas manifestam alguma ignorância em relação ao dispositivo, relatando receios de que estarão também a ser vigiadas ao permanecerem na mesma casa que o arguido. Ao ponto de acharem que podem estar a ser escutadas e filmadas. Ao que o Observador apurou, contudo, existiu um caso recente em que o arguido recusou esta medida de coação.

Se José Sócrates ficar de novo em prisão preventiva, quando voltará a ser reavaliada a medida de coação?

– No prazo de três meses, até 9 de setembro. Nesta altura, já o país estará em plena pré-campanha para as eleições legislativas que Cavaco Silva deverá marcar para outubro.

Se José Sócrates tem de responder pessoalmente ao juiz Carlos Alexandre, qual é o papel dos advogados nesta altura?

– Os advogados João Araújo e Pedro Delille estão a preparar a contraproposta de José Sócrates à proposta do Ministério Público. Nesse documento vão solicitar a libertação do arguido, sem quaisquer outro tipo de condicionantes. Isso mesmo afirmou João Araújo à comunicação social: “Acho que não há motivos para qualquer medida de coação, esta ou outra”.

Se José Sócrates aceitar a pulseira eletrónica, quais são os limites a que ficará sujeito?

– Cabe ao juiz Carlos Alexandre definir as limitações impostas pela pulseira eletrónica. O sistema está preparado para que seja definido um perímetro específico para cada arguido, que regra geral é de 200 metros em relação à box instalada dentro de casa. Isto, se o arguido tiver de ficar confinado à habitação. Mas existe também a possibilidade de o sistema permitir saídas. Há mesmo casos em que os arguidos podem ir trabalhar. Caso Sócrates esteja impedido de sair de casa, terá sempre de obter uma autorização judicial para saídas temporárias, como por exemplo, uma ida ao médico ou ao tribunal. Mesmo neste caso, pode continuar a ser vigiado via telemóvel.

Se José Sócrates ficar em casa com pulseira eletrónica pode receber visitas?

– Segundo fontes contactadas pelo Observador, a proposta do Ministério Público impede-o de contactar com todos os arguidos deste processo, bem como com pessoas que possam perturbar o inquérito, nomeadamente políticos e agentes judiciais. A grande dúvida é perceber como poderá ser feito o controlo destes contactos, com Sócrates em casa. Nos casos de violência doméstica, o controlo é feito colocando também um sistema eletrónico na vítima, que apita quando o agressor se aproxima. No caso de Sócrates, apenas uma coisa é certa: se chegar ao conhecimento do juiz de Instrução ou do Ministério Público alguma violação da medida de coação, pode ser ponderada a alteração dessa medida. Mas como se fará este controlo não foi possível, ainda, apurar.

Como funciona a pulseira?

– O dispositivo colocado no tornozelo emite um sinal GPS constante para a box instalada em casa. Essa box é muito sensível, pelo que qualquer mudança de local ou até um pequeno toque altera a receção do sinal. Quando isso acontece, seja um problema com a box ou o facto de o arguido sair do perímetro delimitado, o sistema central de vigilância recebe um sinal de alerta. Há oito postos de vigilância no país, sendo que o sistema nacional está instalado em Lisboa. Após o alerta as equipas de vigilância ligam de imediato para o arguido através do telefone instalado na box. Se não for atendida a chamada, contactam as autoridades, que enviam uma equipa ao local. Esse sinal de alerta também é emitido se a pulseira for danificada ou se forem cortadas as ligações de telefone ou internet.

Quantas pessoas estão com pulseira eletrónica em Portugal?

– Segundo os dados da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, a 31 de Dezembro de 2014 havia 675 indivíduos sujeitos a esta medida de coação. Cerca de 50% são casos de violência doméstica. A pulseira também é utilizada em casos de liberdade condicional ou a condenados em fim de pena.

A pulseira eletrónica funciona?

– Segundo o mesmo relatório, em 2014 houve uma taxa de incumprimento de 6%. Um desses casos foi o de Manuel “Palito”, que cortou a pulseira que lhe tinha sido aplicada por antecedentes de violência doméstica e acabou por assassinar duas mulheres e ferir outras duas (a ex-mulher a filha).

Por que se recorre a esta medida?

– Por mais do que uma razão. É mais barato. Um arguido com pulseira eletrónica custa cerca de 16 euros por dia ao Estado, um terço do que custaria se estiver num estabelecimento prisional (gastos com infraestruturas e recursos humanos). Ajuda a resolver o problema da sobrelotação das prisões; retira o arguido do ambiente prisional, muitas vezes adverso; facilita a reintegração social e é uma situação mais confortável para o detido.