A crise tornou a economia portuguesa mais virada para a exportação. O peso relativo no PIB passou de 31% em 2007 para cerca de 40% em 2014, segundo dados apresentados esta terça-feira pelo Banco de Portugal. Ainda assim, apesar deste aumento, dadas as características de Portugal, seria necessário um aumento de mais 20 pontos percentuais, defendeu Carlos Costa durante o discurso de introdução de um painel de debate em que representantes das indústrias exportadoras. Estes pediram um “Estado que não atrapalhe”.

O governador do Banco de Portugal diz que, historicamente, a exportação tem sido em Portugal um setor “tolerado” e não incentivado. Carlos Costa associou à “economia estatizada” que existe em Portugal há vários séculos muitos dos desequilíbrios acumulados e que foram sendo compensados por remessas de emigrantes ou fundos comunitários. Em circunstâncias normais, “o mercado interno não é suficiente para garantir uma balança de pagamentos sustentável”, afirmou Carlos Costa, na abertura da 5ª Conferência da Central de Balanços.

Para sair da crise, “é preciso um setor exportador que responda aos desafios” e que é necessário que não voltem a emergir, “como vírus“, certas tendências que existem na economia portuguesa, nomeadamente para a apropriação de recursos por parte de grupo. Carlos Costa diz que é preciso um setor exportador que “crie emprego e que jogue o jogo da globalização de forma eficaz, de peito aberto“. E “somos capazes de jogar o jogo, e ganhar o jogo”, afiançou o governador do Banco de Portugal.

Muitas empresas “estavam na sua vidinha

Começámos por escrever que a crise tornou a economia portuguesa mais virada para exportação. Mas alguns representantes de várias indústrias, que debateram o papel da inovação na exportação, salientaram que sempre foi assim: a exportação sempre foi a resposta para fazer crescer as empresas. “No máximo, havia algumas empresas com capacidade para exportar que estavam confortáveis, na sua vidinha, no mercado interno, e tiveram de despertar”.

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Esta é a análise de Gonçalo Lobo Xavier, um dos participantes no debate que juntou uma vasta plateia de empresários vindos de todo o país. Em representação da AIMMAP, associação do setor metalúrgico e metalo-mecânico, apontou como uma vantagem para as empresas a capacidade de produzirem “pequenas séries, com valor acrescentado”, que conseguem concorrer com os produtores chineses, que precisam de encomendas enormes para conseguirem “esmagar preços”.

Gonçalo Lobo Xavier defendeu, ainda, que a China não deve ser considerada uma “economia de mercado” para efeitos da Organização Mundial do Comércio, porque qualquer pessoa que trabalhe no terreno sabe que as empresas chinesas recorrem a práticas como o dumping, que fazem com que não se possa considerar este país uma “economia de mercado”. O Observador escreveu, em setembro, uma peça sobre esta questão, que segundo um lóbi do setor pode custar 3,5 milhões de empregos na União Europeia. Leia mais aqui.

Um Estado que não atrapalhe”

Foi, também, Gonçalo Lobo Xavier que pediu “um Estado que não atrapalhe”, quando se falava sobre o que o Estado poderia fazer para tornar a vida das exportadoras mais fácil. 

“Qualquer que seja [o governo] há muita tendência para atrapalhar, com falta de estabilidade, medidas avulsas, ingerências em matéria de internacionalização”, afirmou o responsável. “Não temos de ter pudor em dizer que necessitamos de apoios para a internacionalização, como há em todos os países”, mas Gonçalo Lobo Xavier destacou, igualmente, a importância da redução da burocracia.

Além disso, Gonçalo Lobo Xavier pediu um Estado não protecionista mas que saiba melhor defender os interesses do Estado português em matéria de legislação europeia, que é muitas vezes “lesiva” para os interesses portugueses.

Outro membro do painel, João Maia, representante da associação do calçado (e outros) APICCAPS, defendeu que a ideia de “nascer no mercado interno e depois começar a planear a exportação – essa é uma realidade que já morreu”. No máximo, pode admitir-se uma realidade em que o “mercado europeu é o mercado interno e depois, sim, pode-se preparar uma entrada nos outros mercados do mundo”.

Daniel Traça, reitor da Nova School of Business and Economics, concordou que é preciso olhar para o futuro, incluindo no seu setor da educação, que sofreu muitas mudanças nos últimos anos, nomeadamente Bolonha. “Já ninguém está seguro na sua quinta”, afirmou Daniel Traça. “Mesmo quando as empresas não gostam de se internacionalizar, têm de o fazer e ganhar gosto por isso – porque primeiro estranha-se mas, depois, entranha-se”. Em vários setores, “quem não exportar, estará condenado a morrer”, atirou o reitor Nova SBE.

João Maia salientou, por seu lado, que “Portugal tem uma imagem lá fora que foi afetada pelo resgate externo”, pelo que agora é preciso “falar mais das nossas virtudes lá fora (e falar dos nossos defeitos apenas em privado) para que nos possamos vender lá fora”. Até porque “há países bem mais pequenos do que Portugal que fazem mais”.

Minutos antes, Gonçalo Lobo Xavier, o representante da AIMMAP afirmou que já tem vindo a notar um “refrear do investimento nos últimos meses, para ver o que vai acontecer tanto a nível interno como a nível externo”.